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Millena Marques
Publicado em 28 de agosto de 2025 às 05:00
Em dois anos e oito meses de mandato, Jerônimo Rodrigues (PT) fez 19 pedidos de empréstimos à Assembleia Legislativa da Bahia (Alba). Ao todo, foram autorizados R$ 23 bilhões de crédito ao governador do estado, número que supera as solicitações feitas pelos três últimos antecessores do petista. Ou seja, o atual gestor estadual tem um potencial de captação que pode superar Paulo Souto (União Brasil), Jaques Wagner (PT) e Rui Costa (PT), separadamente. A oposição e especialistas em finanças públicas temem que o excesso de pedidos de empréstimos gere consequências negativas para o futuro fiscal do estado.>
Diante das solicitações de empréstimo feitas à Alba, a tendência é que Jerônimo Rodrigues, até o fim do mandato em 2026, também supere os antecessores em recursos captados.>
O último pedido foi aprovado, em caráter de urgência, na sessão ordinária da última terça-feira (26). O valor solicitado foi de 122,5 bilhões de ienes japoneses, o que equivale a cerca de R$ 4,5 bilhões. O petista pretende fazer a contratação junto ao Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), com garantia da União.>
Antes disso, dois pedidos foram aprovados no dia 13 de maio, que, juntos, comam R$ 4,5 bilhões. Foi autorizada a contratação de operação de crédito interno com instituições financeiras nacionais no valor de R$ 3 bilhões. A quantia, de acordo com o governo, será destinada para pagamento do estoque de precatórios vencidos e não pagos. E, também, a contratação de operação de crédito junto ao Banco do Brasil no valor de R$ 1,5 bilhão. Esse montante, será utilizado para investimentos nas áreas de mobilidade urbana e interurbana, infraestrutura viária, hídrica e urbana.>
Entre 2015 e 2022, Rui Costa teve R$ 9,17 bilhões em empréstimos autorizados pela Alba. Deste valor, foram captados oficialmente R$ 6,99 bilhões, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), autarquia vinculada ao Ministério do Planejamento e Orçamento. De 2007 a 2014, a Alba autorizou R$ 17 bilhões de empréstimo para o governador Jaques Wagner, que captou R$ 14,6 bilhões do valor autorizado pela Casa Legislativa. Já Paulo Souto captou R$ 1,374 bilhão entre 2003 e 2006. Jerônimo captou, entre 2023 e 2024, R$ 3 bilhões.>
Em entrevista ao CORREIO, o pesquisador de finanças públicas e professor assistente da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), Antonio Silva Magalhães Ribeiro, faz um alerta sobre o desequilíbrio fiscal na Bahia. Para ele, as despesas do estado vêm crescendo em ritmo muito superior ao das receitas.>
De acordo com o especialista, a situação não é mais grave por causa dos sucessivos pedidos de empréstimos feitos pelos governos estaduais. No entanto, ele adverte que esse endividamento compromete o futuro das finanças públicas, já que, além do valor principal, os cofres estaduais precisam arcar com juros elevados.>
"Se não considerar as operações de crédito nos últimos 18 anos, tivemos, pelo menos, 15 anos deficitários. Então, o que eu quero dizer com isso? Está havendo um desequilíbrio já há algum tempo. Tomar empréstimo, financiamento, fazer operações de crédito não é nenhum crime. Mas isso tem que estar dentro de um planejamento de longo prazo", afirmou>
Para o líder da oposição na Alba, o deputado estadual Tiago Correia (PSDB), a política de endividamento de Jerônimo revela uma gestão pautada pela dependência de crédito externo. “Trata-se de uma estratégia temerária, que ignora os limites de sustentabilidade da dívida pública estadual e coloca em risco a autonomia financeira da Bahia a médio e longo prazo, já que o endividamento exorbitante reduz o espaço para investimentos futuros, pois uma parcela crescente da receita será destinada ao pagamento de juros e amortizações”, disse.>
A falta de transparência é, segundo o deputado, um dos aspectos mais graves dos excessos de empréstimos. “O governo tem dificuldade em detalhar, com precisão, quais obras e projetos estão sendo financiados, e onde estão os resultados efetivos dessas intervenções. Enquanto os empréstimos se acumulam, a população continua convivendo com os piores indicadores no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), sofrendo na fila da Regulação, e com a segurança pública em colapso”, pontuou Tiago.>
Para a presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia e gerente da Unidade de Gestão Estratégica do Sebrae Bahia, Isabel Ribeiro, os empréstimos são uma ferramenta legítima e necessária para os estados. "O desafio dos gestores públicos está em equilibrar a urgência das demandas sociais com a sustentabilidade das finanças públicas, garantindo que o endividamento seja um caminho para o progresso — e não um obstáculo ao futuro", pontuou.>
A alta captação, no entanto, pode trazer riscos, como o aumento da dívida pública, o que pode comprometer a capacidade de investimento futuro, especialmente se os recursos forem mal aplicados ou utilizados para cobrir déficits operacionais. "A Bahia, sob Jerônimo, que enfrenta um déficit fiscal de R$ 2,5 bilhões registrado em 2023, o primeiro desde 2018, mantém o selo Capag A+, concedido pelo Tesouro Nacional, o que indica uma alta capacidade de pagamento e uma gestão fiscal considerada confiável", disse.>
Antes da votação do dia 13, o deputado Alan Sanches (União Brasil) destacou que o montante que já foi autorizado para contração do petista daria para custear, sem necessidade de parceria com empresas privadas, a obra que promete ligar a capital à Ilha de Itaparica.>
"Vocês sabem qual o valor da Ponte Salvador - Itaparica colocado no Tribunal de Contas do Estado? Dez bilhões [de reais]. Pela quantidade de recurso de empréstimo solicitado por Jerônimo, ele já poderia estar completando duas pontes Salvador - Itaparica. O que é que está acontecendo com o governo do estado? Será que ele não está sabendo utilizar o recurso? Ou está fazendo política", questionou.>
Em nota, a Secretaria da Fazenda da Bahia (Sefaz-BA) afirmou que os empréstimos estão respaldados pela "consistente realidade financeira das contas do Estado da Bahia, que seguem em equilíbrio fiscal, com um dos mais baixos endividamentos do país". De acordo com a pasta, no final de 2024, a relação entre a dívida e a receita era de 36%, o que configuraria uma redução das dívidas do estado nos primeiros meses deste ano, apesar das solicitações de crédito recentes.>
Ainda segundo a secretaria, a dívida consolidada líquida (DCL) da Bahia corresponde hoje a 32% da receita corrente líquida (RCL), "dado que situa o governo baiano em patamar seguro com relação aos parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), segundo a qual a dívida de um Estado não pode ultrapassar o limite de duas vezes a sua receita, ou seja, 200%." >
Confira a nota da Sefaz-BA na íntegra:>
As operações de crédito que vêm sendo autorizadas pela Assembleia Legislativa e contratadas pelo governo baiano estão tecnicamente respaldadas pela consistente realidade financeira das contas do Estado da Bahia, que seguem em equilíbrio fiscal, com um dos mais baixos endividamentos do país. A dívida consolidada líquida (DCL) da Bahia corresponde hoje a 32% da receita corrente líquida (RCL), dado que situa o governo baiano em patamar seguro com relação aos parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), segundo a qual a dívida de um Estado não pode ultrapassar o limite de duas vezes a sua receita, ou seja, 200%;>
No encerramento do exercício de 2024, a relação entre dívida e receita era de 36%, ou seja, o perfil de endividamento do Estado reduziu-se nos primeiros meses deste ano, a despeito das recentes operações de crédito contratadas;>
A situação atual é bem diferente daquela de duas décadas atrás: em 2002, a relação entre dívida e receita no Estado chegou a 182%, cinco vezes acima da proporção atual e o maior patamar em mais de 20 anos. Na prática, isto significa que se o governo Paulo Souto quisesse na época quitar toda a dívida da Bahia, precisaria de quase duas vezes a sua receita corrente líquida, enquanto o governo Jerônimo Rodrigues vem mantendo o patamar da dívida abaixo de 50% da receita corrente;>
Quem hoje questiona as recentes operações de crédito contratadas em um quadro de baixo endividamento e contas equilibradas se esquece, portanto, que não é possível comparar a situação atual com a de 2002. Por conta do bem-sucedido processo de gestão das contas estaduais pelas recentes administrações, o perfil da dívida do Estado melhorou significativamente nas últimas décadas. Houve um decréscimo considerável na proporção entre a dívida e a receita a partir de 2010, até se estabilizar entre 40% e 60% ao longo da década passada e cair ainda mais nos últimos anos;>
A dívida da Bahia está sob controle principalmente em função de uma trajetória de queda do peso relativo deste passivo nos últimos anos, devido ao cumprimento regular das parcelas de amortização da dívida pelo Estado, tradicionalmente um bom pagador;>
O endividamento da Bahia é bem menor na comparação com os maiores estados brasileiros, de acordo com levantamento realizado com base nos dados disponíveis no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro – Siconfi, do Tesouro Nacional. Para se ter ideia, o Rio de Janeiro tem hoje dívida equivalente a 199% da receita corrente líquida, seguido por Rio Grande do Sul, com 179%, Minas Gerais, com 151%, e São Paulo, com 119%;>
Vale destacar que entre os componentes do endividamento do Estado, o preocupante não são as operações de crédito, mas os precatórios, obrigações resultantes de decisões judiciais antigas, que levaram muitos anos para serem julgadas, e que aumentaram significativamente nos últimos anos, impactando de forma significativa no total da dívida. Mesmo com o pagamento regular destas dívidas pelo Estado, os precatórios continuam em trajetória de crescimento. Se assim não fosse, a relação entre a dívida consolidada líquida e a receita corrente líquida seria ainda menor;>
Por fim, governo baiano seguiu investindo fortemente nos últimos anos, mesmo quando houve menor volume de recursos de operações de crédito. Em 2023, o governo baiano destinou R$ 8,38 bilhões para investimentos. Deste montante, apenas R$ 764,1 mil, ou seja, menos de 10%, foram provenientes de operações de crédito, com o restante assegurado por recursos do Tesouro estadual. Em 2024, foram investidos ao todo R$ 7,69 bilhões. Um terço deste valor correspondeu no ano passado a recursos de operações de crédito: R$ 2,3 bilhões. O restante do investimento foi feito com recursos próprios do Estado. Cabe ressaltar também que os investimentos têm como principais objetivos promover o desenvolvimento do estado, estimular a atividade econômica e melhorar a vida dos baianos. São estradas, escolas de tempo integral, hospitais, policlínicas, sistemas de abastecimento de água e de saneamento básico e unidades habitacionais, ou seja, obras e ações que impactam de forma positiva na vida da população.>