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Yan Inácio
Publicado em 23 de outubro de 2025 às 05:30
“O Rio é o Brasil, São Paulo é o Mundo, e a Bahia é a Bahia", se você já subiu ou desceu os degraus da Escadaria do Passo, no Santo Antônio Além do Carmo, com certeza já leu a frase escrita em um dos muros brancos em frente à tradicional Igreja do Santíssimo Sacramento da Rua do Passo. Os escritos em azul e vermelho, cores da bandeira baiana, geraram um caloroso debate nas redes sociais nesta semana. >
Teve gente que achou a citação “cafona”, enquanto outros interpretaram a frase como uma espécie de “bairrismo” dos baianos. O bate-boca se concentrou, é claro, no X, o antigo Twitter, rede social chamada por muitos de “pequeno tribunal das minúsculas causas” pela forma como alavanca discussões acaloradas sobre assuntos que não costumam ser debatidos por quem não usa a plataforma.>
Frase está pintada em muro na Escadaria do Passo
“Que frase da desgraça é essa na parede? Vamos começar a parar também, cafonice sem nexo”, disse uma pessoa, em resposta a uma foto na qual os dizeres aparecem. “Preguiça demais desse bairrismo, meu Deus, que podre”, completou outro. Houve também quem quis atentar para uma certa falta de interpretação de alguns sobre o significado da frase.>
“Eu não fico nem impressionada com quem diz que bairrismo é cafona. Mas com a falta de estudo de geografia e história na escola para não entender o porquê, o contexto e a ironia de 'o Rio é o Brasil' e 'São Paulo é o mundo', sabe?”, lembrou uma internauta. A verdade é que ao mesmo tempo em que critica como alguns estados do sudeste “levam” o nome do país mundo afora, a frase também enaltece uma certa “peculiaridade” dos baianos.>
Quem explica é o próprio autor da expressão, o jornalista e poeta baiano James Martins. Ele prefere chamar a máxima de ideograma — como os símbolos do alfabeto japonês, que representam ideias ou significados. “É uma jogada poética com as imagens-símbolo dos lugares. O Rio, que simbolizou o Brasil, mesmo para os demais brasileiros, via rádio, TV, Estado Novo etc, a São Paulo internacionalizante, abrigo do mundo inteiro, inclusive nordestinos brasileiros, e a Bahia com sua particularidade”, desvenda. >
Ele também destaca que há uma “fricção” entre os lugares que propõe na frase, mas “sem hierarquia” definida entre eles. Para o autor, quem não enxerga a crítica na frase costuma ignorar que “nem ser Brasil, nem ser mundo, ou ser Bahia, é necessariamente bom. Há também muita miséria nas três instâncias”, explica. James coloca um ponto final na discussão com a última cartada: “Eu sou um poeta e não me convém ficar explicando muito a tuiteiros preguiçosos. Tenho mais o que fazer”, encerra.>
Há quem considere a citação uma forma de bairrismo. Em entrevista ao CORREIO em 2022, o próprio poeta opinou sobre como alguns baianos de certa maneira enxergam a si mesmos como não pertencentes a uma região específica. “A Bahia tem contornos tão específicos que não parece mesmo pertencer a nenhuma região, nem Nordeste, nem Sudeste, nem outra. (...) Nossas diferenças se aplicam tanto para cima como para baixo. (...) Como diria Gigica, ‘a Bahia é a Bahia’. E só. Um mini-Brasil até no mapa”, analisou.>
O fato é que a frase já foi usada como "mantra" da baianidade em outras ocasiões. Pintada no mural no início de 2024 pelo artista plástico Eder Muniz, já foi entoada por Caetano Veloso em diversos shows e virou até música na voz de Saulo Fernandes, em um EP lançado no começo deste ano. “Tem carioca no Calabar, tem paulistana na Suburbana”, diz a letra da canção, assinada por James e o cantor de axé. >
A foto do mural que motivou o debate na verdade foi um flagra — no bom sentido. É que o foco inicial era o influenciador Cleidson, conhecido como Baby. Com mais de 170 mil seguidores nas redes sociais, ele costuma ser visto em diversos rolês e eventos da boemia soteropolitana e não é incomum ver publicações citando sua “onipresença” nesses lugares. Morador do Carmo, ele costuma passar pela Escadaria do Passo, mas diz que nunca deu tanta atenção para a frase.>
“Não considero tão extraordinário, mas é a minha visão. Nunca imaginei que iria virar uma agonia no Twitter com textões, pessoas colocando como se fosse uma grande pauta e perdendo tempo com estresses que enxergo como desnecessário”, opina. Para o influenciador, a frase ajuda a interpretar a Bahia como uma localidade única. “Esse lugar mágico onde muitas pessoas desembarcam para curtir o verão e dizem que vem pegar essa energia gostosa”>
Sobre os dizerem serem uma forma bairrismo, Cleidson rebate opinando que o orgulho pela própria terra é forte em todo lugar. “Quem mora e vive a Bahia, sabe que é muito gostoso, consegue ver toda riqueza e cultura que tem aqui, então faz parte achar que a Bahia é a Bahia. Quem é de outras partes do Nordeste faz a mesma coisa”, comenta, bem humorado.>