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Felipe Sena
Publicado em 21 de agosto de 2025 às 07:08
“Jean” é uma palavra francesa que remete ao tecido denim, ou conhecido como “jeans”, popularizado em 1800. O tecido de sarja de algodão usado para fabricar calças, era comercializado na cidade francesa de Nîmes, e comumente usado por trabalhadores. >
Wide leg e variações do jeans despojado conquistaram famosas
Contudo, assim como quase tudo na moda é circular e se transforma, o nome do tecido virou nome da peça, no caso o jeans. As calças jeans foram patenteadas nos Estados Unidos em 1873 pelo alfaiate David Jacobs e pelo dono de uma fábrica de tecidos em São Francisco, Levi Strauss. A informação é da enciclopédia da Vogue.>
Nesta quinta-feira (21) é celebrado o Dia Mundial da Moda, com o jeans sendo lembrado, se tornou uma peça chave no mundo fashion. Do barzinho ao casamento, da universidade ao trabalho, o jeans é universal. Assim como a data significativa para o mercado e economia brasileira traz reflexões sobre o Design de Moda, o jeans constrói narrativas, conecta tendências, traz moods de décadas passadas, é reconstruído, traduz comportamentos sociais, imprime identidade cultural e está sempre ali, num lugar de memória.>
O jeans foi sendo reconfigurado ao longo dos anos, mas nunca perdeu suas principais características, o que o difere de outras peças. Entre os jeans mais usados recentemente está o wide leg, um tipo de jeans mais despojado e sem ajuste colado ao corpo, como é o caso do jeans skinny, chamado hoje até de “cringe” pela geração Z [nascidos entre 1997 e 2010]. O termo é usado para se referir a algo relacionado a um mico ou vergonhoso.>
A wide leg tem diversas variações, podendo ser encontradas nas lojas outras modelagens parecidas, como o mom jeans, entre outros. Apesar de considerado cool, descolado e um pouco mais, o wide leg bebe de inspirações de décadas passadas, até porque quase todas as peças na moda de uns anos para cá não foram criadas de maneira exclusiva, mas incorporadas a criações já existentes. O wide leg se inspira em modelagem por exemplo das décadas de 1920, 1970, 1990 e até anos 2000, das clássicas pantalonas às modelagens de cintura baixa.>
A calça virou até meme em redes sociais como Tik Tok, através da repercussão do episódio “Peel of Fortune” (Temporada 1, episódio 11), de Looney Tunes. Na ocasião, Patolino pergunta para Daffy qual a calça que ele estava usando e ele responde que era “uma calça de shopping, que se usa no shopping como sinal de respeito”.>
O desenho animado faz uma reflexão sobre os códigos sociais impostos através da vestimenta e do capitalismo, incluindo peças do vestuário como sinal de poder e ascensão social. Ainda no Tik Tok, usuários da plataforma começaram a produzir conteúdos no qual são expostas as diferenças das calças em dois períodos diferentes: quando as mulheres usavam calça justa e agora preferem peças mais despojadas e folgadas. Apesar da peça também ter sido incorporada no guarda-roupa masculino, ainda é o público feminino que mais usa a modelagem.>
O que parece ser apenas uma escolha, diz muito mais sobre como os movimentos sociais moldam os costumes ao longo dos anos, é o que diz em entrevista ao jornal CORREIO a Coolhunter [especialista em tendências] da Vicunha Têxtil, Lola Botti. “As tendências vão se adaptando e hoje em dia é mais do que isso [tendência]. Com a tiktokização que estamos vendo, com a aceleração da moda, o ultra fast fashion é uma espécie de tudo ao mesmo tempo, o que é legal, mas com certeza, as peças, as silhuetas, os comportamentos estão constantemente mudando e isso impacta a moda, que é uma linguagem viva”, diz.>
Ao passar dos anos, a sociedade criou uma forte relação com o passado, o que também implica na volta e reconstrução de peças que hoje são tendências. A nostalgia em relação ao que passou é algo cíclico e vital para manter a moda viva. “Não olhamos para o passado como uma nostalgia vazia, mas agora também estamos vendo as wide legs e isso traz a nostalgia, mas de maneira nova, contemporânea”, explica Lola que também situa a importância do papel dos jovens nessas mudanças. Daí vem a popularização dos second hands e brechós. Peças do passado com cara nova, repaginadas e com ar fresco.>
O simples ato de uma mulher usar um jeans, seja wide leg ou não, é um ato político, assim como outras vertentes da moda. O jeans já foi alvo de críticas e mulheres já sofreram machismo pelo uso da peça transgressora. É o que relembra Lola no artigo “O jeans como símbolo de justiça social e de gênero”, em abril de 2025. >
No texto, a especialista relembra o Denim Day, um marco pela conscientização sobre comadre a violência sexual contra as mulheres. Celebrado internacionalmente no dia 30 de abril, a data relembra um episódio de injustiça, em 1998, na Itália, quando a Suprema Corte absolveu um estuprador alegando que a vítima usava um jeans justo demais para ser removido sem seu consentimento. Na época, parlamentares italianas foram trabalhar de jeans em protesto.>
Lola explica que apesar das mudanças ao longo, sobretudo quando se trata do Brasil, existem “muitos espaços de liberdade de expressão, mas também não”. “Temos tendências e movimentos mais conservadores, como a moda modesta. Temos muitos Brasis e temos que considerar recortes econômicos e sociais”, explica.>
Apesar da ponderação, reforça o papel transgressor do jeans. “O jeans com certeza é uma peça que inspira e transmite liberdade e muito pelo movimentos sociais, desde os primeiros grupos jovens dos anos 50. Era uma quebra usar uma roupa de trabalho para o lazer, e partir disso, esse jeans se tornou um sinônimo de transgressão. Ele carrega esse espírito livre até hoje”. >
Além disso, situa o jeans como modificador de status quo a partir de tendências que agora não vem das camadas mais elevadas da sociedade para as mais baixas, até porque hoje a periferia e outros locais vulnerabilizados socialmente também produzem moda e ditam tendências.>
Já quando se trata de técnica e práticas de produção não seria diferente. Ao passar dos anos, processos de produção do denim foram revisitadas e revistas, com adoção de medidas sustentáveis, que visem a preservação do meio ambiente, já que a indústria da moda é uma das que mais gera, contudo, ainda é uma das que mais poluem. >
O mercado de jeans por exemplo gera milhões para a economia. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), o Brasil está entre os cinco maiores produtores e consumidores de denim do mundo, o tecido do jeans. Essa indústria chega a movimentar cerca de R$ 190 bilhões por ano.>
Segundo a consultoria Inteligência de Mercado (Iemi), o chamado jeanswear, tradicionalmente conhecido como índigo blue, respondeu pelo movimento de R$ 22 bilhões em 2020.>
Ainda segundo dados de 2023 do Sebrae, o jeans corresponde por 11% do consumo de peças de roupas no Brasil, um volume de mais de R$ 22 bilhões. Como forma de preservação ao meio ambiente, a Vicunha adota diversas medidas.>
Jeansz é um dos tecidosz mais usados no Brasil
Com unidades no Brasil, Equador, Argentina, entre outros países, a fabricadora têxtil realiza:>
- Reaproveitamento de água em fábricas, através do projeto de reciclagem de água VSA (Projeto de Reúso e Tratamento de Água). “No Nordeste a gente recicla água que iria para tratamento e consequentemente despejada. Fazemos o tratamento, usamos na indústria e também vendemos água para outras indústrias”, explica Lola;>
- Redução do uso de produtos químicos;>
- Reciclagem de materiais;>
- Uso de algodão regenerativo. “As fazendas não usam pesticidas ou agrotóxicos, fazendo com que o solo seja regenerado. Algumas fazendas que produzem matéria prima usam pesticidas e agrotóxicos, assim o solo fica comprometido por muito tempo. Já na agricultura regenerativa, esse chão é enriquecido através de processos de inovação e naturais, investimos em projetos pontuais, fibras recicladas no pré e pós-consumo”;>
- Além do uso de energia eólica>
De acordo com Lola, a questão da sustentabilidade para muitas empresas não é mais “tendência”, mas uma questão de responsabilidade social. De acordo com um estudo feito pela Koin, fintech especializada em “Buy Now, Pay Later” (BNPL), 87,5% dos consumidores brasileiros preferem comprar roupas de marcas que adotem práticas sustentáveis. O levantamento foi realizado a partir de pagamentos parcelados de 200 consumidores em todo o Brasil.>
Dessa forma os consumidores contribuem com a redução de danos à natureza, e ao mesmo tempo, transitando entre os diferentes estilos. “O jeans tem licença poética, por isso que ele é tão único, tão amado”.>