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Ana Beatriz Sousa
Publicado em 28 de abril de 2025 às 12:35
Uma das noites mais dolorosas da vida de Gloria Maria aconteceu em 2 de junho de 1980, na recepção do Rio Othon Palace Hotel, na Avenida Atlântica, em Copacabana. Na ocasião, a então jovem repórter da TV Globo foi impedida de subir ao quarto de um amigo que estava hospedado no local. O motivo? Sua cor de pele. >
“Fui barrada não por ser jornalista ou outro motivo qualquer, fui barrada por ser negra. Um dos gerentes disse que negra aqui não podia entrar”, declarou Gloria na época, em uma reportagem exibida pelo Jornal Hoje. A jornalista tentou comprovar sua identidade com documentos e explicou que apenas visitaria um conhecido, mas ainda assim foi rejeitada. Ao tentar se registrar como hóspede para entrar no hotel, o gerente também se negou.>
Sem aceitar o preconceito, Gloria buscou justiça: foi até a 13ª Delegacia de Polícia e registrou um boletim de ocorrência baseado na Lei Afonso Arinos, de 1951, a primeira legislação brasileira que criminalizou a discriminação racial. Na delegacia, o gerente tentou minimizar o episódio alegando que a proibição foi motivada pela hora avançada e por "medidas de segurança".>
O impacto emocional da situação ficou visível na gravação da matéria: a jornalista, abatida e indignada, deixava claro o quanto o racismo fere profundamente. “O racismo dói na alma. Quem não é preto nunca vai entender isso”, disse ela anos depois, ao relembrar o episódio.>
Esse episódio marcante da trajetória de Gloria Maria é um dos destaques da série documental Gloria, lançada no Globoplay no último domingo (27), após o Fantástico. Dividida em quatro capítulos, a produção revisita momentos históricos da carreira da jornalista e traz depoimentos de outras mulheres negras que se inspiraram em sua presença pioneira nas telas.>
Gloria Maria faleceu em 2 de fevereiro de 2023, vítima de complicações de um câncer metastático. Deixou como legado uma contribuição inestimável para o telejornalismo brasileiro e um exemplo de luta e resistência para gerações futuras, além do mistério sobre sua idade, segredo que ela sempre guardou com bom humor e elegância.>
O caso de Gloria Maria evidencia a importância das leis de combate ao racismo no Brasil. Desde a Lei Afonso Arinos, o país avançou juridicamente: em 2020, foi criado o Estatuto da Igualdade Racial e, em 2023, a injúria racial passou a ser considerada crime de racismo, com penas mais severas para quem comete discriminação.>