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Maysa Polcri
Publicado em 7 de agosto de 2024 às 05:15
Um novo capítulo da história que envolve o artista polonês Frans Krajcberg (1921-2017) e o Estado da Bahia foi iniciado em julho deste ano. Depois que a degradação das obras do escultor naturalizado brasileiro foi denunciada, o Ministério Público de Contas da Bahia, vinculado ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-BA), deu prazo de 150 dias para que a gestão estadual assuma a conclusão das obras do Museu Artístico e Ecológico, em Nova Viçosa. O equipamento cultural deve ser instalado no Sítio Natura, que foi doado pelo artista ao estado em 2009. >
O parecer do Ministério Público de Contas, o qual o CORREIO teve acesso, foi assinado pela promotora Erika de Oliveira Almeida, em 29 de julho. Além das obras, o documento sugere que o governo do Estado se responsabilize pela conservação o acervo de Frans Krajcberg, incentive a visitação do museu e indique dirigentes para administrar os imóveis doados pelo artista. A manifestação do órgão atende às denúncias contra o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), feitas por Renata Rocha Silva, biógrafa do artista polonês. >
"Em 2009, foi feita a escritura de doação de todo acervo artístico e patrimonial dele [Frans]. O Estado da Bahia tinha 150 dias para criar ou iniciar esse museu e não o fez", afirma Sérgio Nunes, advogado da denunciante. "A promotora requereu providências perante o conselho do Tribunal de Contas do Estado da Bahia para que adote medidas coercitivas para obrigar o Governo da Bahia a cumprir o testamento do artista", acrescenta.>
Em nota enviada após a publicação desta reportagem, o TCE-BA informou que "eventuais determinações somente são expedidas pelo TCE/BA, em sede de julgamento do processo, consoante disposto no art. 91, XIV, da Constituição do Estado da Bahia. Quanto a esse aspecto, o MPC/BA pode sugerir, em suas manifestações, a expedição de providências visando à correção de irregularidades, contudo, como afirmado acima, estas não possuem caráter vinculante". Ou seja, não cabe ao tribunal tomar decisões, apenas sugerir medidas diante de denúncias. >
Frans Krajcberg nasceu na Polônia, em 1921. Fugiu para a União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial (1938-1945), e escolheu o Brasil para reconstruir a vida depois de perder a família no conflito. Antes de se mudar para o sul da Bahia, residiu no Paraná, Rio de Janeiro e em países europeus. >
Chegou a Nova Viçosa, na Bahia, no início da década de 1970, onde ampliou o trabalho com esculturas e se consolidou como ativista ambiental. Suas obras, feitas com troncos e raízes calcinados, são denúncias contra a degradação do meio ambiente. >
Em 2009, Frans doou o sítio avaliado em R$1 milhão, além de outros bens, para o governo do estado, com a promessa de que seria construído o Museu Artístico e Ecológico, o que não foi feito até hoje. Só em bens, foram doados mais de R$5 milhões. O espaço sofre com a degradação do tempo e oferece risco para as obras do artista que ainda permanecem no sítio, segundo o parecer do Ministério Público de Contas. Uma parte do acervo foi deslocada para o Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, em Candeias, que fica a 800 quilômetros de Nova Viçosa. >
As condições precárias das estruturas do sítio afetam a cobertura de fibra vegetal, vedação de vidro e a escada. Além disso, o documento destaca o descuido com objetos pessoais do artista. “Chama a atenção a quantidade de livros e objetos pessoais de Frans Krajcberg espalhados pelo ambiente sem nenhum cuidado especial, já que encontramos alguns itens no chão e na escada. Essa situação pode ocasionar perdas irreparáveis por falta de absoluto controle do material”, diz o documento. >
“Nenhuma intervenção foi feita pelo estado para concluir as instalações do Museu Artístico e Ecológico situado no Sítio Natura. As edificações que se encontram lá estão se desgastando com o tempo e as poucas intervenções feitas se referem a retirada das obras em 2022 e a contratação de empresa especializada para o combate de pragas”, conclui o parecer. >
O Ministério Público de Contas sugere ainda que a administração dos bens doados por Frans Krajcberg seja compartilhada com outros órgãos do governo e não somente com o Ipac. “A doação foi ao estado da Bahia e, em nosso entendimento, caberia maior envolvimento principalmente da SAEB [Secretaria de Administração do Estado da Bahia] e da Casa Civil para cumprir o que foi acordado no termo de doação”, indica. >
O Ministério Público do Estado foi procurado, mas não retornou. Em dezembro de 2023, o MP-BA ajuizou uma ação contra o Estado para que os encargos previstos na doação de Frans sejam cumpridos. >
Após a solicitação da reportagem, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac), emitiu uma nota em que diz que vem atuando de forma continuada na “conservação, salvaguarda e preservação do acervo e dos bens do artista polonês”. O órgão disse ainda que as denúncias sobre o descuido das obras de Frans são “infundadas”. >
“Desde o início do ano de 2022, o Ipac está dando continuidade às ações de salvaguarda e preservação das obras de Krajcberg, a partir da catalogação e identificação conforme espaço, dimensão e tipo de obra; logística de organização e deslocamento das peças; elaboração de laudo individual; além de registro videográfico [...] terceiros interessados em retirar do Estado o controle desse patrimônio de valor artístico imensurável para o povo baiano, têm promovido constantes denúncias infundadas”, diz a nota. >