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Gilberto Barbosa
Publicado em 10 de outubro de 2024 às 05:30
O Relatório das Audiências de Custódia de Salvador, divulgado nesta quarta (9) pela Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), aponta que 2.898 pessoas passaram por audiências de custódia em Salvador em 2023. Entre os custodiados, 2.771 foram pessoas autodeclaradas pretas ou pardas, o que corresponde a 96,9% do total. Os autodeclarados brancos representaram 3,1%, com 90 detidos.>
Quanto as decisões finais das audiências, o levantamento identificou que a liberdade provisória foi concedida a 57,60% daqueles que se declararam como pretos e/ou pardos e a 65,56% dos autodeclarados brancos. Já a prisão preventiva foi decretada para 36,23% dos negros e para 27,78% dos brancos, enquanto o relaxamento da prisão foi dado para 5,12% e 4,44% de negros e brancos, respectivamente.>
Para o pesquisador em Segurança Pública e Execução Penal e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Misael França, esse dado reflete o caráter seletivo do sistema criminal. "Que insiste em criminalizar a negritude periférica em prol dos privilégios das classes dominantes. Isso devido à racialização da sociedade brasileira, que se expressa na atuação policial contra essas minorias sociais. Como consequências, estão a estigmatização constante da negritude, sempre associada à periculosidade e, ainda, a desagregação de famílias negras, levadas a sérias dificuldades ante a prisão de jovens em idade produtiva", avalia. >
No recorte etário, cerca de 63,18% dos presos tinham menos de 29 anos, somando 1.831 casos. As pessoas entre 30 e 41 responderam a 737 sessões, seguidos pela faixa entre 42 e 53 anos, com 250 casos. Entre os detidos, 1.248 declararam ter renda mensal inexistente ou de até um salário-mínimo, com a representação reduzindo de maneira significativa nas faixas mais altas. >
O número de pessoas de baixa renda pode ser mais alto já que a DPE-BA não possui a informação do rendimento mensal de 1.571 pessoas. No que tange a escolaridade, 1.020 pessoas declararam ter o ensino fundamental incompleto e outros 338 não concluíram o ensino médio. >
“Esses dados dos jovens de baixa renda causam um desconforto por serem uma sinalização de que as políticas públicas nos municípios e no estado devem ter uma atenção direcionada para esse público. É importante possibilitar espaços de educação, visando uma redução a médio e longo prazo da população carcerária e dos índices de criminalidade”, analisa a Defensora-Pública Geral Firmiane Venâncio. >
“Verificamos uma manutenção do status e da realidade das pessoas presas na capital baiana que reflete essa desigualdade social e esse racismo estrutural e gera essa clientela preferencial que ingressa no sistema de justiça”, reforça Diana Furtado, diretora da Escola Superior da Defensoria Pública (Edesp).>
Gênero>
Quanto ao recorte de gênero, 157 mulheres passaram pelas audiências em 2023, o que representa 5,4% do total, sendo que 91,5% delas se autodeclararam pretas ou pardas (140 casos). Além disso, 80,25% das flagranteadas foram presas por crimes contra o patrimônio ou por violação à lei de drogas. >
“A gente nota que esses crimes são patrimoniais e relacionados a lei de drogas. Nós analisamos que essas mulheres são tensionadas pelos seus companheiros para ingressar na criminalidade, principalmente quando estão entrando no sistema prisional para visitas”, relata Diana.>
Misael França concorda. Ele acrescenta que, neste cenário, as mulheres que visitam os companheiros e familiares em presídios se tornam "moedas de troca". "Reproduzindo o patriarcado que está na base da sociedade. Apesar de muitas liderarem facções criminosas, ainda são instrumentalizadas por seus parentes presos, para a manutenção de vícios e poder no ambiente prisional", afirma. >
O relatório realizado pela Defensoria Pública baiana traçou o perfil das pessoas que passaram por audiência de custódia no último ano. A coordenadora da Defensoria Especializada Criminal e de Execução Penal Alexandra Soares conta que a pesquisa ajuda o órgão a traçar projetos voltados para a inclusão social. >
“Essa pesquisa nos permite dialogar com os executivos estadual e municipal para que possamos levar políticas públicas aos bairros como escolas inclusivas, integrais, acesso a saúde, com o objetivo de retirar o jovem do mundo de violência”, explica.>
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro>