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Maysa Polcri
Publicado em 16 de agosto de 2024 às 05:00
Mais uma vez, os índices alarmantes de violência na Bahia chamam atenção e fazem disparar os dados nacionais. O alvo, agora, são crianças e adolescentes de até 19 anos. Em apenas dois anos (em 2022 e 2023), foram 1.890 mortes violentas intencionais de vítimas nessa faixa etária - uma média de dois óbitos por dia. O estado lidera esse tipo de violência no país. Os números absolutos, que espantaram os pesquisadores, revelam que a violência contra crianças e adolescentes na Bahia é mais intensa do que em São Paulo (572) e Rio de Janeiro (785) juntos (1.357). >
As mortes violentas intencionais são os homicídios dolosos, feminicídios, latrocínios (roubo seguido de morte), lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenção policial (em serviço e fora dele). O Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, divulgado nesta semana, revelou que 966 mortes de pessoas de até 19 anos foram registradas na Bahia, em 2022. No ano passado, foram 924 - uma redução de 4,3%. Mesmo com a queda, os óbitos dos dois últimos anos superam a soma dos registrados em São Paulo (572) e Rio de Janeiro (785). Ambos os estados do Sudeste são mais populosos do que a Bahia. >
Histórias de famílias despedaçadas estão por trás dos números que escancaram a violência. São casos como o do pequeno Cauã Lorenzo Silva Santos, de apenas 2 anos. Ele foi morto pelo padrasto, um jovem de 21 anos, que asfixiou a criança por ciúmes da mãe da vítima, enquanto ela trabalhava. O caso bárbaro aconteceu em Bom Jesus da Lapa, no oeste da Bahia, em outubro de 2022.>
Em 2023, Gabriel Silva da Conceição Júnior, 10 anos, levou um tiro no pescoço quando estava na porta de casa no bairro de Portão, em Lauro de Freitas. A família acusou policiais militares pela morte, e a corporação informou à época que os agentes faziam rondas quando foram recebidos a tiros por homens suspeitos. Na troca de tiros, Gabriel foi atingido.>
Helena Oliveira, chefe do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em Salvador, explica que mortes de crianças e adolescentes são o ápice de violências naturalizadas no cotidiano. “Ações integradas de prevenção precisam ser aplicadas para combater a violência. O homicídio é o final da linha de todas as violências. Precisamos fazer com que os meninos e meninas não cheguem ao limite do abismo em que suas vidas são ceifadas”, analisa. >
Não é incomum que as vítimas estejam inseridas em ambientes violentos. Assim como aconteceu com Cauã, a menina Ashila Gabriele Bomfim Mendes, 10, foi morta pelo ex-companheiro da mãe, em Juazeiro. Depois de um dia desaparecida, ela foi encontrada morta em um terreno baldio, em julho do ano passado. >
A circunstância da morte é semelhante a de Arthur da Luz Santos, 7, que morreu após ser esfaqueado pelo padrasto, em Salvador. Mais recentemente, a morte de Aisha Vitória, de apenas 8 anos, chocou moradores de Salvador. A menina foi abusada sexualmente e morta por um vizinho, em Mussurunga. >
O levantamento é uma parceria do Unicef com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A pesquisa também identificou qual o perfil mais recorrente das vítimas no país. A maioria (64,3%) dos mortos de até 4 anos eram negros. O percentual sobe para 83,6% na faixa etária de 15 a 19 anos. Quanto mais a idade avança, maiores são as chances de um jovem morto no Brasil ser homem e negro. >
Enquanto na primeira infância os meninos correspondem a 52,9% das vítimas, na faixa etária entre 25 e 19 anos, eles são mais do que nove a cada 10 mortos. “As formas com que os homicídios acontecem têm determinantes racial e de gênero. Isso precisa ser considerado nas propostas de redução e combate da violência”, ressalta Helena Oliveira, do Unicef. A violência na Bahia furou a bolha nacional e foi destaque no jornal britânico The Guardian, em reportagem publicada nessa quarta-feira (14). >
Proteção>
Criado em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que a proteção das crianças é de responsabilidade compartilhada das famílias, sociedade e do Estado. Porém, a violência em excesso mostra que a lei ainda não foi colocada em prática 40 anos depois, segundo Misael França, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba). >
“Em um cenário de desigualdade social, privação de direitos e crescimento do crime organizado nas periferias das grandes cidades, vemos o aumento da violência com um endereço certo: os jovens, negros e de periferia”, afirma o professor. Em 2023, a taxa de mortes violentas de crianças e adolescentes, na Bahia, foi de 23,5 a cada 100 mil habitantes. O índice é mais do que o dobro da média nacional (9,1) e só perde para o Amapá (33,9). >
A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP) foi procurada, através da assessoria de imprensa, para comentar os dados revelados pelo Panorama da Violência Letal, mas não se manifestou até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto. Apenas neste ano, ao menos três outras pesquisas de abrangência nacional evidenciaram a violência do estado. >
A mais recente delas foi publicada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Sinesp), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), neste mês. O levantamento apontou que a Bahia registrou 2.087 homicídios intencionais no primeiro semestre deste ano - o maior número absoluto entre todos os estados. >
Em julho, o estado apareceu como o que mais teve mortes violentas pelo terceiro ano seguido, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Já o Atlas da Violência revelou que as cinco cidades mais violentas do país são baianas. As bases de dados das pesquisas incluem boletins de ocorrências e registros de mortes em unidades de saúde. >