Vítima de racismo, baiano de 12 anos ganha livros e telefonema do presidente da ABL

Famosos como Xuxa, Bruno Gagliasso e Érico Brás também incentivaram Adriel Bispo

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  • Marcela Vilar

Publicado em 5 de junho de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Fã de livros e dono do perfil @livrosdodrii no Instagram - onde compartilha as últimas leituras e faz resenhas literárias -, Adriel Bispo, 12 anos, viu o número de seguidores de sua conta na rede social saltar de 240 para mais de 830 mil na última semana e a pequena biblioteca, no canto do quarto, ficar mais cheia.

Após ser vítima de racismo, o menino tem recebido apoio de muitas personalidades na Internet e passou a receber, em média, de 10 a 15 livros por dia de presente. A doação mais recente foi a do presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Marco Lucchesi, que conversou com ele por telefone. “Fiquei maluco quando soube que falei com o presidente. Não sabia que era ele na ligação”, disse Adriel. Na conversa, Lucchesi reconheceu a vocação do garoto e encorajou-o a continuar com sua paixão pela leitura.

Foi na última quarta-feira (27) que Adriel foi atacado na rede social. “Eu achava que preto era pra ta cavando mina, não lendo. Para de ser trouxa, você foi criado pra ser pobre e preto”, dizia a mensagem, enviada por um anônimo. Foi a primeira mensagem desse tipo para Adriel, e ele disse que ficou triste, mas não abaixou a cabeça. “Fiquei bem triste quando recebi a mensagem, mas dela vieram muitas coisas boas. Ela veio para a realização de alguns sonhos, como dar uma vida melhor pra minha família e ter uma biblioteca”, contou. 

E não são só livros que Adriel tem recebido como doação. Após a repercussão do caso, a mãe dele, Deise Oliveira, conta que o menino já ganhou curso de espanhol, curso de inglês, o primeiro delivery de sushi, reforma para o quarto, uma cama nova, um kindle - por um doador anônimo -, e três escolas particulares ofereceram bolsas de estudo para que ele se matriculasse com todos os materiais incluídos. Atualmente, Adriel estuda numa escola estadual no bairro da Vila Laura, onde mora.“Nossa rotina mudou para melhor. Ele sempre quis fazer isso e ganhou visibilidade para expandir mais. Está realizando tudo que ele sempre quis, que é ficar no mundo dos livros”, relatou a mãe.Ela abriu queixa na polícia após o caso. Segundo Deise, o registro da ocorrência foi para mostrar que hoje o agressor, mesmo que anônimo, deve ter alguma forma de punição. 

Ela conta também que o racismo é debatido em casa, mesmo que Adriel só tenha 12 anos. “O debate aqui em casa é não agregar o ódio. Digo a meu filho: quando a pessoa machuca com a palavra, não devolva, pois são ignorantes, não têm amor”, orientou a mãe.

Amante da leitura Alfabetizado aos cinco anos, Adriel começou o gosto pela leitura aos nove e contou que a família sempre incentivava dando livros. O primeiro que leu foi o Pequeno Príncipe, do escritor francês Saint-Exupery. Desde então, o garoto estima que já deve ter lido mais de 150 livros e que, no mínimo, lê dois por mês. “Depende da grossura”, explicou, sem preferência por tema ou gênero literário específico. O estudante comemora os 800 mil seguidores no perfil literário do Instagram (Foto: Divulgação) Suas leituras atuais são Dom Casmurro, de Machado de Assis, Pollyana, e o Pequeno Príncipe Preto, de Rodrigo França.

Mesmo com o apego aos livros, Adriel não hesitou em vendê-los quando a situação financeira apertou em casa. A mãe revelou que, quando ela estava desempregada, o filho juntou cerca de 100 livros e vendeu no sebo do bairro. 

Em sua rua, Adriel disse que quase ninguém gosta de ler. Tinha até uma “geladeira comunitária”, como ele definiu, que servia como um depósito de livros - e Adriel contribui com algumas obras, mas muitas crianças rasgavam os exemplares. 

Livros na rede A ideia de criar o perfil no Instagram surgiu da prima, Bruna Souza, que já tinha uma página na qual postava dicas de livros, e incentivou o primo a fazer uma. Desde que criou a conta, as postagens são filtradas pelo “pente fino” da mãe e monitoradas pela prima, que limitam o horário para o uso do celular.

“A gente sempre monitorou e Adriel pede sempre pra gente ajudar a responder as mensagens, porque ele quer responder todo mundo”, conta Paloma Andrade, prima e vizinha de porta. O perfil @livrosdodrii recebe mais de 200 mensagens por dia, segundo ela.

Preocupada com o primo ficar muito tempo nas redes, Paloma também fez uma lista para Adriel não esquecer de fazer as tarefas diárias, agora que é um influencer no mundo literário. “Fiz a lista para ele não ficar tão focado na rede social, porque tudo isso para ele é ainda muito novo”, esclareceu.

Repercussão Muitos famosos, como atores, escritores e apresentadores de TV, compartilharam o caso de Adriel nas redes sociais e enviaram doações, o que ajudou-o quase a quadruplicar o número de seguidores na última semana. Atores como Bruno Gagliasso, Érico Brás, Rafael Zulu, e as atrizes Fabíula Nascimento e Fernanda Paes Leme estão entre os que comentaram suas publicações. O cantor Emicida deixou na caixa postal de Adriel o livro escrito por ele “Amoras”, que está no top 3 da lista de leitura indicada por @livrosdodrii ao jornal CORREIO. 

“Foi uma coisa incrível, nunca achei que isso ia acontecer na minha vida”, disse Adriel, animado, sobre o apoio que tem recebido. O que o deixou mais surpreso foi um comentário da apresentadora Xuxa, que disse que quer o garoto para presidente do Brasil no futuro. Adriel, no entanto, pretende ser escritor, ou, quem sabe, biólogo, seguindo os passos da madrinha, outra grande incentivadora. 

* Com orientação da subeditora Clarissa Pacheco