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Larissa Almeida
Publicado em 27 de novembro de 2025 às 05:00
O anoitecer na Rua Euclydes da Cunha, conhecida por ser o coração do bairro da Graça, passou a ser sinônimo de medo para funcionários e clientes das drogarias existentes na região. Desde que a onda de assaltos começou a afetar os estabelecimentos das áreas nobres de Salvador, tendo como alvo principal as canetas emagrecedoras, a dinâmica de compra e venda mudou. Segundo relatos, há farmácias que registraram o aumento de até 10% nas vendas do e-commerce, como uma resposta direta à diminuição da clientela nas unidades físicas. Já para reforçar a vigilância, há casos em que a equipe de funcionários tem se revezado para atuar como segurança. >
Ao circular pelo bairro, a reportagem visitou seis farmácias que estavam em operação na noite da última quarta-feira (26). Em uma delas, o gerente, que pediu para não ser identificado, contou que a região foi alvo de pelo menos dois assaltos nos últimos meses. Apesar de nenhuma ocorrência ter sido computada onde trabalha, ele diz que a própria rede adotou precauções. >
“Estamos deixando uma quantidade menor de canetas emagrecedoras em relação a lojas de shoppings, que têm uma segurança maior. Também passamos a colocar os meninos que trabalham aqui para atuar como fiscal. Eles ficam de olho no movimento e nós sempre acompanhamos os clientes até o caixa por conta desses casos que tem acontecido”, relata. >
Farmácia é roubada na Pituba
De acordo com ele, a sensação de insegurança só não é maior por conta das rondas policiais que existem no bairro. Durante o tempo em que esteve no bairro, o CORREIO observou uma viatura monitorando a rua. Apesar disso, o gerente admite que o clima da equipe mudou. >
“O time fica apreensivo, assim como os clientes. Por conta disso, muitos não vêm mais nas unidades físicas. O fluxo diminuiu, especialmente à noite, quando as demais lojas aqui fecham, e isso é relativamente novo. Não foi sempre assim. Como os medicamentos começaram a ser disponibilizados no e-commerce, incluindo as canetas emagrecedoras, muitos evitam de vir”, afirma. >
Diante da alta de assaltos, o gerente ainda confidenciou que a própria fabricante e a rede de farmácias em que trabalha passaram a incentivar a compra do produto online, inclusive, dando descontos de até R$ 100 na compra. “É uma estratégia tanto para inibir o crime quanto para dar essa oportunidade para o cliente. Desde que os assaltos começaram, os pedidos online dos medicamentos cresceram 10%”, estima. >
O estudante universitário Giovani Caxias, 26 anos, não se rendeu às compras online, mas passou a traçar estratégias para ir à farmácia. “Só vou a depender do horário. Na Graça, as farmácias são movimentadas até 19h30. Para mim, que sou homem, a sensação de insegurança e o medo são maiores depois desse horário, e imagino que seja pior para as mulheres, então evito ao máximo vir”, conta. >
Segundo ele, que circula em bairros próximos, o receio tem afetado toda a área nobre da capital baiana “Moro há oito anos na Graça e antes não existia esses assaltos em massa nas drogarias, mas esse ano aumentou muito de modo geral. Por conta de um assalto que soube que aconteceu, parei de ir a uma farmácia que ia no Jardim Apipema. Em vez de evitar, resolvi não ir mais”, frisa. >
Em outras farmácias, a insegurança tem afetado até a autonomia dos funcionários. Ao ser questionado sobre o aumento de roubos no bairro, o integrante de uma grande rede de fármacos informou que somente a gerente do local – que não estava presente – estava autorizada a falar com a reportagem, enquanto o restante dos funcionários estavam proibidos de comentar. >
O homem, que pediu para não ser identificado, se recusou a oferecer o contato da gerente ou de outro porta-voz. As recusas continuaram mesmo após outra unidade da farmácia confirmar casos de assalto no local. Os funcionários da Drogaria Globo Graça e da farmácia Multifarma confirmaram a existência dos assaltos, mas enfatizaram que os casos aconteceram em outras farmácias. >
Os casos de assaltos registrados em farmácias na Graça é apenas um recorte de um problema maior. Somente neste ano, de janeiro a setembro, a Polícia Civil contabilizou 209 ocorrências em drogarias de Salvador. Segundo o Sindicato dos Farmacêuticos no Estado da Bahia (Sindifarma), só em novembro já houve 22 ocorrências, sendo que seis foram registradas no último final de semana. >
Após o episódio ocorrido na Pituba, na última segunda-feira (24), quando dois suspeitos foram presos após invadirem duas farmácias em busca de canetas emagrecedoras, trocarem tiro com a polícia e fazerem funcionários reféns, a Polícia Civil deflagrou a Operação Apotheke, com objetivo de desarticular um grupo especializado em roubos a farmácias na capital e Região Metropolitana de Salvador (RMS), na terça-feira (25). >
Mais de dez pessoas foram identificadas como autoras dos crimes, que afetaram drogarias em Salvador e Lauro de Freitas. Além dos medicamentos, as equipes das polícias Civil e Militar também buscaram armas de fogo, drogas e outros materiais utilizados nas práticas criminosas. O CORREIO pediu um balanço final da operação, mas não obteve resposta. >
Para Gibran Sousa, diretor da Sindifarma, o crescente número de assaltos é causado, dentre outros motivos, pelo endurecimento de protocolos para a aquisição dos medicamentos, que recentemente passou a ser entregue apenas com retenção de receita por parte das farmácias. >
“Até pouco tempo atrás, a venda era livre, mas passou a ser controlada, o que complica a vida de quem quer esses medicamentos e acaba recorrendo à ilegalidade”, aponta. Ele também vê o alto custo dos medicamentos como principal fator de atração dos criminosos. “Se você pegar um outro medicamente, às vezes é preciso juntar grandes unidades para dar um bom valor. Quem rouba 20 canetas emagrecedoras, já consegue R$ 20 mil”, pontua. >
Em entrevista anterior ao CORREIO, uma fonte policial, que pediu anonimato, disse que o crescimento recente de casos indica a atuação de um braço armado das facções, que ditam o que pode e não pode no mundo do crime, nos roubos contra farmácias em buscas das canetas. Uma das justificativas para o interesse nos medicamentos seriam os baques que o crime organizado tem sofrido pela perda de munição, armamento e dinheiro nas operações de inteligência da polícia, que viriam a ser amenizados pelas vendas das canetas com alta rentabilidade. >
A rentabilidade da ação criminosa se mostra até em uma escala federal da segurança na capital. A Receita Federal (RF) apreendeu, no ano de 2024, 67 unidades de canetas emagrecedoras no Aeroporto Internacional de Salvador. Em 2025, já foram 385 unidades, conforme atualização de outubro. A reportagem buscou dados mais recentes com a PF, mas não obteve resposta. >
Como resultado da articulação de organizações criminosas, o setor de medicamentos sofreu um rombo de R$ 283 milhões com roubo de cargas de medicações em todo o país no ano passado, segundo relatório encomendado pela Associação Brasileira dos Distribuidores de Medicamentos Especializados, Excepcionais e Hospitalares (Abradimex). >
Apesar de não haver dados por estado, Paulo Maia, presidente executivo da Abradimex, confirmou ocorrências na Bahia, seguindo a tendência nacional. Ele também reiterou que as canetas emagrecedoras são os principais alvos dos roubos e que a receptação é um dos fatores cruciais desse problema – e um gerador de risco para quem recorre ao mercado ilegal. >
“Talvez seja uma questão de custo, dispensa de receita ou orientação médica, mas quem compra um remédio roubado corre risco. Esses medicamentos precisam ter um controle sanitário muito efetivo, como controle de temperatura. Se esse produto perde o controle sanitário, a garantia de que esse produto vai ser efetivo não existe. Uma pessoa, no leito do hospital, vai continuar doente e, talvez, tenha um agravamento do quadro pela falta de segurança do remédio”, alerta. >
Na Bahia, algumas transportadoras têm investido em tecnologias para reforçar a segurança. É o caso de uma transportadora em Simões Filho, que terá o nome preservado, que conta com carros-fortes, além de uma tecnologia que imobiliza o veículo quando o criminoso tenta efetuar o roubo com um “jammer”, conhecido popularmente como ‘chupa-cabra’. Após a detecção de jammer, o sistema impede que o caminhão seja levado.>
*Com colaboração do repórter Alan Pinheiro>