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Wendel de Novais
Publicado em 18 de dezembro de 2025 às 05:36
A execução de três técnicos de internet no bairro do Alto do Cabrito, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, escancarou os riscos enfrentados diariamente por trabalhadores do setor diante da ofensiva de facções criminosas contra empresas prestadoras de serviço. Ricardo Antônio da Silva Souza, 44 anos, Jackson Santos Macedo, 41, e Patrick Vinícius dos Santos Horta, 28, foram mortos na noite de terça-feira (16) após serem sequestrados durante o expediente. A polícia aponta que o crime foi motivado pela falta de pagamento do chamado “pedágio” exigido pelo Comando Vermelho (CV) para permitir a atuação da empresa nas áreas dominadas pelo grupo.>
Na ponta mais vulnerável dessa engrenagem estão os trabalhadores. Um técnico de internet, que preferiu não se identificar por medo de represálias, descreve um cenário de intimidação constante. “O crime avisa para não atuar no local, que nas áreas deles só pode atuar a empresa que paga. Nessa história, infelizmente, quem morre é o trabalhador. Amanhã as empresas contratam outros e colocam na mesma situação de risco em que somos ameaçados, abrem nossos celulares e ficam nos intimidando. Estamos pagando o pato”, desabafa. >
Segundo as investigações, os técnicos realizavam um serviço de instalação na região de Marechal Rondon quando foram abordados por traficantes. Eles teriam sido levados à força para o Alto do Cabrito, local já conhecido como ponto de execução e desova de corpos. O triplo homicídio ocorreu por volta das 19h30, no início da noite, em uma ação descrita por fontes policiais como estratégica, com o objetivo de intimidar e enviar um recado direto à empresa.>
Vítimas gravaram vídeo brincando antes de morrer
Familiares relataram que as ameaças já faziam parte da rotina dos técnicos. Ricardo, uma das vítimas, havia sido abordado anteriormente por criminosos enquanto trabalhava nas ruas. “Eles deixaram claro que, se a empresa não pagasse, onde os técnicos fossem, eles iriam matar. Queriam propina e ele morreu inocente”, contou uma parente, que teve a identidade preservada por segurança. Nenhuma das vítimas possuía antecedentes criminais, segundo registros do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).>
A cobrança ilegal, conforme a apuração, era direcionada à Planet Internet, provedora que atua em bairros da região de Pirajá e do Subúrbio Ferroviário. A empresa foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou até a publicação. De acordo com a polícia, a execução dos trabalhadores teria sido uma punição imposta pela facção diante da recusa ou do não pagamento da taxa exigida. Para o sociólogo e pesquisador do Laboratório de Estudos em Crime e Sociedade (LASSOS-UFBA), Luiz Claudio Lourenço, o caso reflete um padrão que vem sendo replicado por organizações criminosas em diferentes regiões do país.>
“Cada vez mais temos visto práticas de mimetismo entre os grupos criminosos. Um exemplo é a cobrança e monopólio de oferta por serviços de internet, gás, etc. em áreas de influência desses grupos. Esse tipo de atividade abusiva se iniciou há mais de uma década em áreas dominadas por milícias no Rio de Janeiro. Depois as facções criminosas cariocas também passaram a adotar e aperfeiçoar tal modalidade. Acredito que o intercâmbio e influência das facções cariocas no Nordeste, em especial na Bahia, contribuíram fortemente para que casos como este pudessem acontecer em Salvador”, analisa.>
Especialista em segurança pública, o coronel reformado Antônio Jorge Melo pondera que ainda é cedo para se tirar conclusões a respeito das motivações desse triplo homicídio, mas destaca que, há algum tempo, se verifica uma “diversificação dos negócios” dessas facções, como forma de reduzir a dependência do tráfico de drogas como fonte de renda, muitas vezes afetada por operações policiais.>
“Não é novidade faccionados ameaçarem e atacarem provedores de internet em busca do monopólio do serviço, impedindo essas empresas de ofertarem seus serviços e/ou danificando ou destruindo equipamentos. Nessas ações, os criminosos quebram caixas de distribuição de rede que ficam em postes nas ruas, arrancam os fios, ameaçam e obrigam moradores a pedir o cancelamento do serviço”, explica.>
Após o crime, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP) afirmou que localizar os autores do triplo homicídio é prioridade das forças policiais. Segundo o órgão, ações das polícias Militar e Civil foram intensificadas nas últimas horas na região do Alto do Cabrito. Em reunião realizada na manhã de quarta-feira (17), representantes de empresas de internet foram recebidos pela SSP para alinhamento de informações e estratégias.>
“É prioridade número um a localização destes covardes, que de forma desumana retiraram a vida de três trabalhadores. Todos os recursos serão utilizados na identificação e localização destes indivíduos”, afirmou o secretário da Segurança Pública, Marcelo Werner. Informações que possam ajudar na investigação podem ser repassadas de forma anônima pelo Disque Denúncia, no telefone 181.>
O caso segue sob investigação do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), enquanto técnicos e prestadores de serviço continuam trabalhando sob o medo de que novas execuções sejam usadas como instrumento de pressão do crime organizado.>
Caso é investigado pela Polícia Civil