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Maysa Polcri
Publicado em 25 de setembro de 2025 às 19:05
Foliões que se fantasiarem de freiras ou Jesus durante o Carnaval de Salvador poderão ser multados a partir do ano que vem. É o que prevê um projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal nesta semana. De autoria do vereador Cezar Leite (PL), a proposta determina punição para aqueles que utilizarem a imagem de Cristo e emblemas cristãos de forma sensual, pejorativa ou desrespeitosa. O projeto ainda proíbe o "ataque à fé cristã". >
Na redes sociais, o vereador Cezar Leite comemorou a medida. “O primeiro projeto de lei contra a cristofobia no país foi aprovado aqui na Câmara de Vereadores de Salvador. Agora, vai se pagar multa, se botar roupa de Cristo, se colocar roupa de freira para ficar sambando no Carnaval, vai ter multa. E artistas também que fizerem isso não serão contratados em eventos promovidos pela prefeitura. Nós defendemos a fé cristã”, disse. >
As discussões sobre a cristofobia - preconceito contra cristãos - ganhou impulso a partir de 2018, com a intensificação da polarização política no país. A ideia de que o grupo religioso seria perseguido no Brasil reúne os cristãos com um objetivo em comum: fortalecer a fé e sua ideologia. É nesse cenário que surgem propostas como a que foi aprovada pela Câmara de Salvador, que não é a única. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, o PL 10/2025 propõe a criminalização de condutas que atentem contra o Cristianismo. >
Câmara aprova lei que multa pessoas fantasiadas de Jesus ou freiras no Carnaval
Para especialistas ouvidos pelo CORREIO, no entando, a cristofobia é mais uma narrativa utilizada para alavancar pautas políticas do que um preconceito contra o grupo religioso. É o que explica Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser). "É uma acusação de que cristãos sofrem perseguição pelo Estado ou por determinados grupos. Isso pode até ocorrer em outros lugares do mundo, mas aqui no Brasil, isso não existe. Os cristãos são uma religião majoritária, e nunca houve perseguição sistemática a cristãos", afirma a especialista. >
Apesar de admitir que possam ocorrer casos isolados, a pesquisadora do Iser ressalta que as condutas não representam um movimento organizado contra os cristãos. "A aprovação dessa lei da Câmara de Salvador faz parte de um contexto do uso desse discurso para captação de apoio por quem entende que há um eleitorado sujeito a esse tipo de abordagem. Não faz sentido que um projeto como esse seja colocado para combater algo que não existe", pontua Magali Cunha. >
Outro ponto citado pelos especialistas é que os cristãos são maioria no Brasil, apesar de haver redução do número de adeptos nos últimos anos. De acordo com dados divulgados neste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), católicos representam seis a cada 10 pessoas no estado. Os evangélicos representam 26,9%. >
O antropólogo Raphael Khalil, um dos três autores do livro 'Crentes: Pequeno manual sobre um grande fenômeno', lançado em fevereiro deste ano, tem estudado o aumento do número de evangélicos no Brasil. Esse grupo saltou 5,2 pontos percentuais entre 2010 - quando representavam 21,6% da população - e 2022. Para ele, embora exista preconceito contra cristãos, as consequências são diferentes daquelas quando os alvos dão religiões de matriz africana, por exemplo. >
"A diferença fundamental é que, quando falamos de preconceito contra religiões majoritárias como o cristianismo, ele se manifesta principalmente no plano simbólico, com estereótipos, ironias e piadas depreciativas. Já no caso das religiões minoritárias, o preconceito extrapola esse nível e se converte em violência física e material", Raphael Khalil. >
Ele cita exemplos de templos atacados e pessoas agredidas. "Não se trata de negar a existência de preconceito contra cristãos em certos espaços sociais, mas de reconhecer que suas consequências não colocam em risco a liberdade de culto nem a sobrevivência das igrejas", completa. >
O projeto de lei aprovado pela Câmara ainda precisa passar pelo aval do prefeito Bruno Reis (União Brasil). O PL tem como justificativa a promoção da igualdade. "A proposta legislativa visa, portanto, suprir essa lacunas, promovendo a igualdade e o tratamento entre as diversas tradições religiosas e reforçando o compromisso do Poder Público com o princípio da isonomia", diz o texto. >
A pesquisadora Magali Cunha, do Instituto de Estudos da Religião, lembra que já existem leis para proteger ataques aos símbolos religiosos. A Lei 2848/40 proíbe a prática de "escarnecer (zombar) alguém publicamente por motivo de crença ou função religiosa", além de considerar crime o impedimento e a perturbar cerimônia ou prática de culto religioso. >
"A lei proíbe a prática de vilipendiar símbolos, e as religiões estão incluídas, assim como a destruição de símbolos com motivos violentos. Mas quando se trata de fantasias, de questões de humor, isso remete a casos de censura", afirma.
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