Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Bruno Wendel
Publicado em 4 de agosto de 2025 às 05:00
Uma união que, se consolidada, deverá agitar a dinâmica do tráfico na Bahia. No ano em que Salvador foi anunciada como a cidade mais violenta do país, ultrapassando o Rio de Janeiro, segundo o Anuário de Segurança Pública de 2025, a facção Katiara está prestes a se juntar com a segunda maior organização criminosa do país, o Comando Vermelho (CV), que já atua no estado desde 2020. A articulação é citada pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) em junho deste ano, em decisão que manteve no regime fechado ‘Roceirinho’, o líder e fundador na organização.>
“Conforme indicação do serviço de inteligência da Polícia Judiciária, o réu Adilson Souza Lima é o responsável não só por todas essas ações, mas também pela articulação entre a Katiara e o Comando Vermelho, organização criminosa fluminense, de onde recebe partidas de drogas e armamentos, além de apoio operacional e logístico”, justifica a Vara dos Efeitos Relativos a Delitos de Organização Criminosa de Salvador, apontando o traficante como responsável por episódios recentes ainda dentro do Presídio Salvador, quando faria progressão para o regime semiaberto. A progressão dele seria uma ameaça às forças de segurança.>
Ao que tudo indica, essa fusão deve acontecer mais cedo ou mais tarde e a Katiara deverá deixar de existir. A facção, que surgiu no Recôncavo do estado, já mantém uma relação próxima com o CV, inclusive recebendo apoio ou apoiando a organização carioca contra o Bonde do Maluco (BDM).>
De acordo com o TJBA, consta no relatório técnico do Departamento de Inteligência Policial, que no último dia 02 de julho, cerca de 20 homens armados, “pertencentes à Katiara (que hodiernamente tem atuado sob a bandeira do Comando Vermelho)” invadiram a localidade de São Roque do Paraguaçu, em Maragogipe, inclusive, com fuzis e metralhadoras, numa tentativa de expulsar a organização criminosa“ BDM (Bonde do Maluco) daquele local, resultando num intenso tiroteio que perdurou por 03 horas, entre 2 e 5 da madrugada. O representado fora o responsável por ordenar o ataque”. O trecho destaca o início de um “fechamento” (parceria) entre o grupo de Roceirinho e o CV contra a organização rival. >
Em março do ano passado, o CV teve um novo foco de ataque na Bahia: a Ilha de Itaparica, que compreende os municípios de Itaparica e Vera Cruz. O grupo, que já tinha presença no local, tentou consolidar o domínio do tráfico na região que era fatiada pelo BDM. Naquele momento, vídeos nas redes sociais mostravam um bonde - um conjunto de homens armados - do CV aportando na ilha de Jiribatuba, com a ajuda da Katiara. >
Para a professora de Direito Penal e Processual e de Movimentos Sociais da Universidade Estado da Bahia (Uneb), Márcia Margarida Martins, a situação “poderá vir a se tornar muito mais angustiante do que já tem sido”. “Considerando que trata-se de uma das maiores organizações criminosas presentes no território baiano, a fusão desta com oura facção do mesmo porte, de nível nacional, irá fortificá-la, aumentando seu poder de mando territorial e logístico. Para a segurança pública, esta fusão irá trazer mais preocupação e mais trabalho, pois estamos falando da fortificação no Estado da maior facção do país”, declara a especialista em segurança pública.>
Não à toa, Salvador superou o Rio de Janeiro e é a capital mais violenta do país, levando em consideração a taxa por mortes violentas. Conforme o Anuário, durante o ano de 2024, período analisado pelo estudo divulgado no último dia 24, a capital baiana registrou uma taxa de 52 óbitos violentos por cada 100 mil habitantes. O número representa mais que o dobro dos registros da cidade carioca que, por sua vez, tem taxa de 20,4. No quantitativo bruto, a capital fluminense, que tem mais de 6,2 milhões de habitantes, teve 1.375 mortes violentas. >
Já Salvador, que tem 2,2 milhões de habitantes, registrou 1.335 mortes violentas no mesmo ano. Ou seja, mesmo com o número de habitantes muito inferior, a capital baiana teve apenas 40 mortes violentas a menos. Além de Salvador, capitais do Norte e Nordeste fecham o top 5: Macapá (44,3), Recife (39,1), Maceió (38,6) e Porto Velho (36,5). >
Fusão Katiara-Comando Vermelho
Fusões >
A fusão, se concretizada, não será a primeira no estado. Em 2020, para se fortalecer em solo baiano, o CV absorveu a extinta Comando da Paz (CP). Na ocasião, os traficantes Joseval Bandeira, o ‘Val Bandeira’, e Leandro Marques Cerqueira, o ‘Leandro P’, queriam eliminar o líder da facção Ordem e Progresso (OP), Thiago Adílio dos Santos, o ‘Coruja’. Apesar de terem o CV como fornecedor de armas e drogas, a CP e a OP, hoje A Tropa ou Tropa do A, eram rivais – a OP era uma dissidência da CP e tinha o controle do tráfico na Liberdade, Iapi, Cidade Nova, Santa Mônica e Sieiro. Todos esses bairros já foram um dia as principais áreas de atuação do CP fora do complexo do Nordeste de Amaralina, quando ainda o seu principal fundador, o traficante Éberson Souza Santos, o Pitty, estava vivo – ele morreu em 2007 num confronto com a polícia.>
Após terem sido procurados pelo CV em Salvador, a cúpula do CP foi ao Rio de Janeiro e estabeleceu uma condição: seria necessária a execução de Coruja. Em agosto do mesmo ano, circulou nas redes sociais fotos e vídeos de um homem sendo sequestrado e posteriormente assassinado no Rio de Janeiro. O conteúdo compartilhado dizia que a vítima era o ‘Coruja’, que teria sido pego por homens armados na comunidade de Jardim Caiçara, controlada pela CV, na cidade carioca de Cabo Frio. >
“A expectativa dela, ao se organizar lado a lado das facções locais, é exatamente se firmar mais fortemente nos espaços geográficos que facilitam sua atuação, que é o caso da Bahia, por sua extensão litorânea e sua malha viária centralizada. Tudo isso demandará maior necessidade de investimentos estatal e federal na segurança pública, pois sem dinheiro, não haverá segurança”, pontua a professora de Direito Penal e Processual e de Movimentos Sociais da Uneb. >
Aliança >
Em uma estratégia não muito diferente do arquirrival CV, o Terceiro Comando Puro (TCP), que surgiu também em terra fluminense, chegou à Bahia 2023 fazendo uma aliança com o BDM. A organização começou pelo Recôncavo, se firmando em Santo Amaro da Purificação. Em seguida, a parceria BDM/TCP chegou a outras cidades do interior do estado, como Jacobina. Não demorou muito para a “casadinha do mal” dar as caras em Salvador. Na capital baiana, as duas vêm travando intensos confrontos com o CV no bairro de Vila Verde.>
Ainda segundo a especialista em segurança pública, é preciso “que os Estados se unam para criar um plano de trabalho unificado e a ser usado coesamente por todas as forças de segurança do país”. “De nada adiantará mais os Estados trabalharem isoladamente em seus territórios, pois a situação não é mais de uma organização fluminense, ou da Bahia, chegamos ao nível de uma facção nacional e assim precisa ser combatida”, declara a professora de Direito Penal e Processual e de Movimentos Sociais da Uneb, Márcia Margarida Martins. >
Posicionamentos >
A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSP/BA) e a Polícia Militar (PM/BA) nesta quinta (31/07) e sexta-feira (01/08), para saber se os órgãos têm conhecimento da provável fusão entre a Katiara e o CV e quais medidas serão adotadas. Até o momento, não há respostas. >