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Publicado em 14 de setembro de 2020 às 17:47
- Atualizado há um ano
O tribunal da internet iniciou o julgamento do Neymar. A dicotomia do bem e do mal mais uma vez se apresentou para um episódio de ódio racial. E nessa "audiência de custódia virtual", o juiz confunde a vítima com o criminoso. Advinha por quê? O cara é preto e jovem! E mais uma vez quem sai pela tangente? O agressor não negro! Neste caso, o Álvaro Gonzalez, que nem chegou a precisar de defensor, afinal, a estratégia é focar nos estereótipos e no histórico do acusado, perdão, vítima, desculpa: Neymar! O "menino Ney".
Brincadeira introdutória à parte, isso sempre acontece. O foco sempre é na vítima. E está para todo tipo de questão. Como aconteceu recentemente com a menina de dez anos que tinha o direito de fazer um aborto, porque foi estuprada, mas parte da sociedade se preocupou mais no viés conservador e fundamentalista e no impedimento do processo da interrupção, do que no caso sofrido e se o agressor respondia por tal crime hediondo.
No racismo é assim também. Sempre! A vítima que acusa o racista é apontada como "louca", ou "confusa", ou "exagerada", ou "problemática". Sempre! Mas dessa vez a vítima que reagiu foi o Neymar. O jogador que certamente sofre com o racismo cotidianamente, finalmente, se posicionou. Reagiu ao xingamento de "Macaco" proferido por Álvaro Gonzalez, do Olympique de Marselha em partida realizada neste domingo contra o Paris Saint-Germain. E sabemos que reagir é uma etapa do processo da tomada da consciência racial. E como é doloroso passar a enxergar o mundo de forma racializada.
Todo dia os (nossos) pais e mães de pessoas negras dizem: não reajam! Em especial quando se trata de abordagens policiais, muitas vezes carregadas de políticas genocidas impregnadas de racismo institucional. Reagir à violência racial é um processo transformador, mas precisa de tempo.
É de conhecimento de todos que há uma conscientização coletiva, em nível global, a partir do debate do Black Lives Matter que se reacendeu a partir dos assassinatos de Breonna Taylor e George Floyd nos Estados Unidos. É importante! Mas, há um ano, quando a Opal Tometi, co-fundadora do Black Lives Matter esteve em Salvador e se reuniu com as organizações de mulheres negras da Bahia (felizmente, eu estava lá) não teve alvoroço ou veículo de imprensa registrando a passagem da ativista.
Trago ainda Ângela Davis, aclamada em 2017 na reitoria da UFBA lotada. Quantas outras vezes ela esteve na Bahia e passou de forma não tão percebida? Três, quatro vezes? Mais? Se coletivamente precisamos de tempo, paciência e abertura de nossas mentes para aprender, entender e nos perceber nas contribuições e influências da população africana para a população brasileira, também precisamos deste mesmo discernir para os acontecimentos individuais. Faz parte do "Tornar-se negro", abordado em publicação da psicóloga Neusa Santos.
E aí que voltamos ao Neymar. Muitas pessoas comentaram com espanto a reação do jogador. Outras ficaram felizes e esperançosas de que ele assuma mais a pauta antirracista (eu fiquei!). Já outras pessoas comentaram de forma agressiva e validando que a dor do racismo sofrida por ele seria merecida, afinal: "Neymar disse que não era negro!", se recordam. Sim, Neymar já fez essa afirmação, quando ainda adolescente. Mas ele cresceu e o processo identitário é construído não apenas pelo que achamos de nós, mas também de como os outros nos enxergam. E a Europa, certamente, todo o dia, de diversas formas, deve dizer para Neymar, assim como o personagem Boca (Wagner Moura), no belíssimo filme Ó Paí ó, grita para Roque (Lázaro Ramos): "você é negro!". Mas, assim como Roque, Neymar reagiu! O gritaram "negro" e ele não retrocedeu! (Salve, Victoria Santa Cruz!)
E, por isso, precisamos mais uma vez ter aquela boa e velha empatia. E nos despir de todos nossos pré-conceitos a partir do que achamos sobre a pessoa Neymar, sobre os seus posicionamentos políticos e/ou sobre o histórico de acusação sobre agressão. A pauta aqui é única: o racismo sofrido por ele durante exercício do seu trabalho e como o jogador teve de, sozinho, fazer a sua auto defesa, como tantos meninos e meninas, homens e mulheres negros/as fazem diariamente.
Obviamente, queríamos e queremos que ele faça com os ícones do esporte: Lebron James, Lewis Hamilton, Weston Mckennie, Coco Gauff, Serena Williams, Roger Menezes, Ângelo Assumpção, Aranha, entre tantos outros que se posicionam. Afinal, ele é o grande símbolo do esporte para o Brasil. Mas será que essa é uma luta que todos conseguem entrar? E todos e todas as pessoas negras precisam entrar? É uma grande cobrança, sabemos. Assim como sabemos também que Neymar representa muito para a garotada negra nas comunidades, meninos e meninas que sofrem diariamente com o filtro racial. E uma palavra sua pode gerar um grande impacto. E é curioso como, queremos uma reação das mentes para responder à violência racial, mas, ao mesmo tempo, sabemos que o racismo institucional se apresenta para estes jovens através da criminalização da pobreza e, também, da violência policial e do nosso "não reaja!".
Todos e todas nós seguimos e seguiremos com nossas mãos para o alto, mas levantando as nossas bandeiras de luta. No esporte, não é diferente. E uma coisa é certa: Vozes Negras Ecoam e Importam! E eu tenho um sonho. Ver Neymar ver pautando causas raciais, vestindo camisas, como o Lewis Hamilton, e falando sobre Miguel Otávio ou os casos de Paraisópolis, Costa Barros, ou "Quem mandou matar Marielle?". Mas se esse sonho não for possível, ok, né?
O importante é estarmos aquilombados para nos defender quando "Álvaros" postarem fotos conosco, em tentativa desesperada de se legitimar como "amigo de negros". E parafraseando ensinamento de Steve Biko, o importante é Neymar seguir negro, vivo e orgulhoso. A representação social e simbólica do jogador já parte da luta antirracista! É representatividade. Que também importa.
Ubuntu.