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O artista Frans Krajcberg doou acervo para a construção de museu no sul baiano
Maysa Polcri
Publicado em 7 de agosto de 2024 às 05:30
Separar um artistas de sua obra nunca é tarefa fácil. Em certas situações, beira o impossível. Caso do escultor e pintor polonês Frans Krajcberg (1921-2017), que se mudou para Nova Viçosa, no sul baiano, na década de 1970. Seu ativismo ambiental e as técnicas se fundem de maneira inconfundível nas artes abrigadas, durante anos, no Sítio Natura. Tendo em vista a preservação do acervo e a instalação de um museu na propriedade rural, Frans doou mais de R$5 milhões em bens ao Governo do Estado, em 2009.
As promessas feitas pela gestão na época nunca foram cumpridas. O Museu Artístico e Ecológico, que seria construído em Nova Viçosa, amarga abandono e as obras sofrem com as intempéries do clima. Cerca de 500 obras foram deslocadas para o Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, em Candeias, cidade que fica a 800 quilômetros de onde o artista morou.
Antes de morrer, Frans Krajcberg recebeu propostas de outros estados e países, que queriam receber o seu acervo. São Paulo, Rio de Janeiro e Portugal estavam entre os interessados. O artista, que veio para o Brasil após perder a família na Segunda Guerra Mundial, decidiu que seu legado permaneceria em terras baianas.
A amiga Lucenilde Araújo, que conviveu com Frans em Nova Viçosa, foi fundamental para a escolha do polonês. “A gente achava que ao doar para a Bahia, teríamos o cuidado com o acervo. Teríamos um grande patrimônio de cultura e turismo para a nossa cidade, que era o que o Krajcberg queria. Ele queria transformar a cidade no maior polo de cultura e meio ambiente do país”, revela a amiga.
Em julho, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-BA), através do Ministério Público de Contas, emitiu um parecer em que dá prazo de 150 dias para que a gestão estadual assuma a conclusão das obras do museu. Além do incentivo à visitação e a nomeação de dirigentes para administrar os imóveis doados pelo artista. O mesmo documento, o qual o CORREIO teve acesso, lista quais foram os itens doados ao Estado da Bahia. O valor total do bens chega a R$4.997.381, sem a inclusão do acervo artístico deixado por Frans.
Fazem parte da lista três propriedades rurais, em Nova Viçosa, que, juntas, foram avaliadas em R$4.074.500. Além de imóvel residencial, no valor de R$200 mil, na mesma cidade, e outro, avaliado em R$640 mil, no Rio de Janeiro. Completam a lista dos carros avaliados em R$34.985 e R$47.896. Saldos de quatro contas bancárias e suas respectivas aplicações financeiras também são citadas no documento, mas os valores não foram detalhados.
O valor total do acervo artístico deixado por Frans pode ultrapassar R$1 bilhão, segundo estimativas de Renata Rocha, biógrafa do artista polonês. Segundo ela, apenas parte das obras deslocadas para São Paulo foram avaliadas em R$126 milhões. A partir da denúncia de Renata, o MP de Contas deu parecer favorável para que o Governo do Estado assuma as obras do museu em Nova Viçosa. O documento é um parecer, ou seja, não tem poder para obrigar a gestão estadual a cumprir as medidas.
A construção do museu na cidade baiana não seria por acaso. A simbiose entre a natureza e a arte é o pilar do legado de Frans Krajcberg, que se consolidou como ativista ambiental em Nova Viçosa. Suas obras incluem elementos da natureza, como galhos, cipós, raízes e troncos.
Em nota, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac) afirma que atua de forma continuada na “conservação, salvaguarda e preservação do acervo e dos bens do artista polonês”. Mesmo assim, o Sítio Natura é alvo de depredação e furtos, segundo o Ministério Público de Contas.
O órgão afirma que “não existe vigilância patrimonial no local, o que está ocasionando roubos nas edificações construídas como a retirada de portas, janelas, iluminação, tomadas, telhas, demolições de cômodos e até um gerador de luz”. Em 2022, a Delegacia Territorial de Nova Viçosa instaurou inquérito para apurar a demolição do imóvel que pertenceu ao artista plástico.
Enquanto não há definição sobre o futuro das obras de Frans, a amiga e confidente Lucenilde Araújo lamenta a confiança depositada no Governo do Estado. “Eu tenho muita revolta. Se eu soubesse que seria esse descaso, eu jamais teria convencido ele a doar o acervo para a Bahia. O Krajcberg vinha todos os dias para a minha casa, às 15 horas, e passamos anos conversando sobre isso”, diz.