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Larissa Almeida
Publicado em 31 de outubro de 2025 às 05:00
 
Na Bahia, o tempo médio para que um processo tenha o primeiro julgamento na Justiça Estadual é de 817 dias – o equivalente a mais de dois anos de espera. Esse é o maior índice entre todos os ramos do Judiciário no estado, que acumula 4,4 milhões de processos pendentes, incluindo os suspensos e arquivados provisoriamente. >
A lentidão é reflexo de um cenário mais amplo: no geral, o tempo médio entre o início de um processo judicial e o primeiro julgamento é de 725 dias no estado, o que coloca a Bahia com a quinta Justiça mais lenta do país, segundo o Painel Justiça em Números, ferramenta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). >
Em comparação com outubro do ano passado, o tempo de espera caiu 22% – o que implicou em 211 dias a menos para o primeiro julgamento. No entanto, essa queda ainda é variável a depender do órgão julgador. Na Bahia, a Justiça Estadual demanda, em média, 817 dias para o primeiro julgamento; a Justiça Federal, 619; os Tribunais Superiores, 536; a Justiça Militar da União, 390; a Justiça do Trabalho, 365; e a Justiça Eleitoral, 137.>
Entre os processos pendentes, 3,4 milhões não foram sequer julgados e 126,1 mil não são julgados há mais de 15 anos. A maioria se trata de ações de dívidas cobradas pelo governo (55,8 ml), processos cíveis (40,3 mil) e cobranças de dívidas extrajudiciais (14,3 mil). Os casos criminais e de outra ordem da justiça também entram na conta, mas em menor expressão, com menos de 10 mil casos cada. >
Confira o ranking de estados com maior número de processos judiciais pendentes
Por conta da lentidão dos tribunais baianos, a Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Bahia (OAB-BA) recebeu, desde janeiro de 2024, um total de 2.810 denúncias de advogados do estado por processos parados – sendo 1.513 reclamações registrados somente neste ano. >
Para Marcelo Linhares, presidente da Comissão de Celeridade Processual da OAB-BA, o número de denúncias ainda não reflete a realidade da morosidade do estado, a qual estima que seja muito maior do que os dados revelam. “A Comissão é nova e ainda tem muito advogado que não tem conhecimento da existência dela. [...] Em 2024, foram menos de 1.300 processos e, em 2025, já houve um aumento de 20% até agora, porque estamos fazendo um trabalho de ampliação da divulgação da comissão”, afirma. >
Ele acredita que a principal razão para a demora no sistema judiciário é a falta de magistrados e servidores, além da ausência de sistemas eficientes para utilização dos advogados e demais profissionais da Justiça. Como consequência direta dessas faltas, a perda de confiança na Justiça é o que tem sido observado como o prejuízo número um causado pela morosidade. >
“Como dizia Rui Barbosa, ‘a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta’. A parte ajuizar uma ação e não saber quando vai terminar se revela algo devastador. O devedor é quem mais se beneficia desse sistema, inclusive o estado. Hoje, a fila de precatórios não tem prazo para pagamento e todo o ano o estado abre edital para pagar o valor das condenações com desconto de 40%. Ou seja, a pessoa ganha e, para conseguir receber, precisa abrir mão de mais da metade do seu crédito, pois ainda tem honorários a pagar ao advogado”, aponta. >
Linhares defende a necessidade de aplicação do princípio de duração razoável do processo, bem como a contratação de pessoal e o investimento em sistemas proporcionais às demandas recebidas como solução à lentidão dos processos judiciais. >
A partir de segunda-feira (3), Salvador vai dar início ao Mês Nacional do Júri, projeto do CNJ que tem o objetivo de identificar as dificuldades que travam o andamento desses processos e tornar mais célere o trabalho dos tribunais do júri. Um mutirão será realizado e o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) já designou 576 sessões do Tribunal do Júri para o período, visando reduzir o número de processos pendentes e garantir maior celeridade de tramitação de ações penais. >
Segundo informações do CNJ, são mais de 18 mil ações penais sem julgamento no estado. Desses, 13,4 mil são relativos a homicídios qualificados, o tipo penal mais frequente nas varas do júri. De janeiro a agosto, o Projeto BA+Júri realizou 1.050 sessões para adiantar os processos. A meta é alcançar 1.500 até o fim do ano. >
Maria de Lourdes Medauar, idealizadora do projeto no estado, considera que a experiência baiana pode contribuir de forma decisiva no âmbito nacional. “Julgar com rapidez é essencial para garantir a confiança da população. Com o tempo, provas se perdem e a Justiça pode falhar em sua missão”, afirma. >
José Rotondano, presidente da Comissão Permanente de Justiça Criminal, Infracional e de Segurança Pública do CNJ, defende ainda um trabalho articulado para frear o crescimento da sensação de impunidade. “A Justiça tem que ocorrer no tempo necessário para que a sensação de impunidade não se estabeleça. Essa missão é tarefa prioritária, mas não exclusivamente do Judiciário. É preciso um trabalho do conjunto da sociedade, uma conscientização de que essa questão é essencial para a harmonia e paz social”, finaliza. >
 
 
 
