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Thais Borges
Publicado em 12 de outubro de 2025 às 05:00
Apesar de ocupar 11% do território brasileiro - a maior parte no Nordeste -, a Caatinga é cheia de mistérios. Ainda que as comunidades locais a conheçam bem, há muito a ser analisado e identificado pelos cientistas. Agora, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) tem caminhado para diminuir essas lacunas. >
Nos últimos meses, pesquisadores do Laboratório de Mirmecologia do Sertão, integrante do Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga (Cemafauna), identificaram cinco novas espécies de insetos da caatinga. O grupo, coordenado pelo professor Benoit Jean Bernard Jahyny, tem promovido expedições de coletas de artrópodes nos últimos anos, com foco especial na Caatinga. >
"Precisamos ter uma maior consciência de que o domínio Caatinga, exclusivamente brasileiro, abriga uma incrível diversidade de animais, plantas, fungos e microrganismos. A descrição de mais uma nova espécie coletada na Caatinga contribui para isso", diz o professor, doutor em Etologia pela Universidade Sorbonne Paris Nord (com revalidação em Entomologia no Brasil). "Não significa que a comunidade não conhece essas espécies. Significa que, até o momento, a ciência ainda não tinha registrado e dado um nome a estas espécies", acrescenta.>
Até agora, foram descritas duas vespas, dois besouros e uma formiga, mas, segundo o professor, outras dezenas de espécies devem ser nomeadas em breve. A maioria das expedições dos cientistas é para coletas nas dunas do Rio São Francisco, especificamente nos municípios baianos de Casa Nova e Pilão Arcado. >
De acordo com Jahyny, são paleodunas, com uma formação que remonta a 250 mil anos atrás. Elas são consideradas por terem uma vegetação crescente que forma ilhas com arbustos cercados de areia. Com as altas temperaturas durante o dia, a maioria dos artrópodes da região sai à noite - e é justamente quando os cientistas fazem as coletas, sempre usando lanternas de cabeça. >
"Foi durante uma das nossas expedições que um macho da nova espécie de besouros foi atraído pela luz de nossas lanternas e bateu em um de nós. Gabriel (Celante) olhou e o achou diferente dos outros, colocou o besouro em um tubo e, uma vez no laboratório, descobrimos que se tratava de uma nova espécie da família de besouros Geotrupidae e do gênero Athyreus", conta o professor, citando o estudante de mestrado que é um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo.>
Esse foi o encontro com o besouro agora nomeado Athyreus arretado. Com um nome que homenageia a expressão típica do Nordeste, a descoberta do besouro foi publicada na revista Zootaxa em agosto. O inseto tem só um chifre central no pronoto - o escudo atrás da cabeça (que, por sua vez, conta com estruturas em forma de cristas) que desenham um padrão semelhante à letra “J”. Segundo o professor Benoit Jahyny, outros besouros machos têm chifre no clipeo, a parte da frente da cabeça, além de mais um chifre no pronoto. Ainda não se conhece nada sobre a biologia do Athyreus arretado, mas ele tem 2,3 cm de comprimento e coloração marrom-avermelhada no dorso com tonalidade alaranjada na parte inferior.>
Oxente, cambitos e arretado: conheça as novas espécies da Caatinga
Diversidade>
Os nomes de algumas das espécies não poderiam ser mais sugestivos. A formiga, por exemplo, foi batizada de Eurhopalothrix oxente. Com apenas 2,5mm de tamanho, ela foi coletada peineirando folhas no chão de um fragmento de mata ciliar, às margens do Rio São Francisco, em Petrolina. >
Suas características poderiam ser suficientes até para definir um novo gênero - ou seja, a categoria taxonômica que compreende diferentes espécies. Para o professor, a formiga é possivelmente predadora de pequenos artrópodes. "Ela é diferente das outras com seus pelos em forma de escamas, seus olhos reduzidos e suas mandíbulas triangulares, que têm nove dentes de tamanhos variados. Mas o quarto dente é mais longo do que os outros", explica Jahyny. >
Perto de onde estava a formiga, os pesquisadores encontraram uma vespa solitária. Com seus 3mm, foi nomeada Gonatopus cambitos e faz parte de um grupo de ‘vespas de pinças’. Isso porque as fêmeas do chamado Dryinidae têm uma parte da pata anterior modificada na forma de uma pinça. Com esse atributo diferenciado, essas vespas conseguem capturar cigarras parasitadas por elas. No caso, as vespas colocam um ovo de onde sairá uma larva, que por sua vez, vai se alimentar da cigarrinha até se desenvolver totalmente. >
"Como o macho é muito diferente da fêmea, apenas um estudo de genética permitiria colocar os dois sexos na mesma espécie. Porém, podemos também conseguir isso criando fêmeas no laboratório para conseguir filhos delas. Foi o que o aluno Gabriel Celante conseguiu fazer", diz o professor. >
O segundo besouro já descrito é do grupo das joaninhas e foi chamado de Coeliaria almeidae. Com menos de 3mm de comprimento, ele não tem as conhecidas manchas das joaninhas. Assim, todo o seu corpo é castanho escuro. Há, ainda, outra nova espécie de vespa solitária. Ela foi encontrada em um ecossistema de restinga, na costa de Sergipe, por outro grupo de pesquisa, e nomeada Olixon caju. Além do cajueiro, o nome homenageia reserva onde a espécie foi encontrada. A caju tem entre 4,5 a 5mm de comprimento, tem ocelos na cabeça (olhos simples em insetos e outros artrópodes) e suas asas são pequenas (provavelmente não lhe permitem voar). >
Agora, os pesquisadores estão esperando que mais duas formigas tenham sua descrição e nomes publicados em uma revista científica, assim como uma nova espécie de joaninha. Somente depois que o nome científico e a descrição são publicados é que uma espécie pode ser analisada por outros investigadores. >
"Às vezes escutamos das pessoas: ‘já conheço esta espécie’ ou ‘já vi’. E está tudo bem com isso. Quando cientistas ‘descobrem’ uma nova espécie, no sentido de ter identificado uma espécie nova para a Ciência, não significa que ela já não esteja conhecida das populações locais", enfatiza o professor. >
De acordo com ele, a descrição e o registro das espécies ajuda na conservação da biodiversidade. Se uma espécie é perdida ou extinta, perde-se também a chance de encontrar novos recursos - a exemplo de substâncias que poderiam ser usadas no desenvolvimento de medicamentos e tratamentos contra doenças. >
"A Caatinga, com sua biodiversidade de espécies adaptadas a condições difíceis de vida, é um reservatório único de recursos e soluções para a sobrevivência da humanidade e merece toda a nossa atenção, cuidados e conservação".>