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Maria Raquel Brito
Publicado em 21 de novembro de 2025 às 06:30
Para além dos quadros dramáticos e das obras comissionadas pela Igreja, o pintor italiano Caravaggio levava uma vida não muito sacra. Passou grande parte da vida foragido após cometer um assassinato, viveu de cidade em cidade entre os boêmios e retratou a si mesmo sempre de forma negativa em autorretratos. Em um dos mais emblemáticos, Davi com a Cabeça de Golias, o gigante decapitado representa o pintor. Na espada usada para o assassinato, uma sigla: Hasos. >
Abreviação para uma frase em latim que pode ser traduzida como “a humildade mata o orgulho”, a inscrição dá nome ao novo álbum do baiano Baco Exu do Blues, lançado na última terça-feira (18). “Queria muito construir uma jornada em que você entende as feridas que recebeu na vida e porque aceitou receber essas feridas. Quem perdoou e quem não quis perdoar, porque é um direito não perdoar. Isso tudo requer humildade. E o ego atrapalha ver tudo isso, então, eu acho que esse quadro sintetizou tudo que eu queria falar”, explica o artista.>
Baco Exu do Blues lança Hasos
Ao longo de 18 faixas, entre músicas e interlúdios, o artista conduz o ouvinte por uma grande sessão de terapia. Os interlúdios têm títulos poderosos, simulando diálogos com um terapeuta. Raiva, vingança e perdão são temas que aparecem nas vozes dos atores Fabrício Boliveira, Luiz Carlos Persy, Raphael Logam, Wesley Reis e Luellem de Castro.>
Baco diz que, nos mais de três anos em que trabalhou no disco, fez com a intenção de que os ouvintes se sentissem machucados. Queria que se identificassem e pensassem: “preciso conversar sobre isso”. “Não importa em qual recorte social você esteja, queria que fosse tocado por uma das faixas de uma forma muito profunda. Que a pessoa fosse levada a conversar sobre isso, para trazer à tona as coisas que a gente geralmente esconde de si mesmo”, diz.>
Para isso, pediu ajuda de outros artistas, para colocar os ouvintes no divã. As músicas têm participações de Vanessa da Mata, Teto, Zeca Veloso, Sued Nunes, Joyce Alane, Mirella Costa, IVYSON e Carol Biazin, e vão do rap característico de Baco ao forró. Hasos é mais íntimo que o último trabalho, o álbum Fetiche, de 2024. Segundo ele, são propostas totalmente diferentes. Enquanto Fetiche é um trabalho sobre como as pessoas o enxergam, Hasos mostra como ele realmente é: “É mais profundo, me traduz um pouco melhor. E isso é meio doido, porque é agoniante quando você para e pensa em como as pessoas te enxergam. É um processo.”>
O primeiro livro que o pequeno Diogo Álvaro ganhou na vida foi de mitologia greco-romana. Leu inteiro e o conteúdo ficou marcado em sua mente. Hoje, como Baco Exu do Blues, ele traz essas referências ampliadas. E são muitas, seja de mitologias mundo afora ou da literatura brasileira: do título do disco a menções a Sísifo, gladiadores e deuses. De forma mais sutil, se fazem presentes também Rubem Alves, Jorge Amado e Glauber Rocha. “Não precisa beber dessas fontes para ser tocado pelo disco, mas quando você entende essas fontes, sua experiência acaba sendo outra”, defende.>
A influência apareceu em vários momentos da concepção do disco. Um deles foi quando estava tentando entender que tipo de sonoridade precisava para inserir as pessoas na narrativa. >
“Jorge Amado, quando está criando o espaço, desenha de uma forma absurda. Tem uma passagem de Jubiabá que o personagem está olhando e descrevendo Salvador de longe e eu lembro que essa é uma das minhas partes preferidas do livro. É a grandeza de uma magnitude... [...] E as sonoridades do álbum foram criadas como as paisagens, por isso eu não estava muito apegado à ideia de ficar preso a um gênero musical. Eu acho que as narrativas precisam dos seus lugares próprios”, diz.>
Baco Exu do Blues
Com uma turnê finalizada em novembro e um álbum recém-lançado, é normal que se imagine que Baco pretenda tirar um tempo para descansar. De certa forma, sim: ainda não tem datas para a turnê de Hasos, mas tem planos. “A estreia da turnê vai ser em Salvador, com certeza. Não tem outra forma”, promete.>
Baco tem um carinho especial por Salvador. Segundo o cantor, foi por conta de um show na capital baiana que ele desistiu de acabar com a carreira musical. “Estava passando por uma fase muito difícil. E eu sou um cara muito reservado, não falo muito sobre minha vida pessoal. Lembro de um show em Recife, onde rolou um atraso no festival e a galera acabou me culpando. E não consegui performar tão bem, porque estava muito machucado. Depois desse show, fiquei numa vibe de ‘acho que já deu para mim’. E aí rolou um show na Concha que me fez ganhar todo o amor por fazer música de volta. Se não fosse aquele show em específico, esse disco poderia nem ter saído”, conta.>