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Bruno Wendel
Publicado em 11 de agosto de 2025 às 05:00
Profissionais treinados e com acesso exclusivo a armamentos, aumentando significativamente a capacidade operacional e de intimidação da organização criminosa. Assim, o Ministério Público da Bahia (MPBA) define um dos núcleos do Comando Vermelho composto somente por policiais militares com atuação em Feira de Santana, segunda maior cidade baiana. Na investigação de um esquema de tráfico de armas, pelo menos quatro PMs estão entre os 32 denunciados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco). >
Os policiais foram alvos da Operação Skywalker, que, na segunda fase, prendeu a advogada da organização, Andressa Cunha Rocha, apontada como uma das lideranças do esquema. A reportagem teve acesso com exclusividade à denúncia do MPBA feita em 28 de junho deste ano. “A adesão desses servidores públicos às atividades criminosas representa grave violação dos deveres institucionais e configura desvio de função com potencial lesivo ampliado, dada sua expertise técnica e acesso privilegiado a informações e armamentos”, diz trecho do documento, que revela a operação em territórios de Feira de Santana, como o bairro Queimadinha, inclusive com a instalação de câmeras de segurança para vigiar a área. >
A investigação contra o grupo criminoso – que é suspeito de homicídios, ameaças e intimidação de moradores – iniciou com evidências de que o policial militar da reserva Nilton Silva Brito, apontado como líder do núcleo, comercializava armas de uso restrito para membros do CV. Ele foi um dos presos na primeira fase da Operação Skywalker no mês de abril. Segundo o MPBA, ele utilizava uma conta bancária do dono de uma distribuidora de Feira de Santana para ocultar e lavar dinheiro. O maior beneficiado era a liderança da facção Heverson Almeida Torres, o 'MG' ou ‘Mil Grau’, preso no dia 27 de fevereiro do ano passado, em casa de luxo no Rio Grande do Norte. Ele cumpre pena no Presídio Federal de Brasília. >
Durante a investigação, a polícia utilizou interceptações de contatos telefônicos, análise de dados financeiros, além de contar com a colaboração de informantes. Em conversas interceptadas, os integrantes da quadrilha discutiam, por exemplo, o uso de fuzis para a escolta de cargas ilícitas. “Ao colaborarem com a organização, comprometem a efetividade da repressão penal, desestruturam as ações de fiscalização e minam a confiança social das forças de segurança”, diz a denúncia. >
A análise do extrato de mensagens SMS de uma linha interceptada revelou a realização de transferências via PIX de Nilton em favor de “REINAN SANT”, “que, ao que tudo indica, corresponde a Reinan Santos Lima Figueredo, totalizando o montante de R$ 5.390,00, distribuído em três transações realizadas entre os dias 31 de janeiro e 6 de fevereiro de 2025”. Figueredo é policial militar e também foi preso. >
Na apuração do Gaeco, Nilton transferiu aproximadamente R$ 46 mil a Reinan, “investigado por comércio ilegal de armas, por meio de 15 transações distintas”. “Tais repasses, somados às comunicações interceptadas, apontam Reinan como parceiro direto de Nilton na estrutura criminosa”, diz trecho.>
CV: facção tem núcleo de policiais em Feira de Santana
Movimentações financeiras >
O terceiro policial do núcleo é o também PM Adonias Moreira de Assis. Para o Gaeco, não resta dúvida quanto ao envolvimento dele no comércio ilegal de armas de fogo e munições. O vínculo entre ele e Reinan é comprovado por movimentações financeiras identificadas no “Relatório de Análise Financeira RAF 0012/2024/DRACO/PC/BA, que apontam o repasse de R$ 20.300,00 em três transações bancárias realizadas por Reinan a Adonias, sem que tenha sido apresentada justificativa lícita para tais valores, os quais, no contexto da investigação, revelam forte indício de retribuição por participação nas atividades ilícitas do grupo criminoso”.>
No dia da operação, foi cumprido mandado de busca e apreensão na residência do policial, onde foram localizadas diversas armas de fogo e abundância de munições de diversos calibres, além de acessórios bélicos. Entre o material apreendido constam duas garruchas calibre .22, um revólver, uma espingarda calibre 12 (posteriormente reconhecida como raspada), uma carabina, além de munições de calibres .44, .30, .40, 9mm, .556, .380, .38 e .12, totalizando dezenas de unidades. >
“Também foram encontrados três cases de pistola, duas facas, um carregador de pistola, uma granada Condor e uma granada de luz e som, além de estojos e projéteis. A diversidade e o volume do material bélico, somados à falta de registro de parte das armas, indicam que o investigado mantinha um arsenal destinado à comercialização clandestina, e não para simples posse pessoal, o que agrava sobremaneira sua situação jurídica”, diz trecho da denúncia, que ainda menciona a decretação da prisão preventiva do acusado. >
Dolo >
O último integrante do núcleo denunciado pelos promotores é o PM Iran Araújo Barboza. Segundo a denúncia, as provas demonstram que Barboza atuava como financiador recorrente de Reinan, com conhecimento de que os valores por ele repassados seriam utilizados na aquisição e revenda clandestina de armas de fogo, “o que configura participação material e dolosa na organização criminosa e concurso no crime de comércio ilegal de arma de fogo”. >
“Sua atuação não era eventual ou por desconhecimento: ele sabia da prática ilegal e ainda assim decidia financiar, mediante lucro próprio, uma atividade criminosa extremamente grave, especialmente quando ligada à atuação de policiais militares”, diz documento. O policial teve a prisão decretada. >