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Wendel de Novais
Publicado em 7 de outubro de 2025 às 05:00
As farmácias, estabelecimentos essenciais para a saúde dos cidadãos, têm virado um alvo de assaltos constantes por medicamentos agonistas GLP-1, que são mais conhecidos como canetas emagrecedoras, em Salvador. O cenário se consolida diante da inserção de facções nos assaltos. Tanto é que, em 2025, um grupo virou alvo de operação por roubar 23 farmácias em bairros diferentes no primeiro semestre. >
O centro da operação foi o bairro do Nordeste de Amaralina, onde há forte inserção e influência do Comando Vermelho (CV). Para uma fonte policial, que pede anonimato, o crescimento recente de casos indica a atuação de um braço armado das facções, que ditam o que pode e não pode no mundo do crime, nos roubos contra farmácias em buscas das canetas. Isso porque o medicamento tem uma ‘alta rentabilidade’. >
“O tráfico é o seguinte: se ninguém incomodar ele, vive só da droga. Quando toma baque, quando perde, como perdeu agora 20 fuzis, vai para a pista roubar, entendeu? Como estão fazendo muita operação policial, eles estão tendo muita perda de material, de dinheiro, de droga e de arma. Aí [nas farmácias], com certeza é a facção. A facção quer ganhar o dinheiro dela, ela agiliza de qualquer jeito”, explica. >
Roubos de canetas injetáveis acendem alerta em Salvador
Diretor do Sindicato dos Farmacêuticos do Estado da Bahia (Sindifarma), Gibran Sousa afirma que, dia após dia, se verifica um aumento do número de assaltos às farmácias e drogarias. Para ele, esse aumento ocorre, sobretudo, devido as canetas, o que coloca todos os trabalhadores do setor e seus clientes em risco. Segundo ele, a situação faz com que as empresas fechem mais cedo e recorram ao setor privado por segurança. >
“Diversas redes e donos de farmácias, devido a essa insegurança, optam por fechar suas drogarias mais cedo. Outras optam por contratar seguranças tendo um custo adicional e ainda existem aquelas que deixam de comprar a mercadoria em uma quantidade um maior com receio do furto ou roubo do estoque. Isso as obriga a deixar o estoque mais enxuto”, explica Gibran, apontando um prejuízo logístico. >
Não é só a logística das farmácias que sofre na esteira da onda de assaltos: o financeiro segue o mesmo caminho. Quem mora em bairros com Graça e Pituba, que são uns dos mais afetados pelo problema, revela um temor até de ir às farmácias no período noturno, quando acontecem os assaltos. É isso o que relata a estudante Inara Souza, 24 anos, que é moradora da Graça e vive a poucos metros de três farmácias. >
“Mesmo morando muito perto, como eu falei, a depender do horário, eu não me sinto mais segura de ir à farmácia, porque eu sei que é um alvo fácil de assaltante, de gente que entra tanto a mão armada mesmo para roubar, fazer um roubo maior, quanto esses pequenos furtos”, conta a estudante, que até já presenciou uma ação criminosa em um dos estabelecimentos que ficam em frente à sua casa. >
Na Pituba, outro centro dessa ação criminosa, a situação é muito semelhante. Márcia Silva, 43, já foi assaltada em uma dessas ações e afirma que não se sente mais segura para comprar medicamentos. “Percebo, inclusive, uma conivência das farmácias com essa situação. A farmácia em que eu fui assaltada, por exemplo, se negou a ceder as imagens quando eu precisei por conta do crime”, lembra ela, que não vai mais a farmácias em ruas públicas por conta da situação. >
Crime que compensa >
A rentabilidade da ação criminosa se mostra até em uma escala federal da segurança na capital. A Receita Federal (RF) apreendeu, no ano de 2024, 67 unidades de canetas emagrecedoras no Aeroporto Internacional de Salvador. Em 2025, já foram 385 unidades. Além da existência de um mercado ilegal lucrativo para as canetas, o aumento se dá também pela proibição da venda de Mounjaro dentro do Brasil. >
“Em Salvador, essas mercadorias seriam vendidas no mercado paralelo, também em outros municípios do estado da Bahia, muito provavelmente. No caso das pessoas detentoras dessas mercadorias, elas foram encaminhadas para a Polícia Federal, que é a competente para apurar os crimes envolvidos”, explica Ricardo da Silva Machado, superintendente-adjunto da Receita Federal do Brasil na 5ª Região Fiscal. >
Além da ação no aeroporto, segundo o superintendente, a RF monitora o comércio desse tipo de mercadoria, feito em plataformas de vendas online dentro do Brasil. A Receita, vem acompanhando toda a circulação de mercadorias e intervém quando há suspeita irregularidade. Nesse caso, as mercadorias são retidas antes da entrega aos clientes. Uma rápida pesquisa na internet mostra o porquê do monitoramento, já que há diversos anúncios de venda das canetas emagrecedoras. >
Apesar do mercado paralelo, o principal meio de venda das canetas ainda são as farmácias, já que são elas que podem registrar o receituário no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC). Com os medicamentos na mira do crime, quem trabalha nas farmácias acaba ficando no meio da atuação criminosa e vê o risco de vida invadir o seu trabalho de maneira recorrente. >
Os farmacêuticos evitam falar sobre a situação, visto que as empresas não querem que os estabelecimentos sejam conhecidos pela insegurança e que a clientela seja afastada desses locais. Vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia da Bahia (CRF-BA), Angela Pontes alerta a mudança nos horários de funcionamento das farmácias aumentam ainda mais o problema, o que demanda mais da segurança. >
“Alguns anos atrás as farmácias funcionavam em horário comercial. Hoje, não. Hoje temos farmácias que funcionam de maneira ininterrupta e, por isso, ficam mais como alvo por estarem sempre abertas. A polícia precisa dar atenção a esses locais que ficam abertos a noite toda. [...] Precisamos de um trabalho mais intenso da polícia. Sei que estão trabalhando bastante, mas a bandidagem está muito grande”, avalia. >
Em três meses, o grupo que virou alvo de operação cometeu mais de 20 roubos de canetas emagrecedoras em farmácias de bairros como Pituba, Itapuã, Costa Azul, Armação e Horto Florestal, que resultaram num prejuízo de aproximadamente R$2 milhões, de acordo com a Polícia Civil. De maio a setembro, pelo menos outras sete ocorrências foram veiculadas nos jornais baianos. >