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A nova fronteira do cuidado: por que os especialistas querem que você cuide da sua saúde longe dos hospitais

Modelo de descentralização da saúde defende atendimento próximo aos lugares onde os pacientes vivem, seja em clínicas, em ambulatórios ou até mesmo em casa

  • Foto do(a) author(a) Wladmir Pinheiro
  • Wladmir Pinheiro

Publicado em 15 de novembro de 2025 às 05:00

Verônica Stasiak descobriu que tinha fibrose cística aos 23 anos e hoje defende maior oferta de tratamentos para quem mora longe dos grandes centros Crédito: Divulgação/Roche Brasil

A psicóloga Verônica Stasiak demorou 23 anos para descobrir o que a fazia ficar internada, em média, quatro vezes ao ano desde que era bebê. A falta de ar extrema, a tosse persistente e as infecções pulmonares eram atribuídas por médicos a uma asma desenvolvida ainda nos primeiros anos de vida.

O agravamento do quadro de saúde levou Verônica a passar por uma cirurgia para a retirada de duas faces do pulmão direito quando ela tinha apenas 18 anos. A doença só foi diagnosticada por um médico residente. Ao ouvir a mãe de Verônica se queixar das sucessivas internações da filha, ele desconfiou dos sintomas clássicos da fibrose cística, uma doença genética rara que atinge cerca de seis mil pessoas no Brasil.

Descentralização da saúde ajuda na redução da sobrecarga dos hospitais e dos profissionais de saúde por Shutterstock

‘Embora eu tivesse todos os principais sintomas de uma das doenças raras mais comuns, eu não tinha informação adequada. Eu não vivia na capital, mas eu morava a 120 km apenas, e mesmo assim eu não tive acesso à informação. A nossa saúde não pode estar condicionada ao nosso endereço’, diz Verônica, hoje com 40 anos. O cenário descrito por ela se reflete nas estatísticas: segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), embora reúnam só 23,8% da população, as capitais concentram 54,2% dos médicos.

O diagnóstico tardio foi apenas o início de um longo e cansativo tratamento que envolve, até hoje, internações frequentes para que Verônica tome a medicação. Foi a partir dessa experiência de adoecimento e dificuldade de acesso que Verônica criou o Instituto Unidos pela Vida, que atua na conscientização para o diagnóstico de doenças raras e na defesa do amplo direito à saúde através de políticas públicas. Uma das bandeiras da psicóloga é tirar o foco do atendimento médico exclusivo em hospitais e permitir que pessoas que vivem no interior do país, por exemplo, ou que não tenham condições de viajar até as grandes cidades também possam ser tratadas.

‘Quando a gente fala em descentralização da saúde, a gente fala sobre como, onde e quem vai prestar o cuidado para essa pessoa que precisa. É conseguir promover a atenção àquela pessoa o mais próximo de onde ela está. Não depende só de onde você está, mas de como o cuidado vai chegar até você, mais perto de onde a vida acontece. É não precisar que o paciente fique dentro de um centro de infusão durante horas, mas que possa fazer tratamento domiciliar ou através de uma teleconsulta, como fizemos durante a pandemia’, defende Verônica, que sabe bem o quanto são afetados aqueles submetidos a longos tratamentos.

O impacto direto na qualidade de vida do paciente, que muitas vezes precisa viajar até os grandes centros para conseguir tratamento adequado, se ausentar do trabalho ou depender que alguém da família o acompanhe, trabalho que recai sobretudo nas mulheres, é tema de um amplo debate na comunidade médica e farmacêutica.

Verônica Stasiak criou o Instituto Unidos pela Vida, que atua na conscientização para o diagnóstico de doenças raras e na defesa do amplo acesso à saúde através de políticas públicas Crédito: Roche Brasil/Divulgação

Uma pesquisa realizada por organizações da área da saúde pública divulgada em abril deste ano revelou que 62% dos brasileiros evitam procurar atendimento médico quando sentem a necessidade, por medo de dificuldades no sistema público, como burocracia e longas filas de espera. ‘A gente não pode ter acesso somente ao que há de melhor para nossa saúde a depender de onde a gente mora’, defende Verônica.

Esse modelo de redistribuição do cuidado propõe reorganizar os serviços de atendimento para que cada paciente seja tratado próximo ao lugar onde vive, levando em conta, claro, a complexidade de cada condição clínica.

Na prática, isso significa transferir parte dos atendimento que antes se concentravam em hospitais para unidades básicas de saúde, ambulatórios ou até para a própria casa do paciente. A estratégia busca reduzir a sobrecarga dos hospitais, ampliar o alcance aos serviços e oferecer uma experiência mais humana no tratamento.

A casa como novo centro de tratamento?

A ideia da reorganização da rede de atendimento defendida por especialistas pretende ampliar o conceito da assistência médica já adotado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Criado com base nos princípios de regionalização e integralidade, o SUS defende que o atendimento ocorra o mais próximo possível das comunidades, com protagonismo da Atenção Primária à Saúde (APS) e das Unidades Básicas de Saúde (UBSs).

A atenção que se quer agora está na forma de ampliar e operacionalizar essa lógica, com o uso intensivo de tecnologia e dados, como telemonitoramento dos pacientes, uso de inteligência artificial e interoperabilidade entre os sistemas, para garantir a continuidade da assistência fora dos hospitais. E também, claro, de tornar o modelo mais sustentável.

A pesquisadora da Universidade Andrés Bello, no Chile, Daniela Sugg, diz que o desafio desse modelo de atenção distribuído é enorme porque muda a forma como o modelo de saúde está sustentado hoje. Dessa forma, modelos com atenção domiciliar precisam de financiamentos específicos.

‘O hospital sempre foi o centro e o motor do gasto. Quando a atenção vai para a comunidade, muitas vezes não há um mecanismo explícito de financiamento para isso. Os mecanismos de remuneração devem acompanhar a decisão política e estar ligados à reconfiguração da rede assistencial. É preciso empoderar o território: muitas vezes as políticas são bem desenhadas, mas quem deve implementá-las não as compreende nem tem ferramentas para executá-las’, diz a consultora em saúde.

O interesse por uma maior expansão do atendimento de saúde tem defensores de peso também na iniciativa privada.

‘A descentralização da saúde é uma forma de acesso, é uma forma de cuidado fundamental. Muitas pessoas não chegam ao tratamento pelas dificuldades que encontram e, considerando o Brasil e suas condições continentais, isso é crítico. Nós acreditamos na assistência descentralizada e que a centralização dos dados também pode ajudar. O SUS é exatamente isso, ele tem essa premissa da atenção descentralizada, e hoje, com as inovações da ciência, permite uma atenção que pode chegar do outro lado, do cuidado desse paciente em doença crônica ou quimioterápica’, diz Lorice Scalise, presidente da Roche no Brasil, que tem advogado por um modelo de saúde mais distribuído.

A farmacêutica iniciou em Breves, no Pará, uma experiência, em parceria com o Centro de Hemoterapia e Hematologia do Pará (Hemopa), para treinar agentes de saúde e familiares de pacientes de hemofilia para atuarem no tratamento da doença com medicamentos subcutâneos. Tudo isso sem que os pacientes precisem viajar para os grandes centros de saúde que, muitas vezes, estão a 14 horas de viagem de barco. ‘Existe um impacto social muito grande e um custo econômico quando você tira a pessoa do lugar de estar economicamente ativa, de vulnerabilidade social, de mulheres, dos mais pobres’, argumenta.

Experiências bem-sucedidas de descentralização

Um estudo da consultoria Frontier View, com apoio da Roche Farma, analisou experiências bem-sucedidas de tratamento fora dos centros no Reino Unido, em Singapura, na Holanda e na Bélgica. Os resultados apontam ganhos em eficiência do tratamento, na ampliação do sistema e na sustentabilidade dos sistemas de saúde.

No Reino Unido, as admissões hospitalares caíram 12% em 2022 em relação a 2019, o equivalente a 800 mil internações a menos. Em Singapura, o projeto poupou 7 mil dias de leito e ampliou em 40% as teleconsultas. Já a Holanda economizou 2 milhões de euros por ano e aumentou em 20% a oferta do atendimento remoto. Na Bélgica, uma iniciativa voltada a pacientes com insuficiência cardíaca reduziu as readmissões em 15% e encurtou o tempo médio de deslocamento em áreas rurais de 45 para 15 minutos.

Futuro dos atendimentos médicos

O relatório destaca quatro pilares essenciais para a implementação bem-sucedida de modelos de assistência descentralizada. O primeiro envolve políticas públicas e regulação, com foco na integração entre diferentes níveis de atenção e setores da saúde. O segundo pilar é a tecnologia e o uso de dados, considerados fundamentais para viabilizar o atendimento fora do ambiente hospitalar.

Em seguida vem a infraestrutura, que deve favorecer ações de prevenção, o atendimento domiciliar e modelos de remuneração baseados em valor e resultados. Por fim, o estudo ressalta a importância da capacitação dos profissionais e do engajamento da comunidade, elementos-chave para fortalecer a rede de apoio ao paciente.

O documento da Frontier View também sugere, por exemplo, a adoção de modelos de remuneração baseados em valor e resultados clínicos, maior integração entre os setores público e privado, o fortalecimento do cuidado domiciliar e a capacitação de profissionais aliada ao engajamento comunitário.

A proposta não substitui o que o SUS já defende, mas tenta modernizar o sistema, com foco em eficiência, inovação e análise de resultados, desafios ainda presentes na estrutura pública de saúde brasileira.

‘A saúde precisa estar perto de todos, acessível a todos, aonde quer que a gente esteja. Eu não escolhi viver com uma doença grave e sem cura, mas eu nasci num país onde eu tenho direito à saúde’, diz Verônica.