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'Fomos tratados como criminosos': moradores de São Lázaro desabafam em reunião na Ufba

Encontro promoveu diálogo entre comunidade de São Lázaro e Ufba após moradores receberem um documento que exige a reintegração de posse do terreno

  • Foto do(a) author(a) Maria Raquel Brito
  • Maria Raquel Brito

Publicado em 17 de outubro de 2025 às 06:30

Reunião aconteceu na Sala da Congregação, na a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Reunião aconteceu na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Crédito: Maria Raquel Brito/CORREIO

Uma mulher no quintal da própria casa, crianças brincando, famílias sorrindo no bar que comandam. As cenas, registradas em fotografias, documentam décadas das vidas de moradores de São Lázaro na região. As imagens foram exibidas por Caroline Santos, de 27 anos, moradora do bairro, durante a reunião dos membros da comunidade com a Congregação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH) da Universidade Federal da Bahia (Ufba), que aconteceu na tarde desta quinta-feira (16), no instituto.

O motivo do encontro foi o momento de tensão que moradores de São Lázaro têm vivido desde a última segunda-feira (13), quando agentes da Polícia Federal, que acompanhavam uma oficial de justiça, entregaram a eles um documento que exige a reintegração de posse do terreno, que pertence à Ufba. Com essa decisão, 14 famílias que moram há anos no bairro podem ser despejadas.

A reunião foi agendada pelo diretor da faculdade, o professor Marcelo Moura Mello, e não teve caráter decisivo, mas sim de diálogo com os moradores. O diretor disse achar importante o momento de escuta por conta da proximidade da FFCH com a comunidade.

“Seria leviano da minha parte se eu prometesse uma data de quando vai ser suspensa essa ação, porque não tenho gerência sobre isso, o que eu posso garantir é que a gente [o FFCH] vai conduzir o mais rápido possível uma nota de apoio”, disse Mello, durante a reunião.

Ao longo de cerca de uma hora e meia, moradores explicaram a situação aos professores e os docentes também manifestaram apoio à comunidade. O momento começou com a fala de Caroline, que leu também uma nota de repúdio coletiva contra o despejo das famílias, assinada por comércios e associações locais, como bares, a Ação Social Arquidiocesana de Salvador (ASA) e o Samba de São Lázaro.

Thiago mora em São Lázaro desde que nasceu e recebeu a notificação por ARISSON

Uma das professoras presentes defendeu que a Congregação precisa formalmente convocar a reitoria e a Superintendência de Meio Ambiente (Sumai) da instituição, que, em despacho, já afirmou que a invasão era um “fato atual”, mas tinha relação com um procedimento anterior.

Ao fim da reunião, outro encontro ficou marcado para a próxima segunda-feira (20), também na Faculdade de Filosofia. O objetivo será atualizar a situação e comunicar os moradores caso haja retornos da universidade.

Para Caroline Santos, foi um diálogo inicial promissor. “Nós expusemos nossa indignação, a forma como fomos abordados abruptamente e tratados como criminosos, com Polícia Federal na porta, policiais e com armas em punhos. Fomos ouvidos e a reunião finalizou com a devolutiva de que o reitor se apresentou do lado da comunidade. Ele apresentou em nota a suspensão do mandado, mas o processo continua rolando. Então, o que a gente espera é que também suspenda o processo e que nós tenhamos direito à moradia”, disse.

Enquanto a reunião acontecia, o reitor Paulo Miguez se manifestou sobre a situação em vídeo compartilhado pela assessoria da Ufba. Miguez afirmou que a universidade já solicitou à Justiça “a interrupção de toda e qualquer medida executória destinada a pôr em marcha o processo de reintegração de posse de áreas sob sua guarda” no bairro. Segundo o reitor, a instituição constituiu uma comissão que está debruçada sobre esta questão e que está “orientada pelo respeito absolutamente inamovível à dignidade humana e o direito social de moradia, um e outro presentes na Constituição brasileira”.

Reintegração de posse

O terreno de Ondina-São Lázaro foi comprado pela Ufba em 16 de novembro de 1976, de acordo com uma certificação anexada pela instituição no processo. Por ser propriedade de uma autarquia federal, ou seja, um imóvel público, não caberia aqui o usucapião, ainda que famílias vivam na área há muitos anos. Quem explica é a advogada Maria Flávia Cerqueira.

Segundo a especialista, a ocupação de um bem público, por mais que exista que por longo tempo, não gera o direito à propriedade por essa forma de aquisição, pois a posse sobre esses bens é considerada mera detenção ou posse precária perante o poder público – mesmo que estejam presentes os requisitos do usucapião, como a posse ininterrupta, mansa e pacífica. “A posse exercida pelos ocupantes, por mais que seja de boa-fé e com fins de moradia, não é capaz de afastar a titularidade pública do imóvel, sendo, portanto, inábil para gerar o animus domini necessário ao usucapião”, diz.

A reportagem perguntou à Ufba o que a universidade pretende fazer com o terreno e se existe algum plano para esse espaço, como a instalação de um novo prédio ou serviço para a comunidade acadêmica, mas não houve retorno até o momento da publicação. Foi questionado também se, agora que a universidade solicitou a interrupção do processo, há planos de regularizar o terreno ou de doá-lo para as pessoas que moram ou têm comércios na área. Também não houve retorno.

Veja a nota de repúdio

Manifestamos repúdio à ameaça de despejo das famílias da Comunidade de São Lázaro, em Salvador (BA), que tem sido levada a cabo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com apoio da Advocacia Geral da União, da Polícia Militar e da Polícia Federal. Trata-se de um ato de violência institucional que atinge diretamente famílias negras, trabalhadoras e periféricas que vivem há décadas nesse território, construindo vida, pertencimento e memória coletiva.

É inaceitável que uma universidade pública, que deveria simbolizar o compromisso com os territórios, e que inclusive utiliza a comunidade como local de atividades de extensão, se coloque no papel de agente de remoção e violação de direitos à moradia e à cidade. Ao tratar o território de São Lázaro como “invasão”, e “local de disputa das facções criminosas”, a narrativa ideológica racista do capital de especulação de terras, a UFBA desconsidera a história e memórias de uma comunidade que se consolidou, com muita resistência há mais de 70 anos, e criminaliza diversos moradores da comunidade de São Lázaro, que trabalham diariamente para sustentar suas famílias.

Esse caso escancara as contradições de uma política urbana marcada pelo racismo estrutural e institucional, numa lógica da gestão patrimonial excludente. Em nome da “legalidade administrativa”, tenta-se apagar o direito constitucional à moradia e o princípio da função social da terra pública, previstos na Constituição Federal Brasileira e na Lei nº 13.465/2017, que trata da regularização fundiária.

O que está em curso é um conflito fundiário a partir da ameaça à permanência da população de São Lázaro em “áreas centrais” da cidade, já que este tem sido um processo histórico de expulsão que reproduz as marcas do racismo na cidade de Salvador, com violação do direito à moradia em que o Estado não garante terra e habitação digna, mas atua com ações como os despejos forçados.

Reafirmamos aqui que nenhuma universidade pública pode se afirmar democrática enquanto pratica o despejo de famílias negras de seus territórios. É dever ético e político das instituições públicas garantir o diálogo, a mediação social e a regularização fundiária, e não contribuir com a desintegração de territórios que são parte da história desta cidade.

Exigimos a suspensão imediata de qualquer processo de reintegração de posse, a instalação de uma mesa de diálogo com a participação da comunidade e a adoção de medidas efetivas para a permanência das famílias em São Lázaro, com respeito ao direito à cidade e à moradia digna dos seus moradores.

Esta Nota de Repúdio tem a assinatura de organizações, movimentos sociais e entidades que, comprometidas com o Direito à Moradia, assinam coletivamente:

Ação Social Arquidiocesana de Salvador (ASA)

Afrogabinete de Articulação Institucional e Jurídica (AGANJU - UFBA)

Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR)

Associação de Moradores da Colina de São Lázaro

Associação KUYA Ponto de Cultura (Belém-PA)

Bar a Boneca cobiçada

Bar de Binha

Bar do Bubu

Bar do Vivaldo

Bar Recanto da Dilma

Campanha Despejo Zero

Cátedra Laudato Si’ - Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)

Centro Alternativo de Cultura - CAC (Belém PA)

Centro de Estudos e Ação Social (CEAS)

Centro de Promoção de Agentes de Transformação (CEPAT)

Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE)

Coletivo Em Cantos de São Lázaro

Coletivo Grito dos Excluídos e das Excluídas (Belém-PA)

Coletivo Incomode

Comissão Pastoral da Terra do Pará

Escola Família Agrícola de Jaboticaba - Quixabeira-BA

Fórum Estadual de Educação do Campo da Bahia (FEEC-BA)

Frente Apostólica Indigenista da Província dos Jesuítas do Brasil

Grupo de Mulheres do Alto das Pombas (GRUMAP)

Grupo de Pesquisa Geografar - UFBA

Igreja Evangélica Assembleia de Deus do Alto de São Lázaro

Kiki Bar

Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos (MTD)

Movimento dos sem teto da Bahia (MSTB)

Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA)

Samba de São Lázaro

Santuário de São Lázaro e São Roque

Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES – Manaus-AM)

Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR)