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Silêncio e tristeza: a despedida de Mãe Carmen do Gantois

Corpo foi recebido por filhos e conhecidos da ialorixá, filha mais nova de Mãe Menininha do Gantois

  • Foto do(a) author(a) Millena Marques
  • Millena Marques

Publicado em 26 de dezembro de 2025 às 15:34

Mãe Carmen do Gantois
Mãe Carmen do Gantois Crédito: Divulgação

No Candomblé, a morte não é um fim, mas um retorno natural para o plano espiritual, chamado de Orun, o reino dos Orixás. Na madrugada desta sexta-feira (26), uma das figuras mais emblemáticas da religião na Bahia realizou essa passagem. Aos 98 anos, Carmen Oliveira da Silva, conhecida como Mãe Carmen do Gantois ou Mãe Carmen de Oxaguian, morreu após cerca de duas semanas internada no Hospital Português, em Salvador, onde estava sendo tratada de uma forte gripe.

Filha mais nova da lendária Mãe Menininha do Gantois, uma das mais importantes ialorixás da história do Candomblé, Mãe Carmen dedicou toda a sua vida à fé, ao culto aos Orixás e à preservação das tradições religiosas afro-brasileiras. Nascida em Salvador, em 29 de dezembro de 1928, ela foi iniciada no Candomblé ainda na infância, aos sete anos, para o culto de Oxalá, o Orixá de sua cabeça. Mãe Carmen morre justamente em uma sexta-feira, dia dedicado à entidade na Bahia.

No início da manhã, filhos do Ilê Ìyá Omi Àse Ìyámase, conhecido como Terreiro do Gantois, localizado na Federação, e membros da comunidade aguardavam o corpo de Mãe Carmen no local, que era comandado pela ialorixá desde 2002. O silêncio e a tristeza marcaram a despedida da líder espiritual, que era conhecida pelo trabalho religioso, social e cultural em Salvador. O público só falou com a imprensa após a chegada do corpo, por volta das 11h. Antes disso, uma cerimônia reservada foi realizada dentro do espaço.

Nascido e criado na rua onde o terreiro fica, que leva o nome de Mãe Menininha do Gantois, o aposentado Aristóteles Coelho, de 68 anos, conta o impacto da presença de Mãe Carmen no bairro. “Ela (Mãe Carmen) me ensinou a viver. Hoje eu sou mais calmo, paciente, por causa dela. Antes, eu era muito nervoso, bolo doido, como dizem os meninos”, conta.

Encontrar palavras para descrevê-la foi difícil. Ao longo de mais de duas décadas à frente do Terreiro do Gantois, Mãe Carmen se tornou referência de resistência cultural, espiritualidade e manutenção dos saberes transmitidos de geração em geração. No âmbito social, ampliou o acesso a atividades importantes para o desenvolvimento da comunidade, como cursos de ritmos e toques, dança, bordados tradicionais e outras práticas ligadas à cultura afro-brasileira.

“Não tenho palavras para falar de Mãe Carmen. Era ótima com nós todos. Não tinha o que a impedisse de nos receber, principalmente os moradores. Até quem não era do Axé pedia conselho, e ela sempre estava disposta”, continua Coelho.

Mãe Carmen do Gantois por Valdemiro Lopes/Câmara de Vereadores de Salvador

Emocionado, Itamar Jorge Barbosa, de 53 anos, ressaltou a generosidade da líder espiritual. “Ela abraçava a todos, sem exceção, ajudava a todos. Ajudava a comunidade com cesta básica, até as pessoas que não eram da comunidade, pessoas que vinham de outros bairros. No Natal, ela dava um presentinho para cada pessoa. As caixas estão até ali”, complementa, apontando para o terreiro.

Questionado sobre as principais memórias ao lado de Mãe Carmen, Barbosa conta que passaria uma tarde falando sobre os feitos da religiosa. “Primeiro, eu conheci com a mãe dela, Mãe Menininha, aos sete anos. São muitas histórias. Elas eram muito parecidas: vó Menininha, mãe Cleusa e Mãe Carmen”, diz. Mãe Cleusa de Nanã era a filha mais velha de Mãe Menininha. Ela liderou o Gantois por 12 anos, de 1986 até seu falecimento, em 1998.

Reconhecimento

Após a morte de Mãe Cleusa, Mãe Carmen se preparou para assumir a liderança do Ilê Ìyá Omi Àse Ìyámase, conhecido como Terreiro do Gantois, um dos mais antigos e respeitados centros de Candomblé de tradição iorubana do Brasil. Em 2002, por determinação dos Orixás e seguindo a sucessão tradicional da casa, Mãe Carmen tornou-se ialorixá, assumindo a incumbência de conduzir os trabalhos espirituais, orientar seus filhos e filhas de santo e representar a religião no diálogo inter-religioso e na sociedade. Mãe Carmen foi a quinta ialorixá do Gantois.

Pelo trabalho na manutenção do diálogo inter-religioso, Mãe Carmen recebeu a Medalha dos 5 Continentes, comenda entregue pela Unesco, em maio de 2010. Já em 2023, foi homenageada com a Comenda Maria Quitéria, concedida pela Câmara Municipal de Salvador, destacando seu papel na preservação das tradições afro-brasileiras e seu compromisso com a promoção da diversidade religiosa.

Regina Casé presta homenagem a Mãe Carmen do Gantois por Reprodução/Redes Sociais

“É uma nobreza que está se despedindo neste momento. A grande questão agora é aquietar o nosso coração, pedir para que os Orixás tomem conta, para que a Casa resolva quem vai dar seguimento e deixar o Ilê Ìyá Omi Àse Ìyámase de pé”, ressalta Marlon Marcos Passos, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).

Quando um terreiro precisa escolher um novo dirigente, após a morte ou aposentadoria da ialorixá anterior, o jogo de búzios — um método tradicional de divinação no Candomblé — é usado para perguntar aos Orixás quem deve assumir o cargo. O ritual é interno e reservado, guardado por tradições específicas de cada casa.

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Salvador Candomblé mãe Carmen do Gantois