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Bruno Wendel
Publicado em 21 de abril de 2025 às 05:00
Há pelo menos três anos, fardados ou à paisana (sem o uniforme), eles se tornaram populares e conquistaram milhões de seguidores em diversas plataformas digitais. Mas o fenômeno dos “policiais militares influencers” tem chamado também a atenção da corporação, que passou a monitorá-los principalmente no que diz respeito à imagem da Polícia Militar. Tão certo assim que, desde 2023, 57 PMs respondem a processos administrativos (PADs) por alguma conduta que a instituição julgou inadequada. E não foi só isso: uma portaria interna de 2022 disciplina o uso de redes sociais pela tropa na Bahia. >
As informações foram adquiridas pelo canal do youtube do jornal CORREIO com exclusividade. Pelo menos quatro foram presos. Assista ao vídeo completo neste link. >
Com a diversificação das plataformas digitais, e com isso o aumento do consumo de conteúdo, que influenciam na opinião pública, nos gastos, padrões, o espaço destinado às redes sociais na sociedade de modo geral é bastante significativo, logo não seria diferente para os policiais militares. Mas esse “novo” comportamento põe em xeque alguns princípios da corporação. Não à toa, em 2023, 27 policiais passaram a responder a "procedimentos ou processos relacionados a publicações, ou comportamentos em redes sociais", segundo a Corregedoria Geral da Polícia Militar. Em 2024, esse número é de 28 PMs. Neste ano, até o momento, apenas dois servidores. >
“Existe ainda uma certa ausência de modernização desses regulamentos disciplinares, para refletir melhor, o contexto contemporâneo e como se dão essas transgressões no contexto desse grande interesse pelas redes sociais”, declara o doutor em sociologia e coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), David Marques. Em um dos seus trabalhos, um levantamento mostra a principal preocupação dos regulamentos disciplinares, “que era o direito de manifestação que esses profissionais não têm, como o de greve”. “As organizações policiais têm se caracterizado, mais as militares, por uma tentativa de controle de sua própria imagem, por isso que esses regulamentos avançam sobre o direito individual dos policiais enquanto manifestações desses indivíduos podem, na visão da instituição, prejudicar a imagem da corporação”, declara. >
Um dos militares mais populares é o soldado Lázaro Alexandre Pereira de Andrade, o "Tchaca", alvo recente da Operação Falsas Promessas. Ele mantém um canal no YouTube, que descreve como "o maior podcast policial da Bahia", com mais de 60 mil seguidores. Já no seu perfil no Instagram, são mais 74 mil. >
Em maio do ano passado, após início de candidatura a vereador de Salvador pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), ele foi preso, cumprindo 15 dias de detenção no Batalhão de Choque, em Lauro de Freitas, por conta de propaganda política nas redes - a punição dada a ele seguia a justificativa de que agentes da ativa não podem concorrer a cargos por questões éticas da PM. >
“A gente percebe, ao logo do tempo, cada vez maior o número de profissionais de segurança pública que se candidatam em eleições e muitos desses casos, a plataforma política principal dessas pessoas não é mais apenas a sua categoria, mas também essa exposição que eles acumulam e alcançam por meio das redes sociais, justamente por expor detalhes da vida, da atuação policial”, diz Marques. Segundo o especialista, o interesse da população por esse tipo de conteúdo “é bastante caracterizado”. “Basta ver as pesquisas de opinião, que falam sobre quais as principais preocupações do brasileiro e o assunto segurança pública aprece em primeiro lugar”, pontua.>
Outras prisões>
No mês de outubro do ano passado, foi a vez do amigo de Tchaca, o também soldado e influenciador digital Diego Correia ter a prisão decretada pelo comando por 30 dias, após se posicionar durante uma entrevista em um podcast, no qual afirmou: "Se alguém mexer com minha família, que se 'foda' a lei". O caso chegou a ser arquivado pela Corregedoria, que o considerou inocente, mas o então comandante-geral da PM, o coronel Paulo Coutinho, determinou a prisão administrativa do soldado, que hoje mais de 1,3 milhões de seguidores no Instagram. >
Já os soldados Clézio Santana Lins e Flora Machado foram colocados sob prisão administrativa por 30 dias em julho de 2024. Na ocasião, com mais de 44 mil seguidores, Lins teve o PAD instaurado por dar detalhes, em um podcast, de uma abordagem policial em que um dos agentes teria furtado a calcinha de uma mulher, após o integrante da equipe insistir em abordar o casal que fazia sexo. No mesmo mês, ele foi afastado das atividades operacionais porque teria “maculado a imagem da corporação”.>
Flora sofreu um processo disciplinar por “publis” de lojas de biquíni, shows e até jogos de azar. Algumas das propagandas, feitas entre abril e junho de 2023, mostravam a profissional fardada indicando os produtos. À época, a PM informou que essas publicações “ilustram a associação da imagem institucional da PMBA com atividades comerciais e de entretenimento” e que a utilização “da imagem institucional em atividades nas redes sociais vinculam a Polícia Militar a iniciativas comerciais ou a conteúdos que não estão alinhados com os elevados padrões éticos e de comportamento adequados”.>
O pesquisador destacou ainda o risco de a espetacularização do trabalho poder gerar mais violência e cita como exemplo a “simulação de operações só para postar nas redes sociais”. “Ou seja, um risco bastante grande associado a essa exposição, que as instituições precisam ficar atentas para não serem gerados prejuízos para a instituição e para as pessoas envolvidas naquelas situações, inclusive os próprios policiais”, declara. >