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Maria Raquel Brito
Publicado em 10 de novembro de 2025 às 06:00
Teago Oliveira quer fazer arte sem a pressão de transformá-la em conteúdo. Foi esse anseio que guiou seu segundo álbum solo, “Canções do Velho Mundo”, lançado no último dia 10. “É um disco feito como antigamente com a tecnologia de hoje, e uma tentativa de existir sem precisar se preocupar com os anseios desse mundo de agora”, define o cantor. >
O disco dá continuidade à trajetória que começou com “Boa Sorte”, seu primeiro trabalho solo, de 2019 – elogiado pela crítica e pelo público. Agora, Teago volta mais maduro. No lugar do tom confessional da estreia, faz mais reflexões.>
Teago Oliveira retorna com 'Canções do Velho Mundo'
“Eu consegui tirar mais proveito das experimentações, ao mesmo tempo em que o cerne da obra é a composição pop. Exige alguma experiência e, obviamente, seis anos depois estou mais experiente. E por sorte a inspiração só aumentou, não me abandonou”, conta.>
À frente da Maglore, grupo com 15 anos de estrada e cinco discos de estúdio lançados, Teago consolidou-se como uma voz marcante da música brasileira contemporânea. Como compositor, teve canções gravadas por nomes como Gal Costa, Erasmo Carlos, Pitty, entre outros, prova de um repertório que atravessa gerações e linguagens.>
Gravado de forma independente, “Canções do Velho Mundo” mantém o DNA poético do artista, mas expande seu território sonoro: arranjos que se movem entre a MPB, o folk, o indie e o soft rock setentista; texturas analógicas e um cuidado artesanal com cada timbre. Ao longo de 12 músicas, ele canta em inglês e espanhol, fala de amor e faz uma ode a Salvador, sua cidade natal. >
Ao CORREIO, o artista falou sobre as diferenças entre seus dois trabalhos solo, a preparação para o álbum recém-lançado e como foi colaborar com artistas que tanto admira – em português e outros idiomas. Confira:>
1. Como surgiu “Canções do Velho Mundo”? E qual é esse velho mundo?>
“Canções do Velho Mundo” acabou virando título porque é uma frase que se repete em algumas canções dele. Só depois de perceber que o verso estava em mais de uma música, decidi colocá-lo como título. Eu acho que esse “velho mundo” não é um lugar geográfico, nem físico. É um estado de espírito, da gente lembrar que dá pra seguir nesse mundo moderno com hábitos que estamos perdendo aos poucos e que estavam ali até poucos anos atrás. Dá pra voltarmos a fazer arte e consumi-la sem precisar transformar tudo em conteúdo, em performance de algoritmo. Em tendência de mercado. É um disco feito como antigamente com a tecnologia de hoje e uma tentativa de existir sem precisar se preocupar com os anseios desse mundo de agora, que acho mais efêmero do que antes na superfície e tão rico quanto antigamente quando se submerge.>
2. O álbum chega seis anos depois de seu primeiro disco solo, “Boa Sorte”. Quais as principais diferenças que você sentiu entre os dois, tanto no processo de preparação como nos ritmos e temas que queria explorar? >
O “Boa Sorte” era uma espécie de diário íntimo, quase um recomeço depois de muita coisa. Já o “Canções do Velho Mundo” é mais amplo, fala de mais sensações. É menos confissão e mais reflexão. Eu acho que ele representa uma continuação evolutiva que eu busquei esses anos todos, tanto na escrita quanto na forma de produzir. É o disco em que eu encontrei mais o meu som e também minha voz como produtor, não só como compositor e intérprete. Eu consegui tirar mais proveito das experimentações, ao mesmo tempo em que o cerne da obra é a composição pop. Exige alguma experiência e, obviamente, seis anos depois estou mais experiente. E por sorte a inspiração só aumentou, não me abandonou.>
3. Como foi a preparação para “Canções do Velho Mundo”? Quais foram seus critérios para a escolha dos singles, por exemplo?>
Eu acabei construindo um estúdio em casa ao longo desses últimos anos, e sou muito apegado ao som das coisas, dos apetrechos que me chamam atenção, guitarras, preamps, microfones… Então fui escolhendo equipamentos que eu sempre gostei e montando esse quebra-cabeça estético enquanto escrevia as canções. Eu quis usar os “singles” de uma forma diferente nesse disco. Quis mostrar músicas diferentes entre si – e “Não Se Demore” e “Vida De Bicho” são antagônicas em seus temas e ao mesmo tempo estão juntas na segunda metade do disco, o que, penso eu, ajuda na audição inteira, uma vez que você tem muitas canções pra conhecer antes dos singles lançados. Mas na verdade nada é tão meticulosamente pensado assim. A gente vai mesmo no feeling. Eu nunca acerto o single. “Sou de Salvador”, por exemplo, é a música que mais está performando organicamente nos streamings.>
4. Você deu uma palinha de “Sou de Salvador” no Instagram no início do ano passado. Há no álbum músicas que já estavam escritas há muito tempo, mas não se encaixavam em outros projetos antes deste? >
Somente “Sou de Salvador” tinha letra antes do disco ser gravado. Eu tinha muita segurança nela como uma “boa música” que fiz, mas não tinha certeza se era pra mim, pra Maglore, ou pra outro intérprete. Acontece que durante a gravação do meu disco eu convidei Thiaguinho Silva, filho do lendário baterista Robertinho Silva, [que já trabalhou com artistas como] Milton Nascimento, pra tocar algumas músicas, e mostrei pra ele a ideia da levada de “Sou de Salvador” pra ver se cabia no disco. Em dez segundos dele tocando, a música já soava incrível pra mim. Acabamos gravando duas baterias, uma na esquerda e outra na direita, uma forma de aproveitar Thiaguinho ao máximo nessa canção. Excelente baterista.>
5. Por falar nessa faixa, aqui você faz referências à sua cidade natal, falando das “ladeiras da Federação”, por exemplo, além do próprio título. Como foi a construção da música?>
A letra é muito simples, eu enxergo uma pitada de bom humor daquele disco “Mil e Uma Noites de Bagdá” de Jorge Mautner. É sobre uma relação de romance entre duas pessoas, e imaginei isso sendo em Salvador, daí pensei nessa coisa meio despojada do baiano, de falar “se você quiser eu quero”, mas ao mesmo tempo “se me enrolar eu me saio”, o resto é construção imagética. Eu já morei por um curto período na Federação quando era bem jovem, resolvi colocar isso na música. Uma curiosidade sobre ela é que o título veio antes da música e até mesmo da letra. Tem uma música do Cascadura, no álbum Aleluia (2012), que se chama “Simples Como A Vida”, em que Fábio canta “pode crer, eu sou de Salvador”. Aquilo sempre me marcou e eu sempre quis fazer uma música com esse título, “Sou de Salvador”. Então resolvi homenageá-lo no verso onde digo “É isso mesmo, já dizia o mestre, eu sou de Salvador”. O mestre, no caso, é Fábio Cascadura.>
6. No álbum, você canta em três idiomas diferentes, incluindo uma parceria em inglês com Eric Slick, baterista da banda Dr. Dog. Por que foi importante para você fazer esse diálogo com outras línguas? Foi algo natural? >
Eu cantei em outros idiomas nesse disco porque realmente compus versos em outras línguas, pois foneticamente soava mais interessante do que em português. Em “Spaceships” eu comecei fazendo a letra em inglês, no meio do caminho tentei colocar versos em português e não gostei. Resolvi chamar Eric depois de conhecê-lo na internet. Falei que era um grande fã do trabalho dele e do Dr. Dog, uma das minhas bandas preferidas. Ele então sugeriu que fizéssemos algo junto e eu mostrei essa música. Acabou gravando as vozes lá da Filadélfia. Já a música “Vida de Casal” eu comecei escrevendo em português e na segunda metade eu não gostava do som das palavras e resolvi improvisar um espanhol, idioma que não domino nem um pouco, mas depois de consultar alguns amigos vi que estava tudo nos conformes e resolvi chamar Silvia Machete, que acho uma das artistas mais espontâneas no Brasil hoje, porque achei muito esquizofrênico cantar sozinho em tons tão diferentes uma música que é pra ser um diálogo entre duas pessoas. Nos divertimos muito nessa gravação. Ela também disse que não domina muito o espanhol. Rimos bastante, mas adorei o resultado.>
7. E qual foi a sensação de colaborar com um integrante de uma das suas bandas preferidas?>
Eric é um instrumentista fantástico e agora que o Dr. Dog faz poucos shows, ele resolveu investir na carreira solo. Ele toca com artistas que admiro muito da cena independente americana, e até já gravou bateria numa das músicas da Taylor Swift. Eu fiquei feliz por motivos muito óbvios, um cara de uma banda que é uma referência pra você, do outro lado do Atlântico, ouve seu som e diz que quer fazer algo junto. É uma espécie não só de realização, mas de validação que vem espontaneamente.>
8. No fim do ano passado você se apresentou em Salvador com a Maglore e com um show solo, em um tipo de encerramento da era de Boa Sorte e prefácio para o novo lançamento. Tem planos de trazer uma apresentação de “Canções do Velho Mundo” para a capital baiana?>
Eu pretendo fazer uma turnê desse disco, mas sinceramente não sei até onde será possível. O disco foi feito de forma 100% independente, sem nenhum recurso externo, seja público ou privado. Em outras palavras, me drenou mais que energia e recursos psicológicos [risos]. Existem cidades interessadas no show, e eu gosto de fazer tudo bem pensado e numa velocidade que talvez não seja a mais adequada pros tempos de hoje. Eu não pretendo forçar nada, até porque a Maglore já faz bastante show, mas trazer esse show pra Salvador é uma questão de honra pra mim. Vou fazer o que estiver ao meu alcance!>