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Sem resposta da Justiça, moradores de São Lázaro temem despejo de terreno da Ufba

A universidade já solicitou a suspensão do pedido de reintegração de posse, mas não há movimentação no processo, faltando três dias para o fim do prazo

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 10 de novembro de 2025 às 12:11

Luiz Fernando mora em São Lázaro há 51 anos e foi notificado
Luiz Fernando mora em São Lázaro há 51 anos e foi notificado Crédito: ARISSON

Quase um mês após receberem um aviso de despejo de um terreno da Universidade Federal da Bahia (Ufba), moradores de São Lázaro temem pelo futuro das famílias da comunidade. Isso porque, nesta quinta-feira (13), os 30 dias determinados pela ordem de reintegração de posse concedida pelo juiz Igor Matos Araújo, da 16ª Vara Cível Federal, chegariam ao fim.

Desde o dia 15 de outubro, quando o CORREIO revelou o drama dos moradores, a Ufba já fez o pedido de suspensão do processo em 180 dias e o Ministério Público Federal (MPF) também se manifestou, nos autos do processo, pela suspensão, durante esse período. O problema é que, até agora, o magistrado não avaliou se defere ou indefere a solicitação da Ufba.

Thiago mora em São Lázaro desde que nasceu e recebeu a notificação por ARISSON

"Algumas famílias foram até a Vara na última sexta-feira e eles não sabiam dessas movimentações do pedido da Ufba no processo e ficaram de dar resposta. Mas, até hoje, segunda-feira, não tinha nenhuma movimentação. Não faz sentido manter o despejo, sendo que tem uma proposta para que se consiga um acordo e está dentro desse cenário", diz o advogado Juan Gonçalves, que é assessor do Centro de Estudo e Ação Social (Ceas) e acompanha as famílias.

No dia 16 de outubro, o próprio reitor da Ufba, Paulo Miguez, se manifestou em vídeo em que afirmou que a universidade tinha solicitado à Justiça “a interrupção de toda e qualquer medida executória destinada a pôr em marcha o processo de reintegração de posse de áreas sob sua guarda” no bairro.

Por isso, a possibilidade de acordo é vista como uma opção melhor do que a forma litigiosa. No entanto, a falta de resposta é preocupante para os moradores, já que, nesse caso, fica valendo a ordem anterior - ou seja, para o despejo.

"Tudo que foi possível fazer foi feito. Agora, é esperar o Poder Judiciário, que tem, por obrigação, que se posicionar nos autos, deferindo ou indeferindo o pedido. A quinta-feira seria o último dia para desocupar voluntariamente. A partir da quinta, de sexta em diante fica a critério dos órgãos públicos para cumprir a decisão", acrescenta o advogado Juan Gonçalves.

O morador Thiago da Silva, 35, que gerencia o Bar Boneca Cobiçada com a família, conta que os dias têm sido de apreensão. “Todo mundo aqui está triste, porque a gente só tem três dias e, até agora, nada do juiz. Hoje, são três dias para reverter a situação. A gente não está conseguindo nem dormir direito, no aguardo da resposta para ver o que pode vir no processo”.

Entenda o caso

No dia 13 de outubro, viaturas de agentes da Polícia Federal, que acompanhavam uma oficial de justiça, entregaram a 14 famílias de São Lázaro um documento que exige a reintegração de posse do terreno que seria parte da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

“Eles deram 30 dias para a defesa da gente. Se a gente não fizer, vão vir aqui com as máquinas. Eles alegam que a invasão é de 2023 para cá, quando é uma inverdade. Só eu tenho 51 anos aqui e tem pessoas que são herdeiros de seus avós, com cerca de 70 anos que chegaram”, disse, na ocasião, o vendedor Luiz Fernando Souza, 67, que mora na localidade há 51 anos.

As 14 famílias ficam em uma área específica - como se fosse o fim de um quarteirão - às margens da Igreja de São Lázaro. Engloba um perímetro que, além de casas, tem bares tradicionais, inclusive os que promovem o Samba de São Lázaro há três anos. A área da igreja não é afetada pela decisão judicial.

“A gente recebeu essa bomba que ninguém esperava. Nunca notificaram a gente, nunca vieram aqui conversar, nem nada”, afirmou o morador Thiago da Silva, na época. Segundo Thiago, os policiais federais informaram que há um prazo de 30 dias para que a comunidade apresente uma defesa. Se não houvesse defesa, teriam que sair do local e poderiam ter que pagar até pelos custos dos equipamentos usados na demolição. A abordagem dos agentes durante a operação também foi criticada pelos moradores.

Processo

A ação movida pela Ufba teve início com uma investigação. A reportagem teve acesso ao processo e, segundo um dos documentos apresentados na petição inicial, de maio de 2023, uma denúncia havia sido recebida pelo sistema Fala.BR no ano anterior.

A ocorrência registrava uma invasão em duas regiões do terreno, onde haveria loteamentos, demarcações e pequenos barrotes de madeira. O processo anexa diversas fotos que mostram o que seriam as novas ocupações do terreno, inclusive uma parte onde hoje ficam baias de cavalo. Haveria duas novas áreas de invasão - as duas foram demarcadas nos documentos iniciais como ‘novas ocupações do terreno’.

A reportagem identificou que pelo menos uma das áreas é onde ficam baias de cavalo. A outra é apontada pelo processo como uma construção que funciona como uma pizzaria. Um despacho da Superintendência de Meio Ambiente (Sumai) da instituição destaca que a invasão era um "fato atual", mas tinha relação com um procedimento anterior.

O terreno de Ondina-São Lázaro foi comprado pela Ufba em 16 de novembro de 1976, de acordo com uma certificação anexada pela instituição. Era uma área que pertencia à Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e que havia sido desmembrada do antigo Parque de Exposições de Ondina, pertencente ao governo estadual. A área, segundo o documento, era de 5,6 mil m².

Havia um processo interno, movido em 2007, que também buscava investigar justamente invasões no campus. Esse procedimento, segundo a ação, está atualmente na Procuradoria da universidade.

Histórico

A partir de 2023, alguns episódios são importantes para entender as movimentações do processo. Em 26 de junho daquele ano, a oficial de justiça Tatiana Fogueira relatou ter ido à Ufba e que, lá, servidores da instituição a teriam advertido, de forma unânime, sobre a 'impossibilidade de realização da diligência de citação e intimação dos ocupantes do terreno' apenas por uma oficial de justiça e sem acompanhamento policial.

O motivo seria o 'grau de periculosidade dos invasores do terreno'. O documento menciona disputa entre facções rivais e o crescimento das invasões, que já se estenderiam à lateral da rua Professor Aristides Novis. A oficial cita que as construções de madeira já teriam sido substituídas por alvenaria com destinação comercial por parte dos imóveis, a exemplo de uma pizzaria.

Em abril de 2024, a mesma oficial de justiça, Tatiana Fogueira, conta ter estado no local e visualizado dois cavalos. Ela cita outra reunião presencial em que recebeu um mapa cartográfico que aponta que outros imóveis na área, ainda que estivessem visualmente no terreno da Ufba, não seriam abrangidos pela ordem de remoção, "pois haviam sido objeto de transferência legal de propriedade ocorrida anteriormente ao presente processo judicial".

Em 19 de maio deste ano, o juiz federal Rodrigo Britto Pereira Lima, auxiliar na 16ª Vara, concedeu a reintegração de posse da área do terreno e fixou, em 30 dias, a desocupação. A multa diária, em caso de descumprimento, seria de R$ 500.

Já em 23 de setembro, a oficial de justiça do caso detalha outra reunião com a participação de servidores da Ufba e a Polícia Federal. Neste encontro, foi definido que o mandado de reintegração de posse seria executado justamente entre os dias 13 e 17 de outubro - o que de fato ocorreu. Ela cita uma suposta recusa da Ufba em identificar os ocupantes do terreno e que os representantes da instituição de ensino teriam manifestado "apenas verbalmente" uma redução do perímetro a ser reintegrado.