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Bruno Wendel
Publicado em 25 de dezembro de 2025 às 05:00
Um esquema milionário de grilagem de terras vinha ocorrendo há pelo menos 12 anos em Feira de Santana, sob os olhos de quem deveria garantir proteção e transparência nas transações imobiliárias da cidade. A suspeita de corrupção nos cartórios do 1º e 2º Ofício de Imóveis, revelada durante a Operação Sinete, resultou na prisão de oito pessoas e levou a Corregedoria do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) a nomear interventores para assegurar a continuidade das atividades dos cartórios durante a investigação. >
Essa medida é frequentemente adotada quando há indícios de fraudes documentais ou outras irregularidades que possam comprometer a credibilidade do cartório e a segurança jurídica do sistema. Segundo o Departamento de Repressão e Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro (Draco), o grupo é acusado de ocupar ilegalmente propriedades, intimidar proprietários com violência e ameaça, falsificar documentos públicos e promover a venda irregular de bens com registros imobiliários fraudulentos.>
Operação Sinete: esquema milionário de grilagem de terras é investigado em Feira de Santana
Com a intervenção, as responsáveis pelos cartórios — Mauracy Barretto (1º Ofício) e Vera Lúcia Lopes (2º Ofício) — foram afastadas e respondem na justiça. “Foram indiciadas por crimes diversos no contexto da investigação, como falsificação de documentos, integração à organização criminosa, corrupção e possível lavagem de capitais”, afirmou a delegada do Draco, Arislene Almeida.>
A intervenção do TJBA ocorreu após a instauração de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) pelo corregedor-geral da Justiça, desembargador Roberto Maynard Frank. O CORREIO teve acesso a informações da decisão, que tramita em segredo de justiça. No parecer, o corregedor listou diversas irregularidades, incluindo: >
A reportagem solicitou posicionamento ao TJBA, mas não houve resposta até o momento.>
Vítimas do esquema >
A Operação Sinete foi realizada no dia 26 de novembro, resultando na prisão de oito pessoas, entre elas o empresário Oyama de Figueiredo, ex-vereador e ex-presidente da Câmara de Vereadores, que dá nome a um conjunto habitacional no bairro do Tomba. Segundo a polícia, ele é apontado como líder do esquema. >
Uma das vítimas é a família Boa Ventura, tradicional na cidade. Segundo o advogado da família, Paulo Kléber, embora a Polícia Civil tenha detectado a atuação do grupo desde 2013, a família vem denunciando as fraudes desde 2009, inclusive à Corregedoria do TJBA. “Já foram construídos mais de 50 imóveis nos terrenos invadidos nos bairros de Santa Mônica, Sim, Papagaio, Centro e Aeroporto. Em alguns casos, são condomínios com casas que valem R$ 15 milhões. O prejuízo para os Boa Ventura ultrapassa R$ 100 milhões”, afirmou Kléber. >
Atualmente, a família tenta impedir a ocupação da Chácara Paraíso, localizada atrás do Colégio Helyos. “Estão tentando invadir, já chegaram até a subir o muro. Essas pessoas também são vítimas, porque pagaram acreditando que estavam fazendo um negócio legal”, disse o advogado. >
De acordo com o Draco, pelo menos 10 vítimas já foram ouvidas. “Muitas delas são pessoas humildes e vulneráveis, que optaram por não denunciar por medo da violência sofrida. As vítimas tinham medo de se manifestar”, relatou a delegada Arislene Almeida. Policiais civis e militares também estariam envolvidos, além de corretores de imóveis que “faziam o levantamento dos terrenos para depois produzir documentos falsos. Trata-se de uma organização criminosa muito bem estruturada”.>
Operação e prisões >
Além de Oyama de Figueiredo, foram presos seus três filhos: Luanda Cajado Figueiredo, Lívia Cajado Figueiredo Cosmo e Pedro Henrique dos Reis Figueiredo. Também foram detidos Geraldo Bispo Ferreira, José Marlos Viana e Vanderlino Oliveira Evangelista. >
O Ministério Público da Bahia (MPBA) informou que acompanha as investigações desde o início. “Existem atualmente três ações penais em curso, ajuizadas pelo Gaeco. Os processos estão em fase inicial de instrução criminal e correm sob sigilo. Foram denunciadas 24 pessoas, sendo oito presas preventivamente”, disse a nota. >
As investigações tiveram início após representação ao MPBA que denunciava a existência de um esquema envolvendo empresários da construção civil, policiais, servidores cartorários e advogados. Segundo o Gaeco, a atuação do grupo era coordenada por três núcleos: cartorário, policial e empresarial/imobiliário. >
O grupo apresentava “elevado grau de sofisticação, estabilidade e capacidade de reiteração delitiva”, atuando desde a invasão violenta de imóveis até a legitimação documental das fraudes por servidores públicos e intermediários privados. >
Além das prisões preventivas, a Justiça determinou medidas cautelares para outros 11 investigados, incluindo: comparecimento periódico em juízo, proibição de acesso a cartórios extrajudiciais, restrição de saída da comarca, impedimento de contato com testemunhas, uso de tornozeleira eletrônica (para três investigados do núcleo cartorário e jurídico) e restrições profissionais, como suspensão do exercício de função pública e proibição de atuação no setor imobiliário ou advocacia.>
Procurado, um dos advogados de Oyama Figueredo e o dos filhos dele, Marco Aurélio informou que “a defesa se reserva ao direito de ficar em silêncio. Vamos aguardar o momento certo e, então, faremos uma coletiva”. A reportagem não localizou os advogados dos demais acusados, mas o espaço segue aberto. >