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Larissa Almeida
Publicado em 21 de agosto de 2025 às 06:00
Uma rua extensa, cercada por verde, poucas residências e muitos terrenos baldios. Assim é a Rua Heráclito, localizada no bairro de Fazenda Grande IV, em Salvador, que se destaca por um fator inusitado: a grande concentração de terreiros em um mesmo espaço. Em apenas 925 metros, são 15 casas de axé – sendo que, fora dessa delimitação, ainda existe pelo menos outras cinco. >
Em dezembro do ano passado, 17 terreiros daquela rua ficaram sob risco de desmatamento depois que máquinas pesadas de uma construtora passaram a escavar uma grande área de terra. O povo de santo que vive ali relatou ter sofrido diversas ameaças, além de ter testemunhado a destruição de assentamentos e objetos sagrados. A situação só teve solução após mobilização e atuação das autoridades, que impediram a continuação da escavação. >
À época, todos os terreiros e até mesmo os habitantes da rua, que não necessariamente são praticantes da religião, se uniram para defender o espaço. Isso porque, segundo Paula Pantaleão, mame’tu do terreiro Unzo Kassanguanje Mukongo, todos conhecem a importância daquela terra. Não à toa, tantos terreiros se concentram naquele local. >
“Existe uma questão de chamado. Nós somos escolhidos o tempo todo, não escolhemos o nosso destino, é o axé que nos escolhe. Aqui, nós encontramos uma terra viva, uma terra de axé. É uma terra próspera, onde todos se dão bem, todos se gostam e são prestativos uns com os outros”, diz. >
Segundo Paula, a maior parte dos terreiros da Rua Heráclito pertencem à nação Keto, portanto, falam iorubá durante os preceitos. Na localidade, somente quatro terreiros são de nação Angola. Todos dividem o espaço e valorizam a região pela nascente que ali existe e pelas árvores, que dão as folhas indicadas para os cultos de matrizes africanas. >
Conheça a Rua Heráclito, que tem 15 terreiros em menos de 1 km
Evilasio da Silva Bouças, presidente do Conselho Municipal das Comunidades Negras de Salvador (CMCN) e diretor de Assistência Social e Cultura da Associação do Terreiro Tumba Junsara (AbenTumba) explica que, de maneira geral, os terreiros passaram a ocupar as regiões da cidade com características parecidas às existentes na Rua Heráclito. >
“Houve uma migração para locais da cidade onde tivesse vegetação, nascente e tivesse condições de fazer seus atos com mais liberdade, sem barulhos e sem água contaminada. A expansão imobiliária, o desmatamento e, consequentemente, a falta de recursos na natureza, levaram a população de matrizes africanas saírem do centro para bairros mais periféricos”, frisa. >
De acordo com o Mapeamento dos Terreiros de Salvador, coordenado por Jocélio Teles dos Santos pelo CEAO/Ufba, em 2008, cinco dos 14 bairros que possuíam mais de vinte terreiros eram os seguintes: Plataforma (58), Cajazeiras (46), Paripe (42), Cosme de Farias (36) e Liberdade (34). A pesquisa mostra que, em Plataforma, o crescimento ocorreu a partir dos anos 90, enquanto, em Cajazeiras, o crescimento foi de dois terreiros anualmente. >
No caso de Fazenda Grande IV, o baixo custo da terra e a proximidade com os recursos naturais é o que, na perspectiva de Vilson Caetano, babalorixá, antropólogo, professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pesquisador da cultura afro-brasileira, é o que motivou a concentração de terreiros naquele espaço. >