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Nós lemos 'Diário de Tremembé': saiba finalmente o que tem escrito no livro proibido de Acir Filló

Obra de jornalista, escrita quando estava na cadeia, foi banido pela Justiça; veja os relatos

  • Foto do(a) author(a) Carol Neves
  • Carol Neves

Publicado em 5 de novembro de 2025 às 13:01

Diário de Tremembé
Diário de Tremembé Crédito: Reprodução

Anos após ter sua circulação proibida, "Diário de Tremembé - O Presídio dos Famosos" voltou a despertar curiosidade. O livro, escrito pelo ex-prefeito Acir Filló durante o período em que esteve preso, ganhou novo fôlego com a estreia da série "Tremembé", da Prime Video. Relato de bastidores, a obra reaparece como um registro singular de um dos presídios mais midiáticos do país - e do olhar de quem viveu seus corredores de dentro. O livro, de 360 páginas, foi banido pela Justiça meses depois do lançamento - a juíza Sueli Zeraik de Oliveira Armani, da Vara de Execuções Criminais de Taubaté, alega que a obra violava a "privacidade dos detentos" e que continha "informações ou fatos não legítimos ou reportados".

O livro é uma grande colcha de retalhos em que Acir relata seu percurso no sistema penitenciário - foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro quando comandava a prefeitura de Ferraz Vasconcelos (SP) - e tenta fazer uma análise social sobre questões como encarceramento em massa e problemas da cadeia. No "recheio", curiosidade sobre o vocabulário usado pelos presos, a academia de Tremembé, os postos de trabalho, cursos e palestras ofertados na cadeia e relato de casos de presos notórios, alguns com direito a breves entrevistas. 

Ele relata, por exemplo, que Alexandre Nardoni, condenado pela morte da filha, e Lindemberg Alves, que matou a ex-namorada Eloá, recebiam cerca de 70% de um salário mínimo para trabalhar em uma das fábricas de Tremembé - seis horas de trabalho por dia, de segunda a sexta, com vagas concorridas pelos presos. Também conta que o curso de oratória "Como falar bem em público", que ele ministrou na cadeia, atraiu condenados como Mizael Bispo, condenado por matar a namorada Mércia Nakashima, 28 anos , e do médico Roger Abdelmassih. Acir garante que os presos prezam pela limpeza e os que não cuidam da higiene são mau vistos pelos demais. 

Diário de Tremembé
Diário de Tremembé Crédito: Carol Neves/CORREIO

Ódio a Datena, elogios a Luiz Bacci e críticas à imprensa 

Acir se mostra um progressista na obra. Ele critica o que chama de "populismo penal" e o excesso de prisões preventivas no Brasil, afirmando que juízes e promotores agem sob pressão do clamor público e da mídia, sem respeitar a presunção de inocência. Para ele, o sistema atual transforma a prisão provisória em uma antecipação de pena, contribuindo para cadeias superlotadas e a criminalização de inocentes ou infratores de baixo potencial ofensivo. As condições das cadeias também são alvo de críticas, ressaltando a diferença de Tremembé, que é vista como uma prisão mais humanizada.

Ele defende a importância das chamadas "saidinhas temporárias" para a ressocialização dos presos e defende mais prisões no modelo de Tremembé, que ajudem a reinserir os condenados na sociedade após suas penas.

As críticas ao jornalismo também enchem as páginas, embora o autor, que diz ter sido repórter por 12 anos, faça questão de frisar ser a favor da liberdade de imprensa. Ele cita uma passagem em que os presos celebraram morte do jornalista Marcelo Rezende. Luiz Bacci, do SBT, recebe alguns elogios. 

Ele cita o caso do vendedor Alfredo José dos Santos, condenado a 20 anos de prisão por tentar atear fogo a uma juíza durante uma disputa pela guarda do filho, afirmando que a imprensa não teria mostrado o "outro lado" de sua ação desesperada, mostrando-o como uma pessoa monstruosa.

Ao tentar mostrar esse "outro lado", não é incomum que Acir acabe escorregando. A mulher de Alfredo, por exemplo, é retratada como traidora que teria inventado uma agressão para impedir o pai de ver o filho. Isso teria gerado o "ato impensado" e desesperado do condenado. Seu "único objetivo" era chamar atenção da imprensa e da sociedade para a "injustiça" que sofria. Ele também destaca o rigor da pena, considerada excessiva, e questiona se a punição teria sido tão severa caso a vítima do ataque não fosse uma juíza.

Em outros pontos ele reconhece que talvez a versão dos presos, que buscam se explicar, compartilhar e até se eximir da culpa, seja um tipo de maneira de buscar viver em paz com o crime cometido. Ao contar o caso de Pedro Rodrigues, que em 2008 assassinou os filhos de 12 e 13 anos, ele ouve o condenado culpar a esposa, madrasta dos meninos, dizendo que se ela não tivesse entrado em sua vida, não teria matado os filhos. Acir pondera que essa ideia pode ser um mecanismo de defesa para Pedro e que Eliane, na prisão feminina, talvez contasse a mesma história.

Vale destacar que o livro não é bem escrito. O autor tenta desenvolver suas críticas sociais citando dados e alguns estudiosos, mas tudo é feito de uma maneira corrida e sem muito aprofundamento. As citações do livro vão de Dostoiévski e Martin Luther King a General Heleno, mas nada é particularmente bem amarrado. É natural, no entanto, que a maioria dos leitores interessados nessa obra não o faça pelo valor literário ou analítico, e sim pela curiosidade de conhecer um relato em primeira pessoa sobre a vida dentro da prisão mais famosa do país - tema que continua a fascinar muitos brasileiros.

Alguns dos presos citados no livro "Diário de Tremembé"

Alexandre Nardoni

Isabella: o Caso Nardoni. Isabella Nardoni in Isabella: o Caso Nardoni. Cr. Courtesy of Netflix © 2023 por divulgação/Netflix

Nardoni, preso em Tremembé desde 2008, é apontado por Acir como o mais "notável" dos detentos da ala masculina, por conta da atenção nacional que o crime atraiu. Acir relata que sempre quis falar com Nardoni, mas inicialmente ele estava reticente porque costumava ver suas falas tiradas de contexto. O autor o convenceu a dar uma entrevista afirmando que o livro não teria "sensacionalismo barato".  Ao relembrar o crime, Acir usa outras fontes da imprensa, sempre creditadas. 

O Nardoni que aparece no livro não é diferente do que ele te apresentado ao longo dos anos à mídia e à Justiça. Ele insiste que é inocente, como tem feito desde que o crime aconteceu. O pai de Alexandre, Antonio, também foi ouvido pelo autor e alegou que os policiais teriam oferecido um acordo para que a investigação seguisse outro rumo, mas a família não teria aceitado. 

Christian Cravinho

Irmãos Cravinhos e Suzane von Richthofen por Reprodução | Redes Sociais

Acir conhece Christian Cravinho em Tremembé por um acaso, quando já concluía o livro para envio à editora, quando o condenado pela morte do casal Richthofen volta à cadeia por outro crime, em 2018. Christian é falante. Ele e Acir se dão bem imediatamente porque o irmão Cravinho fazia parte do Abutres, grupo de motocicletas brasileiro que tinha nova sede justamente em Ferraz Vasconcelos, onde Acir foi prefeito.

Em conversas sobre o crime que o tornou conhecido em todo o país, Christian afirmava que Suzane von Richthofen poderia ter sido responsável pela morte da mãe, alegando que ela havia entrado no quarto onde o casal foi assassinado. Segundo ele, era possível que Suzane tivesse desferido os golpes fatais em Marísia, já que não existiriam evidências periciais de que os golpes dados por ele haviam causado a morte. Embora não negasse ter atacado a mulher, o condenado sustentava que a perícia indicava que a vítima fora morta por uma pessoa canhota, enquanto ele é destro.

Além disso, Christian alegava que não planejou crime nenhum e só estava na casa para tentar impedir os assassinatos e proteger o irmão Daniel. Na sua intenção de evitar as mortes, Christian teria feito barulho pela casa para que o casal acordasse, mas teria sido repreendido por Suzane. Ele relata que o irmão Daniel estava "irreconhecível". 

Christian dizia ter sentido culpa logo após o crime, mas não hesitava em atribuir a Suzane a responsabilidade pelas mortes, afirmando que ela planejou tudo e manipulou Daniel. O criminoso alegou ter perdido perdão a Suzane pela morte dos pais, mas ela teria respondido que não era necessário, já que ele havia dado uma nova vida a ela. 

Na cadeia, Christian tocava bateria na igreja e eventos, chegando a instruir o jornalista Pimenta Neves para assumir a posição quando ele foi para o semiaberto. O irmão Daniel, que não é entrevistado, era mais calado que Christian. Ele trabalhava, estudava e se dedicava a campeonatos de xadrez, sendo um dos melhores enxadristas da prisão. 

Lindemberg Alves

Lindemberg Alves por Reprodução

Condenado a mais de 39 anos de prisão por matar a ex-namorada Eloá, Lindemberg é universalmente descrito como preso exemplar, bem comportado e educado na cadeia. O crime brutal que ele cometeu é prefaciado por Acir, que admite ter desenvolvido uma amizade com o preso, com uma "passada de pano" em que cita que o rapaz estaria deprimido após o fim do namoro e agiu desesperado. 

Em 2017, na conversa relatada por Acir em Tremembé, Lindemberg relata que ficou 72 horas sem dormir durante o sequestro de Eloá e da amiga Nayara e sentia muita pressão. A postura da polícia durante a negociação, que foi amplamente criticada por especialistas à época do fato, também é ressaltada por Acir, que classifica de "erros bizarros" a sequência de ações que começou com a volta de Nayara ao cárcere, com aval policial. Quem atirou primeiro antes da invasão que terminou na morte de Eloá, a polícia ou Lindemberg? O próprio criminoso diz que se a perícia determinou que foi ele, não pode contestar, mas não parece ter convicção, segundo Acir.

A "imprensa sensacionalista" também é destacada pelo livro por conta da cobertura invasiva, que inclusive teve uma entrevista ao vivo com Sônia Abrão durante o sequestro. Até o julgamento teve uma cobertura "espetaculosa", na opinião do autor. Lindemberg conta que sentiu como se sua alma deixasse o corpo quando foi condenado. Na cadeia, Acir diz que fez uma amizade com Lindemberg assim que chegou e afirma que o colega não é um monstro. Ele cita o trabalho diário e a disciplina do condenado e ressalta que sua família jamais deixou de visitá-lo. 

Lindemberg assume sua responsabilidade e diz que errou, afirmando que faria diferente se pudesse voltar no tempo e se arrepende todos os dias pelo crime.

Roger Abdelmassih

Roger Abdelmassih por Reprodução

O médico Roger Abdelmassih foi condenado a 181 anos de prisão por estupro e atentado violento ao pudor contra 37 pacientes, crimes cometidos entre o final da década de 1990 e o início dos anos 2000, em sua clínica de fertilização em São Paulo. Ele cumpria pena em Tremembé, onde iniciou idas e vindas à enfermaria tentando provar algum problema de saúde que o libertasse da cadeia.

A revelação de uma armação envolvendo outro preso para conseguir provar que Roger era doente é um dos grandes destaques do livro. Levou o caso a ser tratado pela imprensa e acabou levando o condenado de volta à cadeia, depois de ser beneficiado com prisão domiciliar no final de 2017. Acir conta que passou a ouvir que o histórico médico de Roger era uma história "mal contada", mas ninguém na cadeia queria falar do assunto. Ele mesmo começou a levantar informações e investigar minuciosamente o boato de que a doença era um golpe.

Foi assim que ele chegou a Carlos Sussumo, o médico que "cuidou" de Roger na cadeia por quase dois anos. Em março de 2018, ele relata que entrevistou Sussumo, que prontamente confessou que passou medicamentos para Roger para que causassem complicações cardíacas, a pedido do condenado. Ele afirmou que a doença do médico era fraudulenta e que ele poderia permanecer preso e se tratar. A partir dessa denúncia, o caso tomou os noticiários e uma investigação acabou confirmando a fraude.

Acir falou brevemente com Roger no livro, mas o médico apenas negou o crime e disse, de uma maneira bastante grosseira, que apenas fez sexo com as mulheres que quiserem manter relação com ele.

Gil Rugai

Gil Rugai
Gil Rugai Crédito: Reprodução

O ex-seminarista Gil Rugai é descrito como o intelectual da cadeia. Condenado por matar o pai e a madrasta em São Paulo, crime que continua a negar, ele fundou um café literário e fazia leituras e encenava peças na prisão. Acir o descreve como um rapaz tímido, culto, leitor frequente e muito católico. 

A entrevista dos dois acontece em uma pista de cooper, quando os dois corriam. No papo, nada sobre o crime. Gil Rugai fala mais de como, aos 13 anos, resolveu virar católico em uma família de judeus. Falava da Bíblia, do sonho de juventude de ser padre e descrevia a importância de ser caridoso. Durante as missas, Gil fazia as vezes de coroinha, ajudando o padre. Nos finais de semana, recebia visitas  da mãe e dois irmãos.

Edinho, filho de Pelé

Edinho
Edinho Crédito: Reprodução

Acir relata a excitação dos presos em 2017, quando o ex-goleiro do Santos foi para Tremembé. Nas conversas que ele relata ter tido com o atleta, Edinho compartilhou temas íntimos, como a mágoa do pai quando cresceu, por conta da ausência de Pelé. O rancor era tanto que ele se negava a assistir jogos do Santos. A relação dos dois só teria melhorado quando Edinho voltou ao Brasil - cresceu em Nova York - e passou a conviver com o pai. 

Sobre o crime que o levou à cadeia, associação ao tráfico, Edinho afirmava que agiu de maneira ingênua por ter se apresentado à polícia sem advogado depois de ser gravado em contato com um líder de tráfico em Santos - de quem afirmava ser apenas amigo. Dizia ter sido vítima de uma situação forjada ao se negar a fazer um "acerto" com policiais. Seu sonho era um dia assistir ao Jornal Nacional e ver a notícia de que havia sido inocentado. 

Guilherme Longo

Guilherme Longo
Guilherme Longo Crédito: Reprodução

Outro preso citado no livro é Guilherme Longo, condenado por matar o enteado Joaquim, de apenas 3 anos, com uma alta dosagem de insulina e estrangulamento. O corpo foi jogado em um riacho. Ele e a esposa negaram o crime, mas em entrevista à Record Guilherme acabou confessando o envolvimento. Logo após a entrevista, contudo, ele voltou a negar o crime e disse que teria aceitado falar com a emissora em troca de dinheiro para fugir (a Record negou o acordo). Ele fugiu, mas foi preso na Espanha e trazido de volta ao Brasil. 

Falando a Acir, Guilherme continuou negando ter matado Joaquim. Ele afirmou que fugiu por desespero, mas não por culpa, já que não teria cometido o crime. Na cadeia, Guilherme recebia visita dos pais, que destacavam que ele sempre foi muito educado e trabalhador, até se envolver com drogas. A mãe afirmava que mesmo depois de tudo que aconteceu, Guilherme ainda era um bom filho.

Mizael Bispo

Mizael Bispo
Mizael Bispo Crédito: Reprodução

Outro preso que sustenta sua inocência nas páginas do livro é Mizael Bispo, condenado por matar a ex-namorada Mércia Nakashima. Ele é apresentado como um dos detentos que mais nutre rancor pela mídia pela cobertura do crime pelo qual foi acusado. Para ele, foi uma vítima de "linchamento público", uma polícia despreparada e um MP "cúmplice". Sua condenação partiu da mídia, na visão de Mizael.

Em Tremembé, ele apresentava comportamento calmo e educado, segundo o relato. Foi aluno entusiasmado do curso de oratória na cadeia, frequentava cultos evangélicos para os presos e recebia visitas das filhas e irmãos constantemente. O livro traz um ping pong com Mizael, que nega diretamente ter cometido o crime, afirma que viveu bons momentos com Mércia e que chorou quando ela foi achada morta. Ele acusa o segundo delegado que assumiu o caso de pegar a versão da família, que o via como suspeito, e considerar verdade. Em sua opinião, nunca houve provas reais contra ele.