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Vamos falar de Itapuã? Então, sente que lá vem história!

Nesse bairro que mora em nossos corações, a pedra ronca, a poesia insiste e a tradição enfrenta o volume do “paredão”, entre outros desafios

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 27 de novembro de 2025 às 05:00

Farol de Itapuã tem 21 metros e foi revitalizado em 2017
Farol de Itapuã tem 21 metros e foi revitalizado em 2017 Crédito: Marina Silva/Arquivo CORREIO

Você sabe que Itapuã é um desses lugares cantados em verso e prosa. Imortalizado nas composições de Toquinho, Dorival Caymmi e Vinícius de Moraes, este bairro carrega um nome de origem tupi que significa "pedra dura" ou "ponta de pedra". No entanto, o folclore local e a poética popular preferem a sonoridade mística de "pedra que ronca", em referência a uma formação rochosa que produzia um som forte quando a maré estava baixa. Hoje, Itapuã é um dos bairros mais populosos de Salvador, sendo o terceiro maior em número de habitantes, com quase 70 mil moradores. A população é majoritariamente de baixa renda e a maior parte se autodeclara parda (50,72%) e preta (27,25%).

A vila

A história de Itapuã começa com os Tupinambá, seus primeiros habitantes. Em seguida, no século XVI, o território, afastado do centro de Salvador, fez parte da sesmaria de Garcia d’Ávila, um dos homens mais perversos e poderosos da capitania, que utilizava a região para a criação de gado. Já no século XVIII, a área abrigou o Quilombo do Buraco do Tatu, ativo entre 1744 e 1763, que acolheu centenas de homens e mulheres negros em busca da liberdade.

Por séculos, o bairro se manteve como uma vila de pescadores, cuja economia se fortaleceu com a pesca da baleia, atividade que rendia óleo para exportação e usado até para a iluminação pública. Em seguida, Itapuã virou destino para “veraneio”, esse verbo tão dengoso e baiano.

Junto com o crescimento do bairro, chegou a violência por Tony Silva e Felipe Conceição/Ascom-PCBA

Ganho, samba e poesia

A riqueza cultural de Itapuã é inseparável da força feminina representada pelas "ganhadeiras". O termo “ganhadeira”, no século XIX, designava mulheres, escravizadas ou libertas, que obtinham o sustento através de pequenos serviços e comércio, como lavar roupas ou vender quitutes. O trabalho braçal era acompanhado por cantos, que o tornavam mais leve. Pois o grupo As Ganhadeiras de Itapuã, fundado oficialmente em 2004, é inspirado nessas mulheres e composto em sua maioria por ex-lavadeiras da Lagoa do Abaeté. Os cantos e sambas de roda do grupo recontam a história da antiga aldeia de pescadores. 

O bairro é um verdadeiro panteão de pontos turísticos e poéticos. O Farol de Itapuã foi erguido em 1873 sobre a Pedra Piraboca e tem 21 metros de altura. A Sereia do Mar ou Iemanjá, padroeira dos pescadores, é um monumento de ferro de 1,5 m, criado por Mário Cravo em 1958 e instalado no cruzamento de grandes avenidas do bairro. A Praça Vinícius de Moraes, em frente à casa onde o poeta carioca morou, homenageia-o com uma estátua em tamanho real.

A Lagoa do Abaeté, ícone de Itapuã, com suas águas escuras e envolta em mistérios e lendas, era temida, pois se dizia que “engolia” quem nela se banhava. Antigamente, servia para pesca e lavagem de roupas, mas hoje, está reduzida em volume e tamanho devido ao desmatamento e à construção de empreendimentos imobiliários.

Outra riqueza cultural de Itapuã é o bloco afro Malê Debalê, um dos mais importantes da cidade, fundado em 1979, por moradores.

Itapuã de hoje

O bairro, hoje, é um polo comercial onde os moradores relatam que encontram tudo o que precisam, sem necessidade de se deslocar para o centro de Salvador. A famosa feira alimenta o circuito da gastronomia que tem no Acarajé da Cira, inaugurado em 1956 no Largo da Cira, uma referência nacional. O premiado Beiju de Itapuã também se destaca na região. A força do mar continua presente na identidade local, já que a pesca artesanal é um grande valor cultural e fonte de renda para muitas famílias, organizadas na Colônia Z6.

Apesar da poesia, no entanto, o bairro enfrenta desafios urbanos complexos. Além da especulação imobiliária (e suas conhecidas consequências), o crescimento gerou um visível déficit de manutenção em diversos pontos. A violência também chegou forte. A tranquilidade do passado, quando se podia “dormir de porta aberta”, foi substituída pela sensação de que os moradores estão “prisioneiros”. Há relatos de degradação e vandalismo em monumentos, assim como denúncias de consumo aberto de drogas nas ruas, entre outros crimes.

Outro ponto tenso é a ascensão dos “paredões”. Embora o “paredão” seja uma opção de lazer de baixo custo, ele é frequentemente associado a um ambiente “muito perigoso”. Moradores mais antigos do bairro criticam esse tipo de evento e se sentem acuados, pois reclamar deles “pode gerar violência”.

A despeito da complexidade e dos problemas, como a violência que faz parte do cotidiano, o bairro luta para manter sua identidade. Itapuã, que foi vendido pelos poetas como um lugar maravilhoso e idílico, ainda mantém seus encantos. A gente torce para que, na luta entre o desenvolvimento e a preservação da história e cultura, a alma da "pedra que ronca" continue fazendo seu barulhinho bom. E você? Já passou uma tarde em Itapuã?

Por @flaviaazevedoalmeida