Woody Allen: o ocaso de um gênio triste

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

  • Foto do(a) author(a) Paulo Sales
  • Paulo Sales

Publicado em 7 de outubro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .
Crimes e Pecados/1990 por foto/divulgação

Woody Allen pouco se importa com a posteridade. Em entrevista ao jornal espanhol El País, na semana passada, ele afirmou: “Não me interessa meu legado, não me interessa o que farão com os meus filmes quando eu já não estiver, podem jogá-los no mar. Uma vez que estamos mortos, estamos mortos. Acabou-se”. Mas é pouco provável que a posteridade lhe seja tão ingrata. Quando revemos seus melhores filmes, nos damos conta do quanto permanecem íntegros, charmosos, atuais. E mesmo ele estando já longe do seu auge, é sempre um prazer cumprir uma vez por ano a visita sagrada a uma sala de cinema para conferir seu novo trabalho.

Nos últimos tempos, isso tem sido mais difícil. Depois que a grave acusação de abuso sexual feita por sua filha adotiva, Dylan Farrow, foi encampada pelo Me Too, Allen se viu de volta a um turbilhão do qual já havia saído anos antes, quando o processo foi julgado e ele, inocentado. Reconheço a relevância do movimento feminista, que entre outras proezas conseguiu implodir a reputação de um canalha do quilate do produtor Harvey Weinstein, predador sexual que usava das piores táticas para estuprar ou tentar seduzir mulheres. Mas, como toda onda avassaladora e sem freio, o Me Too cometeu a meu ver uma injustiça contra Allen.

Não que duvide do que disse Dylan. Mas, depois de ler sobre o assunto, me parece evidente que ela sofreu o que na psicologia é chamado de alienação parental – ou memória emprestada, para usar o termo de Oliver Sacks. Em outras palavras, uma manipulação psicológica tão pesada, promovida ou induzida por pais ou avós, que faz com que a criança realmente acredite ter sofrido um trauma. O depoimento do irmão de Dylan, Moses, parece confirmar a tese de que a convivência com Mia Farrow era um pesadelo sem direito a despertar. Na entrevista ao El País, Allen é lacônico ao comentar o caso. Parece exaurido, triste.

Com tudo isso, o lançamento do seu filme mais recente, A Rainy Day in New York, acabou cancelado nos Estados Unidos, após um imbróglio com a Amazon. Na Europa, a estreia é no fim do ano e por aqui ele chega no início de 2020. A carreira do cineasta em seu país está praticamente encerrada, o que é um ocaso desolador. Poucos autores foram tão felizes em reproduzir o universo particular de uma cidade como ele fez com sua Nova York. A boa notícia é que está rodando um novo filme na Espanha.

Allen é meu cineasta preferido, ao qual volto sempre que possível. Sua obra condensa e amplifica questionamentos primordiais da humanidade, oferecendo de bandeja um olhar muito peculiar sobre o mundo: a alta cultura, o humor impagável, a sensibilidade, o pessimismo atávico, a herança judaica como bênção e maldição (mais maldição do que bênção), o jazz, a relação entre culpa e pecado tomada emprestada de Dostoiévski, a melancolia que emula Fitzgerald. E, acima de tudo, a evocação da beleza e do amor como preciosidades da civilização.

A seguir, uma lista afetiva e pessoal dos 10 melhores filmes de Woody Allen:

[[galeria]]