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Elis Freire
Publicado em 24 de outubro de 2025 às 22:20
O ciclo repetitivo de pornografia, masturbação e orgasmo, conhecido pela sigla PMO, tem despertado preocupação crescente entre especialistas brasileiros. Quando esse padrão deixa de ser uma expressão natural da sexualidade e se transforma em uma compulsão que causa sofrimento, perda de controle e prejuízos à vida cotidiana, os impactos podem ser profundos, afetando mente, corpo, relacionamentos e desempenho profissional.>
O comportamento sexual compulsivo, hoje reconhecido pela Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da Organização Mundial da Saúde (OMS), é definido como a repetição persistente de impulsos ou atos sexuais que a pessoa não consegue controlar, mesmo diante de consequências negativas. O problema pode se manifestar em diversas formas: uso abusivo de pornografia, masturbação frequente, múltiplos parceiros ou práticas arriscadas.>
Vício em pornografia e excesso de masturbação são problemas reais
Para o psiquiatra e sexólogo Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, a linha entre o comportamento saudável e o patológico está no prejuízo funcional. “Quando a vida sexual passa a dominar todos os espaços da rotina e gera culpa, ansiedade ou isolamento, estamos diante de um quadro que merece atenção clínica”, afirma.>
Os danos da PMO compulsiva>
Estudos nacionais apontam que a compulsão sexual está associada a níveis elevados de ansiedade, depressão e solidão. Segundo dados do ProSex, pacientes com esse tipo de quadro frequentemente relatam dificuldades de concentração, queda de produtividade e afastamento de familiares ou parceiros. O uso contínuo de pornografia também pode afetar o cérebro, interferindo no sistema de recompensa e tornando o estímulo visual cada vez menos satisfatório.>
O psiquiatra Jairo Bouer explica que “o consumo excessivo de pornografia cria um padrão de excitação que não se repete na vida real, o que pode levar à disfunção erétil psicológica e à perda de interesse pelo contato humano”. Além disso, o comportamento compulsivo pode provocar sentimentos de culpa e vergonha, agravando sintomas depressivos e de baixa autoestima.>
As causas e os gatilhos>
As origens desse comportamento são multifatoriais. Fatores como traumas emocionais, abuso sexual na infância, solidão, ansiedade e facilidade de acesso à pornografia digital favorecem a instalação do padrão. O psicólogo Rodrigo Casagrande, especialista em sexualidade pela Universidade Federal do Paraná, explica que “o cérebro se adapta ao estímulo constante de prazer imediato, e a pessoa passa a usar o sexo como fuga de emoções negativas, reforçando o ciclo”.>
O que dizem as entidades médicas>
A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) reconhece o transtorno do comportamento sexual compulsivo como condição que exige abordagem interdisciplinar. Em nota publicada na Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, a entidade destaca que, embora o termo “vício em pornografia” ainda não conste no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), os prejuízos clínicos são semelhantes aos de dependências comportamentais já estabelecidas, como o jogo patológico.>
A Associação Brasileira de Estudos em Sexualidade e Saúde (ABESS) reforça que o comportamento sexual compulsivo deve ser tratado com seriedade, evitando rótulos morais ou religiosos. Segundo a instituição, o tratamento busca restabelecer o controle sobre o impulso, resgatar a autoestima e promover uma relação saudável com o próprio prazer.>
Como buscar ajuda>
O primeiro passo é reconhecer que o comportamento saiu do controle. Procurar um psiquiatra ou psicólogo com especialização em sexualidade é essencial. No Brasil, o ProSex (HCFMUSP) é referência no atendimento de pessoas com compulsão sexual. Clínicas de psicoterapia e serviços universitários também oferecem acompanhamento gratuito ou a baixo custo.>
O tratamento combina psicoterapia, especialmente a terapia cognitivo-comportamental (TCC), que ajuda a identificar gatilhos, corrigir distorções cognitivas e substituir hábitos disfuncionais. Em alguns casos, medicamentos antidepressivos, estabilizadores de humor ou bloqueadores de impulsos sexuais são utilizados, sempre sob orientação médica.>
Além do acompanhamento clínico, especialistas recomendam adotar estratégias práticas: reduzir o tempo online, evitar estímulos eróticos em excesso, criar rotinas de autocuidado e investir em atividades físicas, sociais e criativas. A meditação e grupos de apoio, como os “Sex Addicts Anonymous”, também podem auxiliar no processo de recuperação.>
O caminho da recuperação>
Superar o ciclo de PMO não significa reprimir a sexualidade, mas ressignificá-la. O processo envolve paciência, recaídas eventuais e muita honestidade emocional. Como afirma Carmita Abdo, “a sexualidade deve ser fonte de prazer e conexão, não de sofrimento e culpa. Buscar ajuda é um ato de coragem, não de fraqueza”. >
Quando o comportamento sexual deixa de ser uma escolha e passa a dominar a vida, é hora de pedir ajuda. A recuperação é possível, e o recomeço começa com um gesto simples: admitir que o prazer, para ser pleno, precisa andar junto da liberdade.>