Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Alan Pinheiro
Publicado em 5 de novembro de 2025 às 07:45
Brasil, 1977. O clima era de ansiedade e de atenção. Qualquer um poderia ser o inimigo. O medo pairava sobre a liberdade de expressão, principalmente pelas respostas ao direito de se expressar. Censura, perseguição e mortes. Era essa a resposta do Governo Militar e é esse o tema de O Agente Secreto, filme estrelado pelo baiano Wagner Moura. Representante brasileiro na corrida para a indicação de Melhor Filme Internacional no Oscar 2026, o longa estreia nesta quinta-feira (6). >
A trama acompanha Marcelo (Wagner Moura), um professor universitário que volta ao Recife para reencontrar o filho enquanto é perseguido por inimigos com profunda relação com o sistema corrupto do Brasil durante o período de repressão militar. Ao mesmo tempo em que se mantém refugiado, o personagem inicia uma caçada para conseguir um documento de sua falecida mãe antes de partir rumo a outro destino.>
O Agente Secreto estreia nesta quinta-feira (6)
A memória é um tema que se conecta a todas as pessoas. O novo filme escrito e dirigido por Kleber Mendonça Filho usa o cinema como arte da lembrança para relembrar a importância de não se esquecer do passado. Em Bacurau (2019), Som ao Redor (2013) e, principalmente, Retratos Fantasmas (2024), essa temática já havia sido trabalhada pelo diretor pernambucano, que agora explora a ditadura sob o ângulo de um refugiado. >
O título do filme engana da mesma forma que os rumos da história. Apesar de não ser nenhum agente do governo ou de uma organização secreta, o seu protagonista é tratado como tal. A direção constrói momentos de tensão comuns a filmes de espionagem. Mergulhando profundamente nas referências do gênero noir, o clima de thriller político toma conta desde o início, gerando a sensação de que algo não está certo naquele Recife de 1977.>
Além dos momentos no passado, O Agente Secreto intercala a narrativa com passagens nos dias atuais. Quando essa escolha é feita, o ritmo sofre. Ritmo este que demora a engrenar, o que alonga as quase três horas da produção.>
Há, no entanto, um desbalanceamento nos personagens. Enquanto uns recebem a atenção necessária para serem aprofundados, por menor que seja sua participação, outros se tornam apenas caricaturas, ou arquétipos vilanescos. Deles, nomes não são necessários, já que são estereótipos ambulantes de suas funções. O assassino é o assassino e o mafioso é o mafioso.>
Em contrapartida, Wagner Moura toma o filme para si e faz jus ao rótulo de protagonista. Precisando interpretar mais de um personagem (ou persona) ao longo do filme, o baiano mostra que tem sim “o molho”. Dentro da complexidade exigida por Marcelo, o ator entra na pele de um homem que precisa vestir máscaras para transitar entre locais e pessoas. Aliada ao baiano, outra que rouba a cena é a atriz Tânia Maria, principalmente nos momentos de comédia. >
A construção dos espaços, de longe, é a maior valência de O Agente Secreto. A cidade do Recife nos anos 1970 tem personalidade. A reconstituição da capital pernambucana para o filme permite que o discurso seja potencializado pelo espaço, tanto em cenas de perseguição quanto somente na composição do cenário. Kleber Mendonça também revisita lendas urbanas da cidade para criar alegorias e gerar debate a partir de um recorte espacial.>
O discurso, potencializado pela divisiva sequência final, se concentra em valorizar a memória, permitindo que a cidade, a cultura e a história se mantenham vivos. Assim como em outros longas de sua filmografia, o diretor novamente joga problemas crônicos do Brasil aos holofotes. >
Apesar de explorar temas importantes, os assuntos promovidos pelo filme se aglomeram e vão se perdendo em meio à narrativa. Em O Agente Secreto, há muito a se dizer e se discutir, mas a execução não acompanha o tamanho do debate criado pelo longa de Kleber Mendonça. >
O roteiro falha ao abrir diferentes caminhos e não conseguir construir conexões temáticas entre tais assuntos, criando uma desunião dentro do próprio filme. Essa quebra gera momentos que se deslocam da narrativa principal para abordar outros tópicos que são esquecidos mais à frente. No final, as exposições sem desenvolvimento provocam um enfraquecimento do discurso e da obra como um todo.>