Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Carol Neves
Publicado em 17 de junho de 2025 às 11:05
A delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, pode enfrentar um novo desafio jurídico. O advogado Eduardo Kuntz, que representa Marcelo Costa Câmara, ex-assessor da Presidência, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) documentos que, segundo ele, comprovam que Cid manteve contato com investigados usando um perfil falso no Instagram. A medida, se confirmada, poderia invalidar o acordo de colaboração firmado por Cid com a Justiça.>
O perfil usado nas conversas seria o @gabrielar702, já citado por outros réus nos autos do inquérito. Kuntz afirma ter mantido contato com Cid por meio dessa conta e anexou à petição uma imagem em que o militar teria enviado uma foto de visualização única, junto à mensagem: "Confirmando que sou eu".>
A existência desse perfil já havia sido questionada durante o depoimento de Cid ao STF, no último dia 9, quando foi interrogado por advogados de Bolsonaro. Na ocasião, ele negou saber de quem era a conta, mas sugeriu que poderia pertencer à esposa: "Esse perfil... eu não sei se é da minha esposa, Gabriela é o nome da minha esposa".>
O perfil saiu do ar logo após o depoimento. A pedido do ministro Alexandre de Moraes, a Meta, controladora do Instagram, deve entregar ao STF todas as mensagens trocadas por esse usuário desde maio de 2023. Se confirmado que o perfil era de Cid, isso representaria uma violação ao acordo de delação, que proíbe o uso de redes sociais e o contato com outros investigados.>
Em manifestação ao STF, Kuntz afirma que conhece Cid e continuou a conversa por escrito por precaução. “Foi tomado o cuidado de prosseguir com a conversa por escrito, de forma a não perder nada do conteúdo e, eventualmente, me defender deixando claro que ele que foi quem me procurou, e não o contrário”, justificou.>
As conversas indicam que Cid teria reclamado de pressões durante seus depoimentos à Polícia Federal. Em uma das mensagens, escreveu: “Várias vezes eles queriam colocar palavras na minha boca. E eu pedia para trocar. Foram três dias seguidos. Um deles foi naquela grande depoimento sobre as joias. Acho que foram 5 anexos. Eles toda hora queriam jogar para o lado do golpe. E eu falava para trocar pq nao era aquilo que tinha dito”.>
Quando questionado oficialmente sobre esse conteúdo, Cid disse ao STF que se tratavam apenas de “desabafos”. As mensagens já haviam sido reveladas pela imprensa, mas até então o interlocutor não era conhecido publicamente.>
O advogado de Câmara pede a anulação da colaboração premiada com base nesse material. “Com a leitura das mais de 50 páginas de conversas \[anexadas] (...), já é possível verificar que o malfadado acordo de colaboração premiada firmado com o TC Cid não pode e nem deve prosperar e, assim sendo, toda a sua prova dele derivada também deve ser imediatamente desconsiderada”, sustenta Kuntz.>
O que acontece se delação for anulada?>
Mesmo se a delação for invalidada, o inquérito em curso não chega ao fim. Especialistas avaliam que demais provas e indícios coletados ao longo do caso sustentariam a investigação. Os elementos da delação, por sua vez, só seriam descartados se fossem considerados falsos ou obtidos de forma forçada.>
A eventual anulação da delação colocaria Cid em posição mais delicada. Graças ao acordo, ele responde por crimes que poderiam somar mais de 40 anos de prisão com a possibilidade de cumprir no máximo dois, por sua colaboração. Caso perca os benefícios, poderá enfrentar as penas integrais.>
O questionamento à credibilidade da colaboração faz parte de uma estratégia mais ampla das defesas dos aliados de Bolsonaro. Em manifestação recente ao STF, a defesa do general Braga Netto, também réu no inquérito, afirmou que “o acordo firmado por Mauro Cid possui grave vício de voluntariedade e, entre mentiras e coações, sua delação é absolutamente desprovida de credibilidade”.>