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Wi-Fi do tráfico: internet rende mais que drogas para organizações criminosas

Facções expandem atuação no controle de provedores, extorquem empresas e impõem domínio armado em comunidades da Bahia

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 18 de dezembro de 2025 às 05:00

Técnicos de internet executados pelo Comando Vermelho (CV)
Técnicos de internet executados pelo Comando Vermelho (CV) Crédito: Reprodução

Atualmente, a exploração do serviço de internet tornou-se uma atividade essencial para a manutenção do sistema criminal brasileiro. Um exemplo recente foi a morte de três funcionários de um provedor, na noite da última terça-feira (16), no bairro do Alto do Cabrito, em Salvador. As vítimas foram executadas porque a empresa se recusou a pagar o chamado “pedágio” para continuar operando na região. 

Na Bahia, essa prática vem sendo adotada desde 2020 pelo Comando Vermelho (CV). Já no Rio de Janeiro, além do CV, o Terceiro Comando Puro (TCP), que chegou posteriormente, também atua por meio da extorsão de empresas do setor. Para essas organizações, a internet tornou-se uma importante fonte de lucro, impulsionada por sua constante expansão.

Trabalhadores foram mortos ainda com farda por Reprodução

“O número de pessoas que utilizam internet é muito superior ao de usuários de drogas. Portanto, trata-se de um mercado importante e altamente lucrativo”, afirma o sociólogo Daniel Hirata, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF).

Em Salvador, o CV atua tanto explorando diretamente o serviço — por meio da abertura de provedores clandestinos — quanto extorquindo empresas legalizadas. Em ambos os casos, as comunidades passaram a denominar o fenômeno de “CV Net”. Além do Alto do Cabrito, há relatos da prática em bairros como Cosme de Farias, Complexo do Nordeste de Amaralina, Engenho Velho da Federação, Lobato, Tancredo Neves, Avenida Vasco da Gama e Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador.

Segundo Hirata, o “CV Net” teve origem no Rio de Janeiro, berço da facção, a partir do fortalecimento das milícias no cenário criminal. “Havia uma série de mercados associados ao fornecimento de produtos e serviços, como água, luz, transporte alternativo, habitação e internet. Com isso, o Comando Vermelho passou, ao longo dos últimos anos, a atuar em setores que antes eram dominados pelas milícias”, explica.

Entre os mercados explorados pelos milicianos, a internet é, segundo o sociólogo, aquele do qual o Comando Vermelho mais se apropriou. “No Rio, por exemplo, existem milhares de provedores de internet. Trata-se de um mercado com baixa regulamentação estatal e, portanto, bastante vulnerável à atuação desses grupos”, observa.

Hirata aponta possíveis caminhos para enfrentar o problema. “É um mercado importante, em expansão e lucrativo, que poderia ser retirado do portfólio do Comando Vermelho caso houvesse uma regulamentação, fiscalização e controle mais rigorosos”, defende.

Expulsão

O especialista em Segurança Pública, coronel e professor de Direito da Estácio-Fib, Antônio Jorge, destaca outro efeito desse fenômeno. “Nesse cenário de diversificação de negócios, as facções criminosas estão expulsando pequenos provedores de internet de comunidades brasileiras para assumir o fornecimento clandestino do serviço, que se tornou um dos negócios mais lucrativos do crime organizado”, afirma.

Para ele, o domínio das redes clandestinas também representa um grave risco à segurança digital. “Sem regulação e com acesso irrestrito aos equipamentos, criminosos podem espionar comunicações, aplicar golpes e disseminar vírus”, alerta.

A Conexis Brasil Digital, entidade que representa grandes operadoras do país — como Oi, TIM, Claro e Vivo —, também se manifestou sobre a atuação de organizações criminosas que vêm sabotando estruturas, cortando cabos e intimidando técnicos, com o objetivo de permitir apenas provedores autorizados pelas facções.

“O bloqueio do acesso das equipes das prestadoras em determinadas regiões compromete a manutenção e a instalação de equipamentos. Essas restrições vêm se expandindo para diferentes localidades, afetando o fornecimento e a qualidade do serviço, além de colocar em risco a integridade física dos profissionais”, diz a nota.

Ainda segundo a entidade, “o tema exige medidas efetivas e uma ação coordenada da segurança pública, envolvendo o Judiciário, o Legislativo e o Executivo, nos âmbitos federal, estadual e municipal, para garantir que as empresas possam atuar de forma livre e segura e que a população tenha acesso aos serviços essenciais de telecomunicações”.

Comerciantes

Desde que chegou à Bahia, em 2020, além do “CV Net”, a facção carioca passou a extorquir comerciantes em diversas regiões, como o Conjunto Habitacional Arvoredo. No bairro de Cosme de Farias, a situação não é diferente. Ali, o chamado “pedágio” é cobrado de vários segmentos, como padarias, bares, salões de beleza, barbearias e lojas. Nada escapa.

Os valores variam entre R$ 100 e R$ 300, cobrados semanal ou mensalmente. Quem se recusa a pagar pode ter o mesmo destino do revendedor de gás Gerson Leopoldino Andrade, de 69 anos, executado na Baixa do Tubo, em setembro de 2023. Na ocasião, a facção teria exigido dele R$ 7 mil.

“Vivemos uma realidade que desafia o Estado, instaura pânico coletivo e constrói um modelo alternativo de poder, imposto pelo terror, com uso de armas de uso restrito, monopólio ilegal de serviços, incêndios em equipamentos públicos, intimidações coletivas, ocupações armadas e execuções com fins de chantagem e ultimato”, conclui o coronel Antônio Jorge.