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Fernanda Santana
Publicado em 8 de novembro de 2025 às 12:00
Nove meses depois do desabamento do teto da Igreja e Convento de São Francisco, no Centro Histórico de Salvador, cinco áreas do complexo estão parcial ou totalmente interditadas — algumas, à beira do colapso. As estruturas do espaço, que tem mais de 3 mil m², são interligadas: o problema em um ponto se espalha pelos demais. Há pilastras escoradas há mais de 15 anos. >
Os vestígios de fevereiro ainda estão por toda parte da igreja e da portaria: pedaços de madeira do teto que caiu estão no chão e artigos religiosos centenários lacrados em sacos ou cobertos por lonas, à espera de um restauro. >
A parte central do forro da igreja caiu na tarde do dia 5 de fevereiro, quando 23 pessoas estavam no local. Seis pessoas ficaram feridas. A turista Giulia Panchoni Righetto, de 26 anos, morreu. Na última década, reportagens, diálogos entre guias de turismo e ofícios trocados entre a Ordem Terceira de São Francisco e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional já insinuavam o risco iminente no local — que, no entanto, permanecia aberto.>
Dois dias antes do desabamento, os frades comunicaram ao órgão de tombamento sobre a dilatação no forro do teto. O Iphan, em resposta, agendou uma vistoria técnica para a quinta-feira seguinte. Seria tarde demais. Um dia antes, o teto desmoronou.>
As obras emergenciais dentro da igreja foram realizadas e custeadas pelo Governo Federal. Agora, trabalhadores passaram para a reforma do telhado da igreja. As intervenções custaram mais de R$ 2 milhões. O problema, segundo o frei Lorrane Clementino, é que o convento e a igreja estão unidos estruturalmente e é necessário um restauro coletivo. Ou seja, antes disso, o complexo não poderá ser reaberto. “Não dá para dissociar os problemas. Uma coisa puxa outra.”>
Uma das preocupações, por exemplo, é uma biblioteca construída em 1731, acessada pelo convento, porém anexa à igreja. Nas escadas que dão acesso ao espaço, uma portinhola leva ao altar-mor do templo, construído no século 18. “Se a gente observar, lá tem uma parte do forro na iminência de desabamento”, diz o frei.>
O telhado é o principal ponto de tensão. Há vigas amarradas com braçadeiras para impedir o desabamento de corredores e celas, e as calhas do complexo acumulam água, que escorre por três andares até alcançar a estrutura de madeira. “O que fez com que desabasse foi justamente isso: água e madeira não combinam”, afirma o religioso.>
Igreja e Convento de São Francisco, no Centro Histórico de Salvador: 5 áreas do complexo estão parcial ou totalmente interditadas
A antiga clausura, onde os frades viviam, é um dos lugares que foi fechado. “Depois do acontecido, vieram todos os órgãos e saíram olhando tudo”, relata frei Lorrane. Os cinco franciscanos que vivem no convento, então, migraram para outra área do complexo, sem expectativa de data de retorno. A capela interna também foi interditada.>
Sem recursos >
O futuro do complexo, no entanto, esbarra em um problema. “Não temos recursos, os custos aqui são muito altos”, explica o frei. Só o restauro da cobertura do teto está orçado em R$ 3 milhões. Mas a restauração completa da Igreja de São Francisco — construída a partir de 1708 e conhecida como “Igreja de Ouro” pelo interior revestido em folha de ouro da região de Jacobina — deve custar de R$ 15 milhões a R$ 20 milhões, estima ele.>
O valor inclui o projeto técnico, estimado em R$ 1 milhão, sem o qual não é possível captar recursos públicos. As fontes de renda do complexo, antes do fechamento, incluíam a cobrança pela entrada (R$ 10), aluguéis de imóveis e eventos, como casamentos. Desde 2023, a renda apresentada por frei Lorrane foi de R$ 1 milhão.>
A Igreja Católica não poderia arcar com as despesas? “O que faz com que a Igreja... é que todos esses patrimônios, tudo que for assim religioso, é considerado como patrimônio da Santa Sé, do Vaticano. O Vaticano tem um valor absurdo, mas, por exemplo, a Igreja Católica não tem exatamente recursos para estar distribuindo. Pelo contrário, as arquidioceses e as dioceses é que enviam anualmente recursos para ajudar na manutenção do próprio Vaticano”, diz.>
Desabamento da Igreja São Francisco de Assis, no Pelourinho
Hoje, o frei se divide entre as obrigações religiosas e a tentativa de encontrar financiadores em órgãos públicos e empresas privadas para as obras necessárias. Até agora, não teve sucesso. Desde a queda do teto, em fevereiro, oito funcionários da igreja foram demitidos para reduzir os custos — dos 17, restaram nove.>
“De fato, nós somos proprietários, né? Mas nem tudo podemos como nós queremos. É um patrimônio tombado pela União. Então, há uma corresponsabilidade desse patrimônio. Nós somos os gestores, mas há uma corresponsabilidade”, diz frei Lorrane.>
O frei, desde fevereiro, evita entrar na igreja: “As memórias do ocorrido são muito fortes, e a gente fica pensando no futuro”. O Iphan foi acionado pela reportagem, mas, até o fechamento desta publicação, não respondeu aos questionamentos.>