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Velório comoveu a cidade de Santo Antônio de Jesus
Gil Santos
Publicado em 12 de agosto de 2024 às 17:49
Quando a delegada Patrícia Neves Jackes Aires, 39 anos, foi trabalhar na 4ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior (Coorpin), em Santo Antônio de Jesus, a unidade ainda não tinha uma área específica para investigar crimes de feminicídio e aqueles praticados contra crianças e adolescentes. Esses casos eram apurados como todos os outros. O ano era 2017. Ao resolver criar uma espécie de departamento para esses casos, a direção escolheu Patrícia para comandar a área.
Quem conta essa história é um investigador que trabalhou quatro anos com a delegada. O policial ficou emocionado ao comentar sobre o assassinato da amiga, disse que Patrícia era conhecida como uma pessoa bem-humorada e comunicativa e, para provar o que estava dizendo, o investigador sacou o celular do bolso e mostrou um áudio recebido da delegada em que ela faz brincadeiras, semanas antes da morte.
"Ela era uma pessoa muito comunicativa. Onde chegava, ela se enturmava fácil e gostava de trabalhar em campo, de acompanhar as prisões. As pessoas mandavam coisas para ela, situações de agressão e violência doméstica, e ela assumia a frente. Quando criaram essa área de investigação na delegacia, Drª Patrícia correu atrás para conseguir mais recursos. Ela era retada", conta o investigador.
Patrícia foi encontrada morta dentro do próprio carro, no município de São Sebastião do Passé, no domingo (11). O principal suspeito do crime é o companheiro dela, identificado como Tancredo Neves Feliciano de Arruda, que está preso. Segundo a coordenadora do Departamento de Polícia do Interior (Depin), Rogéria Araújo, o suspeito nega o crime. A polícia ainda aguarda o laudo da autópsia para confirmar a causa da morte, mas a principal suspeita é que Patrícia tenha sido estrangulada.
"Estamos aguardando laudos periciais, imagens de câmeras que foram coletadas desde Santo Antônio de Jesus até as BRs 101 e 324. É um trabalho que vai demorar um pouco, mas temos colegas de vários departamentos envolvidos nesse caso. Ele nega o crime, assim com nega as outras duas ocorrências de violência doméstica registradas na ficha dele, em Itamaraju, e a agressão a uma médica em Feira de Santana", contou a delegada.
A delegada Patrícia tinha uma medida protetiva contra Tancredo. O homem foi indiciado pela Polícia Civil também por exercício ilegal da medicina e falsidade ideológica. Ele se formou em medicina fora do Brasil, mas não fez a prova do Revalida para obter a autorização para atuar no país. Uma investigação foi iniciada em 2022 pela Delegacia Territorial de Euclides da Cunha, e a polícia concluiu que ele não tinha competência para exercer a medicina em território brasileiro.
Ele disse para os policiais que estava tendo um relacionamento com Patrícia há cerca de quatro meses. Amigos da delegada confirmaram, mas frisaram que o casal vivia em constantes brigas e que terminaram e retomaram a relação algumas vezes. A delegada deixou um filho de 7 anos. O crime comoveu a cidade de Santo Antônio de Jesus, onde ela morava e trabalhava. Uma multidão lotou a Câmara Municipal para acompanhar o velório, e parte do público precisou aguardar do lado de fora do prédio.
A coordenadora do Depin, Rogéria Araújo, frisou que a violência doméstica está presente em todas as esferas e classes sociais, que é preciso conscientização para educar as crianças para que respeitem as mulheres e ações que apoiem e protejam as vítimas. Ela também fez um alerta.
"A violência contra a mulher começa incialmente com um gesto e avança até chegar ao ápice que é a perda da vida. Precisamos dizer para todas as mulheres que nós não somos objetos dos homens e temos o direito de dizer 'não' na hora em que decidirmos", frisou.
O corpo de Patrícia seguiu para Recife, em Pernambuco, onde mora a família da delegada e onde será sepultado.