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Briga de mulheres: o fetiche masculino que invadiu as rodas de samba

A rivalidade feminina, por trás das tensões raciais, expõe mulheres ao ridículo e diverte homens também nesse cenário

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 19 de agosto de 2025 às 06:00

Roda de Samba
Roda de Samba Crédito: Reprodução

A gente tinha quase entendido que é pra andar lado a lado, mas parece que o negócio desandou mais uma vez. Tem acontecido muito e, nesta semana, aconteceu de novo: surge uma briga entre mulheres em roda de samba, alguém filma, todos comentam, compartilham e analisam à exaustão. Cada gesto é interpretado, cada olhar torto é comentado e as pessoas investigam os “motivos” de cada uma. Outra vez, caímos na armadilha. Isso não é acaso, nem se reduz a questões raciais ou territoriais. Existe roteiro, existe público. Conflitos entre mulheres são entretenimento, piada no salão, atração da casa, monetização de vídeo viralizado.

A versão contemporânea de catfight - ou “briga de gato” - não se limita a empurrões, puxões de cabelo ou “Banheira do Gugu”. É qualquer forma agressiva de disputa feminina por atenção, prestígio e visibilidade. Uma postura que volta ao protagonismo nesses tempos preocupantes. Sempre mediada pelo olhar masculino, claro, se torna algo a ser assistido. É a rivalidade entre mulheres tornando a ganhar espaço como performance aplaudida pelo público. São confrontos amplificados e, muitas vezes, consumidos como “parte do show”. Agora, até com interpretações “intelectuais” e torcida para cada envolvida, seja presencialmente ou na virtualidade.

(No vexame feminino compartilhado, há quem ache que alguém tem “razão”.)

(Eu morro de vergonha de cada gesto de todas as envolvidas nesses casos.)

(Em todas elas, há sempre algo desonroso e infantilizado.)

Essa lógica não surgiu agora. Nos anos 1950, Irving Klaw já fetichizava mulheres em conflito; nos anos 1960, filmes B repetiam a mesma fórmula; nos anos 1980, novelas americanas como Dallas e Dynasty transformaram o duelo entre mulheres em narrativa. Hoje, reality shows, publicidade e redes sociais também conhecem o potencial “viralizante” das brigas femininas. Enquanto isso, mulheres seguem mordendo iscas com os mais diversos sabores. Infelizmente, sempre funciona, em todas as etnias e níveis sociais. Esse é um dos nossos pontos mais fracos.

No samba, a história tem especificidades. Durante décadas, mulheres tiveram participação limitada. O gênero era domínio masculino, e muitas letras exaltavam a malandragem dos homens e a violência contra a mulher. Apesar de todos os avanços - e da presença feminina cada vez mais consistente - ainda permanecemos coadjuvantes. Conforme sabemos, mulheres que cantam, tocam e compõem ainda são minoria. Para muitas que gostariam de protagonizar, resta apenas lutar por visibilidade fazendo a “melhor” coreografia, exibindo a “melhor” aparência, batendo o cabelo, competindo com a coleguinha para ser notada.

A nova versão de Vale Tudo trouxe um bom exemplo disso, lembra? Numa roda de samba carioca, Heleninha e Raquel disputaram a atenção de Ivan, que permaneceu tranquilíssimo, rei do pedaço. Pátio de escola, festa ou vídeo na internet: o cenário muda, mas a estrutura é a mesma. Seja explicitamente por macho ou, mais sutilmente, por quem “samba melhor” ou “é mais bonita”, a rivalidade feminina nos diminui e degrada com profundidade.

A camada racial me parece apenas mais um elemento nesse contexto. Cada vez mais comuns, confrontos entre mulheres brancas e negras são narrados como resultados de invasão ou disputa de espaço. Mas então, por que homens, no mesmo ambiente, escapam da “disputa de território”? Por que não se empurram enquanto sambam ou tocam seus instrumentos? Ou, se isso acontece, por que esses conflitos não são comentados nem ocupam as redes sociais? Nesses casos, parece que gênero determina quem disputa e é observado, ainda que raça seja o conteúdo trazido para primeiro plano. O resultado a gente já sabe: relações femininas tensionadas e poder masculino preservado.

Dividir para conquistar. Qual é mesmo a novidade? Nenhuma, claro. Resta, mais uma vez, lamentar e concluir que cada mulher precisa gostar de si um pouco mais.

(Obrigada, mais uma vez, a Mainha que me ensinou a que tipo de papel jamais me prestar.)

Siga no Instagram: @flaviaazevedoalmeida