Curso ensina baianas a transformarem resíduos do dendê em sabão

Reutilização de azeite que seria descartado é, ao mesmo tempo, uma alternativa sustentável e econômica

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  • Raquel Brito

Publicado em 8 de maio de 2024 às 22:22

Curso começou em abril e segue com turmas até junho
Curso começou em abril e segue com turmas até junho Crédito: Lucas Moura/SECOM

Jussara Santos Ferreira, 47, é baiana de acarajé desde que se entende por gente. Para ela, não havia nada nessa área que fosse novidade. Até agora. Nesta quarta-feira (8), ela descobriu a possibilidade de fazer sabão a partir dos resíduos do azeite de dendê usado em seus quitutes. Agora, pensa em adotar a prática como outra fonte de renda. “Por que não? É um dinheirinho a mais na nossa vida, porque as coisas estão bem difíceis. Também é um jeito de reaproveitar o que nós não íamos usar. Não tem onde jogar, então já é uma ajuda para nós”, diz.

A descoberta de Jussara veio a partir de uma iniciativa do programa Óleos e Gorduras Residuais (OGR), idealizado pela Secretaria de Sustentabilidade, Resiliência, Bem-Estar e Proteção Animal (Secis), em parceria com a Unifacs. O objetivo da ação é reaproveitar o azeite de dendê e evitar que os resíduos sejam descartados de forma indevida.

Assim como muitas outras baianas, Jussara cresceu com o costume de despejar na areia da praia os restos de azeite de dendê usado. Isso, porém, é um crime ambiental. Foi por esse comportamento que a Secis focou a primeira etapa de formação nas quituteiras que comercializam na orla da cidade.

“Hoje, elas têm consciência que isso é um crime ambiental cometido durante gerações. Conseguimos mudar essa realidade a partir desse curso. Dá para ver o brilho nos olhos das baianas quando elas conseguem pegar o azeite, que era jogado na areia, e transformar em um sabão, levando para casa ou até mesmo criando um sustento para a sua família”, diz Maristela Sousa, coordenadora de Educação Mineral da Diretoria de Resiliência da Secis.

As profissionais ficaram sabendo sobre a oficina à partir da Associação Nacional das Baianas de Acarajé (Abam), com quem a secretaria também fechou parceria para realizar o projeto. Até o dia 05 de junho, todas as quarta-feiras, haverá uma turma para participar do programa. No primeiro momento, a expectativa é que 120 baianas compareçam às aulas, que acontecem no campus Tancredo Neves da Unifacs. Para a unidade de ensino, a iniciativa funciona como capacitação para alunos de cursos como os da área de engenharia.

Tatiana Spíndola, coordenadora do Centro de Capacitação Profissional Unifacs (CCPU), conta que essa é uma oportunidade de trazer a comunidade externa para a academia e aperfeiçoar os conhecimentos dos estudantes. “A Secis queria alguém que pudesse fazer o sabão com azeite de dendê, e a gente já tinha esse projeto com óleo usado. Então casou as duas coisas, a nossa necessidade de colocar o aluno em contato com a comunidade e a necessidade da Secis de dar um encaminhamento para o azeite que seria jogado na areia da praia, por exemplo. Estamos na terceira turma”, comemora.

Além da confecção do produto, o curso também aborda a importância da baiana na cultura local, sustentabilidade, economia circular, técnicas de estratégia comercial e marketing e política de preços.

Bárbara Maria dos Santos, 47, conta que também costumava jogar o azeite velho na praia. “Hoje, eu vendo os baldes de azeite para um rapaz, que paga R$40 em cada. Não sei o que ele faz com isso, mas talvez seja justamente o sabão”, afirma a baiana, que também pretende passar a fazer o produto para vender.

Há também aquelas que já conheciam esse reaproveitamento. É o caso de Jaqueline Rodrigues, 45, que integra a quinta geração de baianas em sua família. A prática de transformar o azeite de dendê usado em outro produto, porém, começou com ela. Há três anos, Jaqueline usa os resíduos para fazer sabão. Ironicamente, não faz para vender, mas para limpar as manchas de dendê que ficam nas roupas após horas no tabuleiro. “Eu já participei outras vezes do curso, mas é sempre bom aprimorar o conhecimento, que nunca é demais. Eu não descarto nada, vou juntando e depois coloco tudo num balde grande”, diz.

O curso

A programação é dividida em duas partes, das 9h às 12h e das 13h às 16h. Pela manhã, o tema é “O acarajé da Bahia como negócio de impacto cultural, social e ambiental”, e são ministradas três aulas: O papel e a importância das baianas de acarajé na cultura da Bahia, ministrada pelo professor Ednilson da Silva Andrade, da Unifacs; Impacto ambiental e gestão de resíduos, por Maristela Sousa, da Secis; e Negócios sustentáveis e precificação, com Tatiana Spínola, também professora da Unifacs.

No turno da tarde, o foco é a parte prática do desenvolvimento de uma cadeia produtiva sustentável do azeite residual de dendê, com Tatiana, Ednilson, Luciano e a técnica ou técnico de laboratório.

As fases de ensino da segunda etapa são: insumos e o manuseio para fabricação do sabão a partir do óleo de dendê; pré-tratamento do óleo de dendê usado; passo-a-passo para produção do sabão a partir do azeite de dendê usado; como embalar o produto; e armazenamento, conservação e validade.

*Com orientação da subeditora Monique Lôbo.