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Mais de 6 mil mortes em 4 anos: governo promete mudanças na polícia para redução da letalidade

Estado tenta frear letalidade policial após dois anos consecutivos na liderança de mortes decorrentes de ações de agentes da força baiana

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Larissa Almeida

Publicado em 23 de outubro de 2025 às 05:30

Caso Gabriel: Amigos e familiares fazem protesto pela morte do menino
Caso Gabriel: menino foi morto na porta de casa, em Portão, durante ação policial em 2023 Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Após dois anos consecutivos liderando o número de mortes por ações policiais no país, o governo da Bahia divulgou, nesta quarta-feira (22), um plano de atuação que visa reduzir em até 10% a letalidade policial no estado. A meta foi estabelecida pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) em resposta aos problemas graves apontados no documento: 6.078 pessoas morreram por ação de agentes da segurança baiana entre 2021 e 2024, sendo que a maior parte dos casos nos últimos dois anos ficou impune – a título de exemplo, apenas 23,4% dos inquéritos desse tipo de caso foram concluídos no ano passado.

Entre os principais problemas identificados na conjuntura da segurança pública, a SSP-BA reconhece, em documento ao qual o CORREIO teve acesso, o predomínio de uma ‘cultura do confronto’, marcada por abordagens reativas e pouca ênfase na resolução pacífica de conflitos, que tem ocasionado o aumento das mortes em intervenções policiais, de vitimização policial e desconfiança por parte das comunidades.

Jovem com autismo é morto a tiros no Rio Sena por Reprodução

Outro problema pontuado foi a fragilidade nos processos de fiscalização e responsabilização, que tem favorecido investigações lentas e pouco transparentes sobre as mortes decorrentes de ações policiais, com baixa resolutividade dos inquéritos. Em 2024, apenas 295 dos 1.251 inquéritos instaurados a despeito de mortes por ações policiais foram concluídos em território baiano, segundo levantamento da Corregedoria-Geral do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Coger).

Em outro aspecto, a baixa integração entre inteligência policial e ações operacionais foi apontado como um catalisador para a atuação fragmentada das forças de segurança, com pouca troca de informações e planejamento conjunto. Foi verificado, inclusive, que mais de 40% dos confrontos armados registrados pelos Centros Integrados de Comunicação (CICOMs) na Bahia ocorreram durante rondas policiais de rotina que não foram comunicadas previamente, segundo pesquisa de 2023 da Coger.

O que está sendo proposto no plano?

Como forma de solucionar o uso excessivo da força letal, a SSP-BA aponta a necessidade de uma revisão e modernização da formação policial, priorizando mediação e uso diferenciado da força. Também foram alternativas propostas a implementação de protocolos operacionais específicos e uso de armas de menor potencial ofensivo.

É meta da pasta ampliar para 30% a quantidade de registros feitos com Câmeras Corporais Operacionais (CCO) – o que pode ser considerado um desafio à parte, uma vez que vistorias realizadas pelo Ministério Público da Bahia constatou que apenas 7,5% das 1.300 câmeras adquiridas pelo governo baiano estão sendo efetivamente utilizadas.

Tendo em vista que pelo menos 161 dos 200 dias letivos registraram tiroteios nas proximidades de uma escola pública em Salvador no ano passado, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado, é proposta governamental a criação de protocolos específicos ações policiais em áreas específicas, como o entorno de escolas e hospitais.

Também está prevista, a partir de 2026, a capacitação de 30% do efetivo no uso diferenciado da força e a garantia da oferta de apoio o psicológico a 100% dos profissionais envolvidos de maneira recorrente em confrontos que resultam em morte. Segundo informações da Folha de S. Paulo, pelo menos 357 policiais baianos envolvidos em casos registrados no ano passado se enquadram, sendo que, destes, 61 estiveram em dez ou mais confrontos com morte no mesmo período.

Até 2027, é esperado que a taxa de resolutividade de inquéritos sobre mortes resultantes de ações policiais seja ampliada para 70% – o que será 20% a mais do que a taxa prevista para 2026. Vale ressaltar que o estado, conforme mostrado em reportagem do CORREIO na semana passada, lidera o ranking de impunidade no Brasil: apenas 13% dos homicídios dolosos cometidos na Bahia em 2023 foram esclarecidos, de acordo com pesquisa recente do Instituto Sou da Paz.

Uma maior integração entre órgãos de segurança, perícia, Ministério Público e Judiciário é uma das soluções que constam no plano de metas do governo na tentativa de diminuição da letalidade policial. Além disso, haverá incentivos à promoção da vida ao incluir o número de mortes em ações policiais em indicadores que servem como base para premiação das forças de segurança.

Raio-X da letalidade policial

De janeiro a junho deste ano, 841 pessoas já foram vítimas da letalidade policial baiana – o número equivale a mais da metade dos casos (1.556) registrados em todo o ano de 2024. A maioria das vítimas são jovens, com idades entre 18 e 24 anos (41,1%), predominantemente negras (94%) e com baixo grau de instrução, visto que apenas 17,1% tinham o ensino médio completo.

Dez municípios da Bahia concentraram 51% das mortes por intervenção de agentes do estado. Salvador lidera com 247 casos, representando 29% do total da Bahia, seguida por Eunápolis, Porto Seguro, Lauro de Freitas e Juazeiro.

Uma vez que parte considerável do total de mortes ocorreu durante rondas policiais, a Região Integrada de Segurança Policial (RISP) que atua no Recôncavo lidera com 116 casos neste ano, seguida da que opera na Baía de Todos os Santos, com 90, e da que atua no Extremo Sul, com 89 ocorrências de morte. Nenhuma delas utiliza câmeras corporais.

Uma análise da dinâmica semanal das mortes por intervenção policial indica que os dias úteis concentram a maior parte dos registros, com destaque para a quinta-feira, que lidera com 158 ocorrências, seguida pela sexta-feira (149) e quarta-feira (129). Esses três dias somam mais da metade de todas as mortes registradas no período analisado.

Há uma maior concentração desses eventos durante a tarde (36,1%), com pico entre 16h e 17h. O período noturno tem a segunda maior incidência (23,2%), com destaque para o horário das 22h. O turno da madrugada responde por 21,3% dos casos, com elevação por volta das 5h. Já a manhã, embora com menor proporção (19,4%), registra uma concentração significativa às 6h (5,5%).

Entre 2021 e 2024, o maior pico de mortes decorrentes da ação de agentes de segurança do estado ocorreu em 2023, ano em que foi registrado 1.702 óbitos nessas circunstâncias. Somente em agosto daquele ano, 199 vidas foram perdidas em confronto.

Medidas ainda são insuficientes, diz especialista

O plano de atuação do governo para a segurança pública estabelece metas possíveis, mas ainda insuficientes. É o que analisa Dudu Ribeiro, integrante da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, cofundador e diretor-executivo da Iniciativa Negra, que vê fragilidade na garantia do cumprimento das metas.

“São metas tímidas do ponto de vista do problema que nós temos que incidir. A própria instalação das câmeras se deu abaixo do esperado, sem uma plena utilização pelas forças de segurança, mesmo sendo obrigatório. Isso ressalta que é necessário, para além do estabelecimento de metas, um rigor e acompanhamento amplos dessas metas, ampliando a participação e revisão a partir dos estudos de viabilidade diante do avanço desse plano”, defende.

Dudu Ribeiro ainda acrescenta a necessidade de um investimento robusto na Polícia Técnica, a fim de garantir independência e autonomia nas investigações de mortes por ação policial. “Isso só é possível quando o governo divulgue, em números, quanto e como ele pretende investir no fortalecimento da Polícia Técnica para o cumprimento dessas metas. Além disso, o aumento de câmeras corporais deve também estar sob o crivo de outros agentes que façam um melhor acompanhamento, inclusive na tomada de decisão sobre os critérios para distribuição das câmeras”, afirma.

Para o especialista, o lançamento do plano é um reconhecimento atrasado de um problema grave que foi amplamente denunciado pela sociedade civil ao longo dos últimos anos. Ele acredita que as metas só terão sucesso se houver um acompanhamento contínuo e transparência com a sociedade.

“O sucesso está diretamente ligado à capacidade de acompanhamento do comitê, que deve ser ampla para acompanhar as metas prometidas e termos, de fato, condições de dizer que o plano de redução da letalidade favorece a política de segurança pública na Bahia e para que não termine sendo apenas uma carta de intenções”, finaliza.