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Anitta fez alerta para falta de demanda; produtor explica: ‘Se Ivete e Ludmilla não lotam estádios imagine os artistas menores?’
Saulo Miguez
Publicado em 16 de maio de 2024 às 13:19
Milhares de fãs das cantoras Ivete Sangalo e Ludmilla foram pegos de surpresa com o cancelamento das suas respectivas turnês. "A Festa", que celebraria os 30 anos de carreira de Ivete, e "Ludmilla in the house", que comemoraria 10 anos de estrada de Lud, despontavam como mega-produções com equipamentos, qualidade técnica e ingressos comparados aos de gigantes da música internacional.
A primeira apresentação da "Festa" aconteceria em 1º de junho, em Manaus, seguindo a agenda até abril de 2025, quando Ivete finalmente chegaria ao Rio de Janeiro. Os preços dos ingressos variavam de R$ 100 a quase R$ 700.
"Ludmilla in the house" teria início em 25 de maio, no Rio de Janeiro. Ao todo, já estavam marcadas 19 datas, incluindo uma apresentação no Allianz Parque, em São Paulo. Ingressos eram vendidos de R$ 95 a quase R$ 500.
Os shows seriam realizados em estádios e estavam sob responsabilidade da produtora 30e. Segundo a empresa, a decisão dos cancelamentos veio exclusivamente das cantoras. "A produtora lamenta, mas respeita a decisão unilateral das artistas e esclarece que, em nenhum momento, avaliou o cancelamento das duas turnês", diz a nota.
"Em relação à turnê 'Festa', por questões de demanda, a empresa propôs à artista e sua equipe uma readequação da estrutura e produção e foi surpreendida com o comunicado publicado. Em relação à turnê 'Ludmilla in the house tour', não houve nenhuma negociação anterior à decisão exclusiva da artista, e seu comunicado."
"Com mais de três milhões de pessoas impactadas anualmente pelos eventos que promove, realiza e produz, a 30e pode afirmar sua integral capacidade para cumprir seus compromissos com seus clientes, parceiros e patrocinadores, e informa que as demais turnês anunciadas estão confirmadas e ocorrerão", finaliza a nota.
Anitta avisou
Outro fenômeno da música e da cultura pop na atualidade, Anitta já havia alertado para o processo de desvalorização dos grandes shows dos artistas brasileiros no nosso país. Ao ser questionada por jornalistas sobre datas de apresentação da turnê "Funk Generation" no Brasil, ela cravou que o público brasileiro não topa pagar por shows de grande porte.
“A gente está pensando em como fazer acontecer [no Brasil]. Uma coisa é fazer shows pequenos, como estamos fazendo em outros países. Esse evento maior requer tempo e estrutura, e a galera não está muito a fim de pagar para ir em eventos desse tipo. Quando é show internacional, todo mundo quer pagar zilhões. Mas estamos tentando fazer [grandes shows no Brasil], independentemente disso", acrescentou.
Setor não se recuperou
Para o presidente da Associação Baiana das Produtoras de Eventos (Abape), Moacyr Villas Boas, é importante refletir sobre o cenário. Afinal de contas, "se Ludmilla e Ivete não estão conseguindo lotar os estádios, imagine os artistas menores?", questionou Moacyr em entrevista ao CORREIO. Ele ressalta que o setor de eventos como um todo, desde a pandemia, está em crise e que o cancelamento das turnês dessas duas gigantes do mercado corrobora com esse fato.
Hoje, ainda de acordo com Moacyr, os altos valores dos ingressos é resultado da falta de apoio da iniciativa privada aos eventos culturais, bem como do aumento das demandas dos artistas, que estão levando para os palcos shows cada vez mais apoteóticos.
"O Brasil é um dos países cujas empresas investem menos em cultura. Isso eu falo baseado na minha experiência. Sempre foi um desafio captar com a iniciativa privada. Quando as empresas ajudam, a gente consegue reduzir o valor da entrada. É uma conta simples", disse. Com a falta de apoio, os custos recaem todos sobre a bilheteria, o que termina pesando no bolso do fã/consumidor.
Moacyr, inclusive, destaca que essa crise no Brasil não está restrita aos eventos dos artistas locais. Para ele, o sucesso de público no show de Madonna, realizado em Copacabana, no Rio de Janeiro, por exemplo, só foi possível por conta da não cobrança de entradas. "Quantas daquelas pessoas estariam dispostas a pagar pela apresentação caso fosse cobrado?"
Ele defende que haja uma articulação maior entre governo, empresários e o setor cultural. Segundo ele, é necessário que haja um programa governamental, menos burocrático do que as ferramentas já existentes, que de fato beneficie quem investe em cultura.
"É preciso colocar as empresas em contato com o setor e facilitar o processo. Muitos empresários acham que é difícil patrocinar eventos por conta da burocracia. A Lei Rouanet, que é algo bom, termina muitas vezes beneficiando grandes nomes que não precisam do apoio. Pois os artistas de pequeno porte não interessam às grandes empresas", apontou.
Alto custo x baixa inovação
O produtor conta ainda que após a pandemia os custos de realização dos eventos chegaram a triplicar. Isso porque, dentre outras coisas, diversas empresas de infraestrutura fecharam as portas e as que ficaram aumentaram os valores para atender a demanda.
Além disso, a diminuição da quantidade de eventos fez com que os prestadores de serviço precisassem aumentar os preços praticados para conseguir manter a folha de pagamento em dia. "Uma coisa é você manter uma empresa de iluminação com 10 shows no mês. Outra é com três", exemplifica.
Outro ponto levantado por Moacyr é a falta de inovação nos shows. Por mais que as apresentações estejam mega produzidas falta, muitas vezes, repertório musical que motive o fã a pagar por aquele ingresso.
"Os artistas precisam inovar. Muitos repetem o mesmo show ano após ano. Isso cansa o público. Antigamente, havia uma cultura de produzir um álbum e excursionar com ele, mas hoje os artistas não ganham com venda de CDs, porque o mercado mudou muito. Então são lançados singles na internet e a parte criativa da indústria ficou muito aquém", concluiu.