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Você está em Brotas (e provavelmente nem sabia)

Mais que um bairro, uma metrópole onipresente; descubra por que quem nasce e/ou vive em “Brotas City” morre de orgulho e amor

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 2 de dezembro de 2025 às 22:30

Engenho Velho de Brotas
Engenho Velho de Brotas Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

A onipresença de Brotas é tão inegável quanto a luz do sol. Qualquer pessoa que passe algumas horas em Salvador certamente vai conhecer alguém de Brotas, ou passar por alguma entrada de Brotas, ou acabar entrando em Brotas por algum motivo aleatório. Minimamente, ouvir falar de Brotas a pessoa vai. Apelidado com orgulho pelos seus habitantes de "Brotas City", este é um dos bairros mais tradicionais, extensos e populosos da capital baiana. Brotas não é apenas um bairro, mas praticamente uma religião, digamos. Ou uma “mini-Salvador” orgulhosa de si. O território tem cerca de 70 a 80 mil moradores e identidade forte forjada pela diversidade e pelo senso de autossuficiência.

Por ser um complexo de mini-mundos, Brotas é um buffet social e geográfico onde as realidades não apenas coexistem, mas se trombam todos os dias. A onipresença de Brotas se deve, justamente, a essa vasta confederação de sub-bairros. O Horto Florestal, por exemplo, é a bolha de luxo, ostentando o metro quadrado mais caro, enquanto o Engenho Velho de Brotas se gaba de ser o mais antigo. A discrepância é rítmica no Candeal, onde o Candeal Pequeno virou um território de herança africana, contrastando com o vizinho Candeal Grande (ou Cidade Jardim) que concentra prédios caros e gente branca.

Carnaval no Horto Florestal por Divulgação

O mosaico se completa com Campinas de Brotas (local de hospitais e cemitérios importantes), Acupe de Brotas, Matatu de Brotas (que deu origem a Vila Laura e Luís Anselmo) e áreas históricas como Daniel Lisboa, Cosme de Farias e Pitangueiras. Brotas não é apenas um lugar, portanto. É uma nação de morros, vales e contradições sobre o qual, humildemente, tentarei escrever. Já me desculpando, claro, pelo muito que não caberá aqui.

Raízes e Poesia

A história de Brotas é tão antiga quanto a própria Salvador. O bairro nasceu como a extensa Freguesia de Brotas em 1718, instituída a pedido do arcebispo Sebastião Monteiro da Vide. O nome, no entanto, é fruto de uma simpática confusão: veio da Igreja de Nossa Senhora da Luz (ou das Candeias), que ficava nas Grotas. A corruptela popular transformou "Grotas" em "Brotas" e assim ficou.

Antes de ser urbanizado, este vasto território era coberto por fazendas, sítios e engenhos. As terras pertenciam, em parte, à família Saldanha. A nomeação do Engenho Velho de Brotas está ligada a essa antiguidade, pois ele já existia antes da própria freguesia, sendo mais velho do que a Fazenda Cabula (sobre a qual falaremos em outro texto). Essa origem rural, com rios serpenteando os vales, ainda pode ser percebida na topografia do bairro, formada por um conjunto de morros.

Memórias profundas fazem parte da história de Brotas. Uma delas está no vale que deu origem à Avenida Bonocô (oficialmente Mário Leal Ferreira, engenheiro que desenhou o primeiro plano de urbanização de Salvador). Antes do concreto, aquela área era conhecida como Baixa do Bonocô (ou Gunocô), um local de culto onde pessoas negras se reuniam para celebrar o Baba Igunnukô, um espírito ancestral do culto Igunnukô (ligado à ancestralidade masculina). Talvez por isso, o nome popular, Bonocô, resiste ao tempo e a qualquer placa.

De Castro Alves a Carlinhos Brown

Brotas também é um celeiro das artes. O famoso sobrado do Solar Boa Vista, no Engenho Velho de Brotas, foi a residência da família do poeta Castro Alves em 1867. O Engenho Velho de Brotas também foi o local escolhido pelo pintor e ilustrador Carybé para construir sua casa e ateliê. Ali, ele recebia visitas ilustres, como Jorge Amado, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Gabriel Garcia Márquez.

A arte modernista também tem sua história no bairro com o ceramista alemão Udo Knoff, que manteve seu aclamado ateliê em Brotas entre as décadas de 1950 e 1990. Knoff, especialista na produção de azulejos semi-industriais, executou composições para diversos artistas. Ele também desenhou e imprimiu imagens de Orixás e seus atributos em centenas de revestimentos, associados ao sagrado de matriz africana.

O fervor cultural também se materializa no Candeal Pequeno de Brotas, uma comunidade histórica e de forte herança africana. Carlinhos Brown nasceu ali e projetou o Candeal para o mundo, fundando a Associação Pracatum em 1994, com o objetivo de promover a ação social através do ritmo. A Pracatum já formou milhares de músicos, incluindo membros da Timbalada. Moradores mais antigos guardam lendas como a da "pedra de Ogum" trazida por um ancestral africano no século XVIII, que continua presente nos rituais protetores do bairro. É lá também que fica o internacionalmente conhecido Candyall Guetho Square.

Brotas hoje

O bairro funciona como um centro nervoso e autossuficiente, graças à sua localização estratégica, cercada por importantes vias como a Avenida Dom João VI, Vasco da Gama, Juracy Magalhães e a icônica Bonocô. Essa centralidade, junto à infraestrutura completa com hospitais de referência (Aristides Maltez, Iperba, Hospital Geral do Estado - HGE, em parte do seu território), escolas tradicionais e grande diversidade imobiliária (desde grandes condomínios a casas tranquilas), torna Brotas um bairro interessante para diferentes públicos. A região também é bem atendida por metrô (Estação Brotas, Bonocô, Acesso Norte).

No entanto, a vida de "Brotas City" também enfrenta os desafios de uma metrópole. O crescimento populacional contínuo e a topografia complexa geram mazelas sentidas pelos moradores. A discrepância social é gritante: enquanto o Horto Florestal (formalmente um sub-bairro, mas que hoje é tratado como um bairro independente) tem um dos metros quadrados mais caros de Salvador, existem "bolsões de pobreza" carentes e invisíveis.

Moradores dessas localidades denunciam o "estado de abandono" em algumas áreas, com "calçadas esburacadas, ruas mal conservadas, acúmulo de lixo e falta de manutenção urbana". Em muitos trechos, as calçadas estão "completamente destruídas", forçando pedestres a circular pelo meio da rua, disputando espaço com veículos.

A região também é palco de violência e disputa territorial pelo tráfico que se beneficia das "rotas de fuga" proporcionadas pelo agrupamento de morros, que ligam o bairro a importantes avenidas.

Com os desafios e belezas de ser uma "ilha cercada por Salvador", Brotas segue sendo um lugar de forte pertencimento, com identidade própria. A prova viva e transbordante de que a história, a cultura e a resistência podem dividir o mesmo espaço, na mais ruidosa e contraditória "cidade" dentro de Salvador.

E você? Domina as quebradas de “Brotas City”?

Por @flaviaazevedoalmeida