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Fernanda Varela
Publicado em 28 de outubro de 2025 às 11:18
Luciano Szafir, 56 anos, viveu uma experiência de quase morte em 2021, quando testou positivo para a covid-19 pela terceira vez. O ator foi diagnosticado com embolia pulmonar e precisou usar altas doses de anticoagulante, o que causou o rompimento do intestino. Ele passou por uma cirurgia grave, com menos de 12% de chance de sobrevivência, e ficou 145 dias internado.>
“Nunca me senti pronto pra escrever um livro, mas percebi que poderia ajudar outras pessoas”, disse em entrevista à GQ Brasil. A decisão deu origem à obra 'Por favor, me dê mais 15 minutos: sobre vencer batalhas e transformar vidas', lançada em setembro deste ano. O título, explica ele, faz referência a um pedido que fazia repetidamente enquanto lutava para sobreviver.>
Luciano Szafir
“Tiveram momentos em que eu estava muito, muito mal, e eu tinha certeza que iria embora. Fechava o olho e rezava. Eu pedia: ‘Me dá mais 15 minutos, por favor’, para poder pegar o celular e fazer um FaceTime com os meus filhos, minha mulher, minha mãe... E isso aconteceu, pude falar com todos eles”, relembrou.>
Durante a internação, ele passou por uma sequência de complicações. “A quantidade de anticoagulante era absurda, porque precisavam acabar com a embolia. Meu intestino rompeu, e comecei a urrar de dor. Era como se tivesse tomando várias facadas na barriga. Tomei a quantidade máxima permitida de morfina, e não adiantava. Me deram ketamina, com a autorização da direção do hospital”, contou.>
A ketamina, anestésico dissociativo usado em cirurgias, foi necessária para controlar a dor. Na época, quase 90% do pulmão de Szafir estava comprometido. “A intubação para mim foi uma tortura. Foi uma ida ao inferno e voltar. Eu escutava tudo que todo mundo falava, e sentia dor 24 horas. O pessoal do hospital falava: ‘Gosto tanto desse cara, não queria que ele morresse. Mas, não tem jeito, né?’ Foi bem complicado”, disse.>
O ator, que tem 1,93m, chegou a pesar 68 kg. “Eu era um saco de osso. Não tinha força para nada.” Após o tratamento, passou a usar corticoide para recuperar o pulmão e chegou a 144 kg. “Fiquei sem andar, porque o corticoide drena as articulações, e eu tive uma artrofia. Comecei a sentir dores nas pernas e depois elas começaram a travar. Fiquei quase dois meses de cama e precisei colocar uma prótese de quadril”, explicou.>
Ele também enfrentou uma infecção hospitalar e precisou substituir a prótese. “A dor virou minha melhor amiga. Eu tinha dor sentado, deitado... Tinha dor o tempo inteiro. Caí no opioide, fiquei extremamente viciado.”>
Em um momento crítico, Szafir lembra que quase não resistiu. “Cheguei a tomar uma cartela inteira de opioide, rivotril e novalgina. Isso era umas oito horas da noite. No dia seguinte, por volta de três da tarde, minha mulher não conseguia me acordar. Foram medir minha pressão, e eu tava com três por dois.”>
Entre a vida e a morte, ele diz que passou a ver tudo de forma diferente. “Quando você tem certeza que vai morrer, muita coisa muda. Você não pensa: ‘Nossa, se eu tivesse comprado aquela casa...’. A única coisa que eu queria era levantar, beijar minha mulher, meus filhos e estar com meus amigos.”>
A recuperação foi lenta. “Estava morrendo de sede e sonhava com um copo d’água. Sonhava em tomar um banho. Eu tomava banho na cama de plástico, com três enfermeiros me limpando. Quando pude tomar banho sozinho, sentado, chorava igual criança. Queria voltar a caminhar, eu só conseguia dar três passos. Não tinha força para nada. Me sentia uma ameba, e só queria voltar a ter vida.”>
Mesmo depois da alta, ele sofreu crises de pânico. “Se eu sentia um desconforto, me dava um pânico muito grande, porque não tinha mais nenhum médico à disposição. Tinha muito medo. Comecei a fazer terapia, e nunca tinha feito antes.”>
Com o tempo, aprendeu a lidar com as dores e transformou o trauma em aprendizado. “Claro que eu ainda me irrito, como qualquer pessoa normal. Mas dura muito menos, dura muito pouco. Deixo tudo me afetar muito menos do que me afetava. A minha vida é muito mais tranquila, muito melhor hoje. Se você me perguntar qual foi a melhor coisa que me aconteceu, foi ter ficado doente e quase ter morrido. Porque hoje, minha vida faz muito mais sentido.”>
Um dos momentos mais marcantes da nova fase foi o desfile no São Paulo Fashion Week, em novembro de 2021, quando entrou na passarela com a bolsa de colostomia à mostra. “As pessoas tinham zero autoestima em relação a isso. Homens me perguntavam como teriam coragem de ficar nus na frente de possíveis parceiras. Eu pensei: ‘Preciso fazer algo para as pessoas perderem a vergonha’. E decidi desfilar assim, para as pessoas verem que isso é algo normal.”>
Hoje, Szafir diz viver em paz com o passado e grato por ter sobrevivido. “Eu pedi mais 15 minutos, e o universo me deu uma nova vida.”>