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Larissa Almeida
Publicado em 5 de dezembro de 2025 às 18:28
Lideranças religiosas, pesquisadores e autoridades do estado realizaram uma escuta pública, na manhã desta sexta-feira (5), para discutir os próximos desdobramentos da pesquisa arqueológica e urbanística que redescobriu o cemitério de escravizados e pessoas marginalizadas, datado dos séculos XVI ao XIX, no estacionamento do complexo da Pupileira, no bairro de Nazaré, em Salvador. Durante reunião no Ministério Público, os participantes acenaram a favor da construção de um memorial e mostraram cautela quanto ao avanço das investigações no espaço. >
Na abertura da escuta pública, a pesquisadora Silvana Olivieri relembrou os passos dados até a redescoberta do cemitério, em maio. A pesquisa arqueológica, que escavou uma área de, aproximadamente, 1,5 m² em uma profundidade de cerca de 3,30 metros, coletou um material que totalizou 224 peças em apenas 10 dias. Desse total, 100 vestígios eram de ossos humanos e 17 eram dentes. >
Cemitério de escravizados em Salvador
Segundo estudos realizados, a estimativa é que 80 mil a 100 mil corpos tenham sido enterrados no estacionamento da Pupileira. Até o momento, os indícios encontrados apontam para materiais de pelo menos dois indivíduos diferentes. Se, por um lado, é pretensão dos pesquisadores avançar nas investigações, os líderes religiosos pedem calma. >
“Minha preocupação espiritual é que gente pode mexer com coisas que depois não teremos mais controle. Minha outra preocupação é com a estrutura, se o cemitério avança para o espaço da própria Pupileira ou para fora, assim como o gerenciamento do espaço para construir um memorial que tenha acessibilidade", disse padre Lázaro Muniz, da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. >
No caso dos líderes candomblecistas, foi pedido mais tempo para que os sacerdotes possam averiguar quais as consequências espirituais possíveis na hipótese de mais restos humanos serem escavados. “Mexer demais não é bom, mas é importante o reconhecimento de que aquele local é sagrado”, ponderou Lilian Stender, ialorixá e sacerdotisa da nação Ketu. >
Já Lívia Maria Sant'Anna Vaz, promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia, reforçou a perspectiva de oficializar o cemitério como um espaço de memória. “O nosso grande desafio coletivo é equilibrar os avanços científicos e a dimensão espiritual. Eu penso que, se a pesquisa avança, tendo em vista que ela é complexa, a gente precisa saber o que fazer com aquele espaço, no sentido de estabelecer que ele é sagrado", destacou. >
Enquanto não há uma decisão final sobre o futuro das pesquisas, todos sinalizaram a favor da construção de um memorial no local da redescoberta. Desde o final de outubro, a desocupação do estacionamento frontal do Complexo da Pupileira foi solicitada e o cemitério foi reconhecido como Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). >
À época, a arqueóloga Jeanne Almeida enfatizou a importância do diálogo para decidir o que fazer com o achado. “Vamos dar continuidade à escuta social, seja através de audiências públicas, porque queremos tentar incorporar as dores e necessidades sociais no que está sendo projetado, para que possamos observar aquela área como uma que evoca a memória social e coletiva, principalmente das comunidades negras”, disse em entrevista ao CORREIO. >