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Carol Neves
Publicado em 23 de outubro de 2025 às 05:36
Apontado por muitos historiadores e criminólogos como o primeiro serial killer do Brasil, José Augusto do Amaral, conhecido como “Preto Amaral”, tornou-se um dos nomes mais controversos da crônica policial do país. Nascido em 1871 em Conquista, Minas Gerais, filho de pais africanos escravizados vindos do Congo e de Moçambique, ele cresceu em um Brasil em transição, ainda marcado pelas cicatrizes da escravidão recém-extinta. >
Após a abolição, Amaral ingressou no Exército e, segundo registros, chegou a participar da Guerra de Canudos, em 1897. Anos depois, já na capital paulista, vivia de pequenos trabalhos e dormia em pensões baratas, sobrevivendo à margem da sociedade. Foi em São Paulo que seu nome começaria a ser associado a uma série de crimes brutais que chocaram a população e a imprensa da década de 1920.>
Entre 1926 e 1927, ele foi acusado de matar pelo menos três rapazes. Segundo reportagens da época, Amaral atraía as vítimas com promessas ou favores, as levava a locais isolados e as estrangulava. Após os assassinatos, teria cometido atos de necrofilia, o que reforçou o caráter de horror associado aos crimes. Uma das vítimas foi um jovem de 27 anos encontrado morto próximo ao Campo de Marte, na zona norte de São Paulo; outra, um menino de 10 anos, atraído com balões, cujo corpo foi encontrado dias depois, mutilado.>
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A prisão de Amaral aconteceu em 1927, após investigações conduzidas pela polícia paulista. O caso recebeu atenção intensa da imprensa, que o apelidou com nomes de conotação racial, como “Monstro Negro” e “Diabo Preto”. A cobertura foi marcada por descrições racistas e sensacionalistas, que apresentavam o acusado como uma figura monstruosa, sem que houvesse provas consistentes de sua culpa. Reportagem da Vice ressalta que o episódio também refletia o racismo institucional da época, com um homem negro pobre rapidamente transformado em bode expiatório de crimes ainda pouco compreendidos.>
Apesar das confissões relatadas em jornais, Amaral nunca foi julgado nem condenado. Ele morreu de tuberculose na prisão, antes que o processo chegasse ao fim. Assim, a responsabilidade real pelos assassinatos nunca foi comprovada. Documentos da Defensoria Pública de São Paulo mostram que, em 2012, um júri simbólico foi realizado para reavaliar o caso: 257 pessoas votaram pela absolvição póstuma e 57 pela condenação, destacando as falhas do sistema penal e o preconceito racial que marcaram a investigação.>
A reconstrução do caso nos anos recentes levou pesquisadores a questionar a veracidade das acusações. Segundo o site Jus, há poucos registros oficiais sobre as mortes atribuídas a Amaral, e parte dos relatos se baseia apenas na imprensa policial da época, sem provas materiais. Mesmo assim, ele segue sendo citado em livros e estudos como o primeiro caso de serial killer registrado no Brasil, mais pelo impacto histórico do que pela certeza dos crimes.>
O nome de “Preto Amaral” tornou-se, portanto, símbolo de duas narrativas paralelas: a do medo e da monstruosidade construída pela imprensa dos anos 1920, e a da injustiça e do racismo institucional que marcaram a história criminal brasileira. A dúvida sobre se ele foi realmente o primeiro assassino em série do país permanece em aberto, mas sua história revela muito sobre o Brasil que o condenou sem julgamento e o transformou em lenda macabra.>