Violência sexual contra crianças na BA é maior em 2021 do que no 1º semestre de 2020

Saiba como reconhecer, evitar e denunciar esses crimes

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  • Marcela Vilar

Publicado em 18 de maio de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Elza Fiúza/Agência Brasil

A Bahia é o quarto estado do Brasil com mais casos de violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em 2021, os registros no estado também cresceram 10,7% em relação a 2020. Até a segunda-feira, 17, foram 857 violações registradas pelo Disque 100, contra 774 no primeiro semestre do ano passado. Nesta terça-feira, 18 de maio, é o Dia Nacional de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. 

Segundo levantamento do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), nos cinco primeiros meses de 2021 também houve alta em relação ao último semestre do 2020, entre julho e dezembro, quando 721 violações foram reportadas. Se compararmos os dados desse período, ainda incompletos porque maio não terminou, com o segundo semestre de 2020, o crescimento é, por hora, de 18,8%.  

A maioria das vítimas segue o mesmo perfil: meninas (74,18%), pretas e pardas, entre 12 e 14 anos, com ensino fundamental incompleto e renda familiar de até um salário mínimo. Já o perfil de quem agride é de homens (66,84%), entre 35 e 39 anos.  

Os crimes são majoritariamente cometidos por pessoas próximas, da própria família - como pai, padrasto, tio – ou vizinhos. O local também é familiar, o abuso ocorre dentro da casa onde reside a vítima e o agressor (48,3%), na casa do suspeito (20%), ou na casa da vítima (17,5%). Em menor quantidade, os crimes também podem se passar em ambiente virtual (2,8%), em via pública (2,3%), casa de familiares (1,7%) e até em instituições de ensino (0,8%).  

As violações, em sua maioria, não acontecem uma única vez. As vítimas são abusadas diariamente (63,3%) pelos agressores por mais de um ano (27,7%) ou seis meses (21,7%). Dentre as violações cometidas, as mais frequentes são estupro (23,5%), abuso ou importação sexual (23,1%), importunação sexual psíquica (21%), exploração sexual (17,7%) e assédio sexual (14,7%).  

Os dados do ministério ainda apontam como principal motivação do agressor, a idade e o gênero da vítima. Em seguida, as principais razões são para fins de exploração sexual e benefício financeiro. Apesar da maioria dos crimes registrados esse ano não serem configurados como situação de emergência, 27 deles colocaram a pessoa agredida em risco de morte. 

Dentre as cidades baianas citadas no levantamento do Dique Denúncia, a com maior número de violações é Irecê, com 109 queixas, seguida de Salvador, com 71, Alagoinhas (12) e Feira de Santana (11).  

Uma das meninas abusadas foi Alice**, que tem hoje 16 anos. Ela morava com a mãe, irmãos e padrasto, quando viajou, em março de 2020, para São Paulo, onde encontraria com o pai. Ele a conduziu de carro e abusou dela durante o caminho. Ela foi abusada duas vezes.  

“Na minha cabeça é como se não estivesse acontecendo todos aqueles toques e mãos nas minhas partes íntimas. Aproveitei a parada na estrada para beber água, comer e esticar as pernas, daí fui até o banheiro e liguei para a minha mãe. Contei o que aconteceu, mas ela não acreditou. Em seguida, liguei para meu namorado e pedi ajuda. Ele, sim, acreditou e fez a denúncia. Quando voltei para o carro, meu pai pediu desculpas, disse que não precisava ficar assustada e que não aconteceria mais, por isso, poderia seguir com ele tranquila para sua casa”, disse a adolescente. 

Alice** está hoje acolhida pela equipe da Associação das Comunidades Paroquiais de Mata Escura e Calabetão (Acopamec). Todo ano, a associação acolhe 40 pessoas, que passam a morar em uma das cinco casas-lares existentes no local. Nelas, as crianças e adolescentes frequentam a escola, participam de cursos profissionalizantes e permanecem até completarem 18 anos. Se a autoestima estiver recuperada, eles podem deixar o local.  

“No momento em que cheguei à Acopamec, minha primeira reação foi de muito medo, mas, quando passei a ver minha vida sendo diferente, com meus conhecimentos sendo aprimorados, me fortaleci para enfrentar a vida mesmo com essa dor dentro de mim. Hoje, tenho como sonho ser advogada e abrir meu escritório. Quero seguir a vida com perspectivas novas e diferentes. Temos que ser fortes”, afirma Alice**. 

Promotora alerta para subnotificação 

A promotora de justiça do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Márcia Sandes, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Criança e do Adolescente (Caoca), afirma que os números do Disque 100 podem estar subnotificados, visto que a maioria das pessoas não faz a denúncia por órgãos e canais oficiais. A campanha criada pelo MP-BA contra a violência sexual em geral pode ser consultada pelo site quebreosilencio.mpba.mp.br.  “Desde o início da pandemia, temos esse receio de que a criança estando isolada do convívio social da escola e das consultas médicas, dificultaria o conhecimento da violência, porque essas são as principais portas de entrada da identificação dos sinais de violência”, pontua Márcia.A promotora relembra que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) obriga esses profissionais da saúde e da educação a denunciarem a situação aos órgãos competentes. Ela acrescenta que o perfil da vítima se repete ainda pelo preconceito contra o gênero e raça, ou seja, o machismo e racismo imperam como motivo dessas agressões. “Existe um maior índice em meninas negras entre as vítimas e essa desigualdade, sem dúvida, é uma questão do preconceito em relação à figura da mulher, de ela sempre ser vista como objeto de desejo, prazer, de ser julgada pela forma de vestir, dos lugares que frequenta. Culturalmente, isso existe na história da sociedade”, explica Sandes.  

Educação é saída para evitar delitos 

A titular da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes contra a Criança e Adolescente (Dercca), a delegada Simone Moutinho, diz que a única maneira de evitar que esses crimes aconteçam é através da educação, para quebrar os paradigmas culturais racistas e machistas existentes.“O único jeito é pela educação, incluindo campanhas educativas e ações para a sociedade refletir e mudar de posicionamento, para que o delito não aconteça e, depois, se acontecer, estimular a denúncia”, afirma Simone.  Essas campanhas visam esclarecer as situações de abuso sexual e estupro, alertando ainda que esses crimes são hediondos e equiparados a um homicídio. A pena para o crime de estupro é de 6 a 10 anos. Já o de estupro de vulnerável, quando a criança ou adolescente tem menos de 14 anos, é de 8 a 15 anos.  

“Há uma subnotificação por conta da cultura machista, a prova é muito difícil, porque geralmente outro familiar que toma conhecimento que o crime aconteceu. Então, é preciso explicar o que é exploração sexual, o que é estupro, e posteriormente, como agir. A exploração sexual com crianças não é brincadeira, é crime, precisamos quebrar o silêncio”, defende Moutinho.  

Um dos projetos da Dercca é começar a ir em escolas para capacitar os educadores sobre como identificar quando a criança ou adolescentes está passando por esse tipo de violação. Além disso, nesta terça (18), no Salvador Shopping, a delegacia fará ação para esclarecer dúvidas sobre esses crimes e as medidas que a polícia pode tomar. Haverá ainda a distribuição de adesivos que celebram a importância do Dia 18 de maio. O stand ficará no Piso L1, em frente à loja BMart, das 11h às 19h. Um psicólogo também foi convidado para fornecer orientações ao público. 

Como identificar os abusos  

O psicólogo, especialista em psicanálise, Adelmo Filho, que trabalhou no atendimento e acolhimento de vítimas de abusos sexuais, afirma que é muito difícil uma criança conseguir explicar em palavras que foi vítima de abuso. “Algumas vezes, dá para identificar quando ela fica muito reclusa, mais distante de determinada pessoa, com medo, tendo alterações de humor, mudança de comportamento”, enumera o psicólogo.  

Um caso que ele atendeu foi de uma criança de dois anos que tinha sido abusada pelo pai. “Ela não sabia se comunicar de forma alguma, a mãe apresentava certa suspeita, e através das brincadeiras, a gente percebeu que ela tinha uma rejeição pelos bonecos masculinos e conseguia expressar o que estava acontecendo”, exemplifica Adelmo. Ele pontua que a ameaça do agressor é um fator que dificulta a denúncia da vítima.“Por vezes, essas crianças elas são ameaçadas - ou compradas com dinheiro, comida e brinquedo - pelos abusadores. Elas têm muito medo de falar e, quando falam, é para alguma outra pessoa de uma faixa etária semelhante", orienta.Outras formas de identificar os acasos de abuso é observar comportamentos de agressividade na escola ou brincadeiras de tocar partes íntimas no prórpio corpo ou em outra criança.  

Onde e como denunciar:

- Disque 100 (central de atendimento à violações de direitos humanos) - Lique 180 (central de atendimento à mulher) - Whatsapp do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH): (61) 99656-5008 - Ministério Público da Bahia (MP-BA): 0800 642 4577 ou https://quebreosilencio.mpba.mp.br/ - Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes a Criança e Adolescente (Dercca): 3235-0000 - Qualquer delegacia de polícia

*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro