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Monique Lobo
Publicado em 27 de novembro de 2025 às 06:00
Um impasse que se arrasta há pelo menos cinco anos está longe de terminar. A disputa judicial sobre o abate de jumentos na Bahia deve tropeçar no recesso judiciário. É que uma decisão do último dia 6, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), restabeleceu a autorização para a matança dos animais e reconheceu a prática como atividade “lícita e tecnicamente regulamentada”. >
O recurso reforma uma decisão de primeiro grau de 2019 que derrubou uma liminar, do ano anterior, que suspendeu o abate dos jumentos no estado. Em 2018, uma juíza da 1ª Vara Federal proibiu o abate após casos de maus-tratos com centenas de animais mortos de fome e sede e em confinamento ilegal em Itapetinga, Itororó e Amargosa. >
Jumentos correm risco de extinção
Agora, a nova decisão do TRF1 foi contestada por embargos na própria corte e cabe recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Só que a proximidade com o recesso dos magistrados pode ampliar o tempo de manutenção do abate. Entidades de proteção animal temem que esse período de espera possa aumentar o declínio da população de jumentos, que já chegou a 94% entre 1996 e 2024, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Agrostat. >
“A continuidade do abate de jumentos ignora evidências técnicas e jurídicas: trata-se de uma atividade inviável e marcada por graves irregularidades”, afirma Gislane Brandão, advogada e coordenadora da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos. >
Para essas organizações, o tribunal desconsiderou estudos e pareceres técnicos que denunciam o extrativismo da prática por conta da inexistência de uma cadeia produtiva de jumentos no Brasil. O Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal (FNPDA), como uma das organizações autoras da ação pública contra o abate, vê com preocupação a manutenção da atividade. “A decisão desconsidera evidências científicas sólidas: não há base técnica, sanitária ou econômica que justifique essa atividade. O país não pode permitir que uma espécie importante caminhe para o desaparecimento”, pontua Vânia Nunes, sanitarista, com pós-graduação em Medicina Veterinária Legal e bem estar animal pelo Cambridge Institute, e diretora técnica do FNPDA.>
O TRF1 argumentou na decisão que a suspensão poderia prejudicar uma cadeia produtiva e afetar exportações. No entanto, as entidades de proteção animal contestam esse argumento através de um estudo econômico realizado pelo professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP), Roberto Arruda de Souza Lima. O levantamento aponta que o setor representa menos de 0,000003% das exportações brasileiras e não gerou impacto econômico relevante em municípios com abatedouros, como Amargosa, na Bahia. Além disso, a pesquisa mostra que os empreendimentos de abate de jumentos operam com prejuízo de cerca de 25% e são inviáveis do ponto de vista econômico e ambiental.>
O abate de jumentos para a exportação no Brasil começou em 2016, a partir de um acordo entre o Governo Federal e a China. No país asiático se extrai da pele e couro do animal uma substância usada para fazer o ejiao, remédio que promete combater o envelhecimento, aumentar a libido nas mulheres e reduzir doenças do órgão reprodutor feminino.>