VIOLÊNCIA

Por falta de verba, ONG deixou de trocar câmera de R$ 150 usada para segurança de Mãe Bernadete

Das sete câmeras instaladas no Quilombo Pitanga dos Palmares, apenas três estavam funcionando

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  • Yasmin Oliveira

Publicado em 13 de setembro de 2023 às 21:30

Mãe Bernadete estava sofrendo ameaças
A falha de segurança nas câmeras de monitoramento do Quilombo Pitanga dos Palmares, onde Mãe Bernadete foi assassinada em agosto, foi causada por falta de verba Crédito: Reprodução

A falha de segurança nas câmeras de monitoramento do Quilombo Pitanga dos Palmares, onde Mãe Bernadete foi assassinada em agosto, foi causada por falta de verba, admite Wagner Moreira, coordenador do Instituto IDEAS, entidade privada que gere o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos na Bahia (PPDDH-BA).

"Reconhecemos que três câmeras não estarem com o funcionamento adequado é uma falha, mas essa falha se deve também ao pouco recurso disponível para esse tipo de estratégia de segurança", alegou em entrevista ao UOL. 

Moreira disse ainda que apenas R$10,1 mil eram destinados a equipamentos de segurança.  

As câmeras instaladas no Quilombo Pitanga dos Palmares foram compradas e instaladas na gestão anterior do programa. O IDEAS afirma que o modelo foi escolhido pela equipe anterior. O custo médio de uma câmera, da marca Elys (modelo Anpoe Bullet Full HD), é de R$150 nas lojas virtuais. O restante do orçamento, segundo o instituto, é gasto com pessoal e na “articulação entre os órgãos executores da política pública responsáveis por diminuir o conflito".

De acordo com Wagner Moreira, as câmeras eram operadas pelo neto da líder quilombola, por receio da entidade privada que as imagens fossem vazadas para as pessoas que ameaçavam Mãe Bernadete. Em nota enviada ao CORREIO, o Instituto IDEAS informou que, ao implementar a vigilância, a equipe técnica responsável dialoga com o defensor para entender a melhor estratégia a ser utilizada. "A conexão a uma central de monitoramento vinculada a órgãos da segurança pública só é realizada quando os defensores do território entendem que essa estratégia é a mais adequada, visto que em alguns casos agentes de segurança figuram enquanto os ameaçadores”, informou.

Orçamento

Segundo o IDEAS, atualmente o PPDDH acompanha 126 casos de defensores de direitos humanos. O instituto alega ainda que passou a gestar o PPDDH-BA somente em dezembro de 2022 e que o termo de colaboração assinado, até dezembro de 2023, tem o valor total de R$ 1.081.095,74.

Esse termo prevê uma equipe com dois coordenadores de projeto, sete pessoas na equipe técnica multidisciplinar, dois estagiários e pessoas para equipe de apoio, totalizando 13 profissionais.

O programa é vinculado a Superintendência de Apoio e Defesa aos Direitos Humanos (SUDH), da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Governo da Bahia, e atua no atendimento e acompanhamento dos casos de risco e ameaça de morte de defensoras/es de direitos humanos.

A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) informou que cerca de 53% do valor global vem do Governo Federal e 47% é investimento do Governo do Estado, dado confirmado pelo Instituto.

A SJDH confirmou à reportagem que o território possuía sete câmeras no total. “Quatro contribuíram para o processo de investigação do seu assassinato e três não estavam com funcionamento adequado”, afirma a secretaria.

O orçamento atual, segundo informações da SJDH, ainda faz parte de um convênio assinado em 2020 entre os governos Federal e Estadual com os recursos ofertados àquela época, mas que um aditivo está sendo ajustado entre os governos para reajustar esse valor.

"Diante do recurso disponível, a prioridade foi a implementação de câmeras em territórios que não possuíam nenhum equipamento desse tipo. Com a situação emergencial para conseguir atender a atual demanda, o Governo do Estado aportará recursos extras além do que estava previsto no orçamento do programa", finaliza.

Defesa quer investigação

O advogado que representa a família de Mãe Bernadete, David Mendez, avalia que o convênio do PPDDH executado pelo Instituto IDEAS deveria ter sido cancelado após o assassinato da líder religiosa e defende a abertura de um inquérito civil e criminal para apurar quanto foi repassado pelos governos federal e estadual e como o valor gasto pela ong.

"O minimamente digno e razoável seria a suspensão imediata do contrato e a apresentação de uma prestação de contas minuciosa à imprensa e à sociedade civil, por parte do "Instituto IDEAS" - em respeito à trajetória e memória de Mãe Bernadete, como também pela gigantesca repercussão (nacional e internacional) do caso, fruto da liderança e do exemplo incontestável desta legítima matriarca", ressalta David, que ainda afirma que a ong tentou tirar proveito do assassinato de Mãe Bernadete para aumentar o orçamento.

"Por fim, o responsável pela entidade ainda tem o despudor e a desfaçatez de utilizar-se do bárbaro assassinato de Mãe Bernadete - que contou com a ajuda da falha grotesca do PPDDH executado pelo "IDEAS" - para barganhar aumento de verbas/recursos com o governo estadual e federal. Perderam completamente a noção da realidade - e estão com as mãos sujas de sangue", afirma David.

O Ministério dos Direitos Humanos foi procurado para comentar o caso, mas não houve retorno até esta publicação.

Morte de Mãe Bernadete

Mãe Bernadete foi assassinada com 12 tiros dentro da casa onde morava. Dois homens foram até o quilombo em uma moto, desceram do veículo e entraram na casa da idosa. Eles não tiraram os capacetes, mandaram que os netos dela fossem para o quarto e executaram a líder quilombola que estava sentada no sofá.

Mãe Bernadete era uma autoridade na defesa dos direitos humanos e o crime teve repercussão imediata. Entidades locais, nacionais e internacionais se manifestaram. A Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu nota de pesar e cobrou celeridade nas investigações. Ministros de estados também pediram que a polícia encontre os responsáveis.

*Sob orientação da subeditora Monique Lôbo