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Larissa Almeida
Publicado em 3 de dezembro de 2025 às 06:30
Se antes um paciente precisava aguardar quatro dias, em média, para fazer uma cirurgia torácica na Bahia, atualmente, ele precisará estender essa espera por 10,4 dias se recorrer às unidades de saúde do estado e, a depender da região, só conseguirá atendimento após 17 dias de procura. Isso é o que revela uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA), julgada em outubro deste ano. O relatório aponta que, entre 2019 e 2024, o tempo de espera na regulação para atendimento em 14 das 26 especialidades monitoradas piorou em todo o estado. >
A situação é mais crítica para quem precisa de cirurgia torácica (10,4 dias) e de consultas especializadas com as áreas da Hematologia (7,8 dias), Oncologia (6,7 dias), Urologia (5,7 dias) e Pneumologia (5,6 dias). Segundo o TCE-BA, mesmo com aumento no número de leitos ao longo dos anos, a rede continua insuficiente para reduzir os tempos de resposta. Em todo o território baiano, somente nove especialidades reduziram o tempo de espera e três permaneceram iguais.>
Veja trechos da auditoria do TCE-BA sobre a regulação de saúde da Bahia
No caso do estudante universitário João Sousa, 24 anos, a espera já dura quase dois meses para conseguir uma consulta dermatológica. Apesar de não constar no relatório do TCE-BA, a Dermatologia foi sinalizada pela Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) ao Ministério da Saúde, no início deste ano, como uma das especialidades com maior tempo de espera do estado, demandando 16,5 dias para fazer marcações. >
“Procurei o serviço desejando um olhar para além do que encontramos no médico clínico e acabei me deparando com um sistema bastante desorganizado, com informações dispersas que me frustraram. Os funcionários utilizam o Sistema Vida+ para marcações, porém, eles nunca sabem a data do mês em que o "Sistema" vai abrir essas vagas. Já passei uma manhã no serviço, na esperança da vaga aparecer, somando cinco tentativas”, conta João. >
Marcos Gêmeos, presidente do Conselho Estadual de Saúde da Bahia (CES-BA), destaca que rede estadual de saúde tem inaugurado novos hospitais e investido na interiorização de políticas de saúde, mas a demora na regulação é inegável. Dentre as razões, ele cita a baixa cobertura da atenção básica, o que favorece o adoecimento, além de outras questões estruturais. >
"A disponibilidade de profissionais impacta muito a demora do atendimento da população, sobretudo nos municípios que não dialogam nem têm sua regulação integrada à regulação do estado. Com isso, a população é quem fica penalizada. Nós também precisamos de um incentivo muito grande na formação de mais especialistas. Tem regiões que têm pouquíssimos e outras que nem têm”, afirma. >
O presidente do CES-BA vê uma relação direta entre a baixa formação de especialistas e os atendimentos com maior tempo de espera apontados pela auditoria “No universo da Oncologia, são pouquíssimos especialistas, e há uma rede que se expandiu agora para o interior. Ou seja, além da necessidade de expansão de alguns serviços, tem locais que não têm nem profissional. No caso de hematologistas, algumas regiões não têm nem um e, às vezes, o profissional que existe não tem sequer o interesse de se interiorizar, ficando concentrados nas grandes regiões”, pontua. >
Para Catharina Matos, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/Ufba), outra explicação possível para a piora na espera por essas especialidades no estado é o modelo adotado pela atenção básica. “É um modelo de atenção que não foca na prevenção, como detecção precoce do câncer, [aliada] à baixa qualificação do profissional médico, que reforça um modelo de atenção orientado por demanda”, acrescenta. >
Marcos Gêmeos vê como uma das saídas para o problema da fila de espera da regulação a formação de mais especialistas e incentivos semelhantes ao lançamento do Agora Tem Especialistas, ação do Governo Federal que visa reduzir a fila de espera por consultas, exames e cirurgias no Sistema Único de Saúde (SUS), através do aumento da oferta de especialistas por meio de mutirões, teleconsultas e atendimento em fins de semana e horários estendidos em hospitais e policlínicas. >
Já Catharina enfatiza a necessidade de reforço da atenção primária. “É preciso organizar a rede de atenção com vistas a reduzir a fragmentação e qualificar, principalmente, o profissional médico para evitar a solicitação desnecessária de exames e consultas. Também é necessário construir protocolos sólidos, fortalecer o diagnóstico precoce e, principalmente, desenvolver educação permanente para que todos os profissionais da saúde e médicos, em particular, compreendam o fluxo regulatório”, defende. >
Além da demora, a auditoria do TCE-BA identificou outros problemas da regulação da saúde na Bahia, entre eles a predominância de servidores terceirizados, a falta de médicos e profissionais qualificados nas centrais e a ausência de concursos públicos desde 2019, o que tem comprometido a continuidade e a qualificação das equipes. >
“Persistem também déficits significativos de leitos hospitalares e especialidades médicas, com desigualdade na oferta entre as macrorregiões e aumento do tempo médio de espera em mais da metade das especialidades analisadas”, diz Denilson Machado, Coordenador da 2ª Coordenadoria de Controle Externo do TCE-BA, no documento. >
Um dos pontos centrais da auditoria é a centralização da regulação: desde 2020, os complexos reguladores das regiões Sul e Sudoeste foram desmobilizados, e a Central Estadual de Regulação (CER) passou a absorver quase toda a demanda do estado. Segundo o órgão, a decisão foi exclusivamente gestora, sem embasamento técnico. A centralização ampliou a carga sobre a CER, que passou a regular 389 municípios e mais de 13 milhões de pessoas. >
Além disso, foram identificadas falhas na infraestrutura física de unidades e complexos reguladores, que continuam sem sede própria ou espaços adequados para desinfecção de ambulâncias. O sistema Surem – criado para gerir vagas hospitalares e outras necessidades de pacientes do SUS – ainda apresenta inconsistências, apesar das melhorias implementadas desde 2019; há deficiências de planejamento regional; a distribuição de leitos e serviços permanece desigual; e as ações implementadas pela Sesab são consideradas insuficientes ou parciais. >
A Sesab foi procurada pela reportagem para se posicionar sobre as razões que levaram à piora do tempo de espera para atendimento em 14 especialidades no estado e para responder quais medidas têm sido empregadas para reverter esse cenário. O CORREIO também pediu posicionamento quanto ao parecer da auditoria, mas não obteve resposta. >