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Millena Marques
Publicado em 14 de outubro de 2025 às 07:46
Após um ano em tratamento contra um câncer de mama em estágio três, a assistente de Recursos Humanos Michele Marinho Costa, de 40 anos, achou que finalmente retornaria ao trabalho. Depois de ser liberada pela própria oncologista e pelo médico da empresa, comunicou ao setor responsável que estava apta para o trabalho. A profissional, no entanto, não contava com a possibilidade de ser demitida no primeiro dia de retorno. O caso aconteceu na cidade de Simões Filho, na Grande Salvador, em março deste ano. Abaixo o relato da demissão: >
“Fui diagnosticada com o câncer de mama em janeiro de 2024, me afastei pelo INSS, recorri ao INSS duas vezes porque estava fazendo quimioterapia, radioterapia, um tratamento mais pesado, e o INSS me deu até março de 2025 (para retornar ao trabalho). Conversando com minha oncologista, eu perguntei para ela se podia voltar. Quando a gente fica em casa, a gente entra em uma depressão. Eu tive que fazer acompanhamento psicológico. Retornar, para mim, seria uma virada de chave. Em fevereiro, eu entrei em contato com o RH, eles me deram as férias vencidas que eu tinha. Passei pelo médico do trabalho, com os relatórios da minha oncologista, e o médico me liberou para trabalhar. >
Era para eu voltar ao trabalho no dia 24 de abril. Eles me enrolaram dois dias, dizendo que não tinha transporte para me pegar. Só que na minha mente, eu achei que nesses dois dias eles estavam planejando alguma surpresa para o meu retorno. Quando eu chego na empresa, não tinha surpresa nenhuma. O dono da empresa me chama para uma reunião e, nessa conversa, ele disse que não poderia ficar comigo. Nesse momento, foi como se eu estivesse recebendo uma sentença, como eu recebi a notícia do câncer de mama. Eu me segurei e tal, e ele ainda me perguntou: ‘Você acha que vai conseguir voltar ao mercado de trabalho?’ Ele (dono da empresa) tinha ciência de como é o tratamento contra o câncer. Eu não imaginava que a empresa iria fazer comigo, de forma alguma. >
Eu acho que ficou muito claro que a demissão ocorreu por causa do tratamento do câncer. Eu não chorei naquele momento porque fiquei com vergonha. Quando cheguei em casa, eu desabei. Tive que entrar em contato com psiquiatra para poder tomar remédio. Eu não conseguia dormir, me senti completamente abandonada. Então, quando me demitiram, peguei cinco meses de seguro-desemprego. Eu não estou trabalhando, tenho um companheiro, mas ele recebe apenas um salário-mínimo. Toda vez que eu falo sobre isso, eu me emociono, porque ninguém merece passar por isso. É de um nível de desumanidade tremendo”, finalizou Michele. >
Câncer: sintomas e tratamentos
O caso levanta uma dúvida: empresas podem demitir funcionários que recebem auxílio-doença? Conforme art. 118 da Lei 8213/91 e Súmula 378 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), somente os profissionais afastados por auxílio-doença acidentário possuem estabilidade provisória no emprego. Ou seja, trabalhadores afastados por auxílio-doença comum podem ser desligados. No entanto, há algumas ressalvas. >
Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo PRAZO MÍNIMO de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente. >
O trabalhador que recebe auxílio-doença não pode ser demitido da empresa durante o período em que estiver afastado de suas atividades e em gozo do benefício. Após a alta, o segurado que recebia o auxílio-doença acidentário continua com estabilidade no emprego por mais 12 meses, de acordo com as leis trabalhistas. Para o trabalhador que recebeu o auxílio-doença comum, a regra é outra. Este profissional pode ser demitido pela empresa após o seu retorno ao trabalho.>
A advogada Sara Carvalho, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Garcia Landeiro Carvalho Moraes Advogados, explica, no entanto, que demissões discriminatórias podem ser discutidas na Justiça. "A empresa também deve ter atenção a casos de dispensa discriminatória, quando o empregado tem doença grave que cause estigma (como câncer ou HIV). Se caracterizada discriminação, a dispensa é nula e pode gerar reintegração, indenização em dobro e danos morais". explica. >
A empresa pode ser responsalizada:>
A doença tiver relação com o trabalho, mesmo que o INSS tenha classificado como comum;>
Cancelar o plano de saúde durante o afastamento, o que é considerado alteração contratual lesiva.>
Michele processou a empresa, mas preferiu não divulgar o nome da organização. Neste mês, ela participará da segunda audiência sobre o caso. >