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Yan Inácio
Publicado em 12 de maio de 2025 às 20:34
A morte de Victor Cerqueira, de 28 anos, gerou forte comoção entre os moradores da comunidade de Caraíva, em Porto Seguro, no sul da Bahia. De acordo com amigos e familiares, o jovem foi espancado e morto por policiais após uma operação para prender o traficante conhecido como “Alongado”.>
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirma que a ação resultou na morte do bandido e seu “segurança” e na prisão de um terceiro comparsa, mas não confirmou se algum dos suspeitos era Victor. >
Amigos e moradores organizaram um protesto nesta segunda-feira (12) em homenagem ao rapaz. Em um dos vídeos publicados por um perfil que protesta pela morte de Victor, uma moradora questiona a ação policial: "Leva, mata e vai ficar por isso mesmo?", disse a mulher.>
Trabalhador>
Conhecido como Vitinho de Luzia, Victor Cerqueira Santos Santana era amplamente lembrado pelos moradores da comunidade. Natural de Itabela, um município próximo a Caraíva, o jovem de 28 anos se mudou para o destino turístico em busca de oportunidades de emprego. Esse foi um ponto bastante destacado em depoimentos de pessoas que não quiseram se identificar.>
“Gostava muito de trabalhar, nunca negava um trabalho. E ele com certeza queria conquistar as coisas, mas sempre honestamente. Vitinho era um menino muito sonhador, que queria dar uma vida melhor para a mãe, ele com certeza queria mudar de vida, mas amava aquela vida”, disse uma moradora.>
"Vitinho vendia brigadeiros, trabalhava em bicos no verão, em eventos na região. Ele sempre estava trabalhando em restaurantes, pousadas e recebia os hóspedes. Isso que ele estava fazendo quando a polícia abordou ele. Ele realmente fazia tudo, até de criança ele cuidava", continuou.>
Outro vizinho disse que ele fazia bicos desde a coleta de lixo orgânico, a canoagem e até consertava ar-condicionado. “Coletava lixo com sorriso no rosto. Um cara que sempre acordava feliz. A única diferença de Vitinho era que ele não tinha tempo ruim. Era amigo de todo mundo. Vitinho estava sempre disposto a ajudar”, relembrou.>
No dia em que foi morto, Victor aguardava por hóspedes na pousada onde trabalhava temporariamente. Segundo depoimentos, ele chegou a responder a um pedido por informações do turista que deveria receber, mas não o reconheceu. “O homem perguntou onde ficava a Igreja para Victor sem reconhecê-lo, e Victor deu as informações e ficou esperando no local”, comentou uma mulher.>
Caso de racismo>
Em uma publicação no dia 28 de abril, Victor Cerqueira denunciou um caso de racismo de que foi vítima em Caraíva em suas redes sociais. No vídeo, ele explica que foi acusado pela dona de um estabelecimento de roubar uma escada. Ele chegou a abrir um boletim de ocorrência quando o caso aconteceu e planejava processar a mulher.>
“Como esse racismo é cometido diariamente, imagina o tanto que ele mata as pessoas, o quanto ele ajuda a propagar esse ódio. Ele foi acusado de roubo e em seguida sofreu outra violência da polícia”, falou uma moradora.>
Outro “Vitinho”>
Moradores também apontaram que outra pessoa com o apelido “Vitinho” tinha envolvimento com a facção da qual “Alongado” fazia parte, mas segundo relatos, o suspeito tinha a pele mais clara que Victor Cerqueira.>
“Existe outro Vitinho de pele mais clara, que realmente é um dos indivíduos dessa facção. No momento que estava acontecendo tudo, disseram que a polícia tinha matado este Vitinho que faz parte da facção”, explica uma moradora. >
“O que eu sei é que não tinha como haver um engano da parte da polícia. É óbvio que houve uma abordagem racista da polícia, porque estavam organizando a operação há muito tempo. Se tinha polícia há muito tempo investigando a facção, eles sabiam quem eles queriam pegar”, continuou.>
Bahia é o estado onde mais se matam pessoas negras no Brasil>
A Bahia é o lugar onde ocorre o maior número de homicídios de pessoas negras no Brasil. Dos 6.616 homicídios registrados no estado em 2023, 6.088 foram de negros, o que representa 90% do número total. Os dados são do Atlas da Violência, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nesta segunda-feira (12). >
“A Bahia é um exemplo do mais alto grau do massacre racial promovido por um conjunto de mecanismos chamado de guerras drogas, mas que não é uma guerra contra substâncias, sempre foi uma guerra contra pessoas e essa guerra contra pessoas tem a ver com a distribuição desigual de cidadania, de possibilidades de vida e que é baseado na desumanização”, diz Dudu Ribeiro, integrante da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia e cofudador e diretor-executivo da Iniciativa Negra. >
Em 2023, uma pessoa negra tinha 2,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio do que uma pessoa não negra – aumento de 15,6% em relação a 2013, segundo o Atlas da Violência. Ou seja, apesar dos avanços na diminuição geral dos homicídios, a desigualdade racial associada à violência letal não apenas persiste, como se intensifica.>